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Agrotec

Universidade do Porto pretende instalar Centro Tecnológico Agrícola em Vairão

campus-vairaoEstá previsto para o Campus Agrário de Vairão um projeto que promete revolucionar o mercado agrícola na região norte: uma Incubadora de Empresas para Empresários, Jovens Agricultores e Empresas, e a construção de Estufas com Ambiente Controlado para experimentação do setor profissional e académico, tornando o Campus num Centro de Excelência de Agricultura de Precisão para o Setor da Horticultura e Floricultura.

Este projeto estará aberto a toda a comunidade mas servirá, idealmente, estudantes, recém-licenciados e produtores agrícolas. A ideia é reforçar a investigação, antecipar e corrigir erros de produção, fomentar o desenvolvimento tecnológico e a inovação como vantagens competitivas.

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A AGROTEC conversou com o Vice-Reitor da Universidade do Porto, Jorge Gonçalves e com a Diretora do Mestrado em Engenharia Agronómica da Faculdade de Ciências, Ana Aguiar, que nos falaram do projeto que está a ser desenvolvido para o Campus Agrário, permitindo que este se torne num Centro de Excelência para o Desenvolvimento da Horticultura e Floricultura na região. A inclusão de uma Incubadora de Empresas/Empresários Agrícolas é outro trunfo do projeto, que promete revolucionar a ligação entre a investigação científica e o mercado agrícola.

Como surgiu o projeto

Quando questionado sobre o porquê de Vairão ter sido o local escolhido desde o início, o responsável pela UPTec, Jorge Gonçalves, afirmou que “sempre se discutiu dentro da Universidade do Porto o modo como e onde esta se devia instalar para promover as ciências

agrárias: Vairão aparece como o local mais provável dado o envolvimento e presença no local da Direção Geral da Agricultura e do LNIV – Laboratório Nacional de Investigação Veterinária, para além da forte componente agrícola da região. A Universidade, a partir deste ponto, tem procurado espaços para desenvolver um projeto que permita extrair todo o potencial do Campus Agrário.

O primeiro espaço foi o edifício central, construído em parceria com o IDARN (Instituto para o Desenvolvimento Agrário da Região do Norte), que assumiu a construção do mesmo. Mas não era suficiente: na visão da Universidade, para se criar um pólo com a dimensão suficiente para ser sustentável, com massa crítica para criar valor, era preciso algo mais.

Neste sentido, fez-se um acordo com a Direção Geral do Património (Ministério das Finanças), com vista à cedência de um conjunto de edifícios, permitindo desenhar um plano de expansão, com uma dimensão que garanta a presença de um número suficiente de investigadores, estudantes, grupos, que tornem o campus não só financeiramente sustentável mas também capaz de dinamizar o projeto nas vertentes técnica e científica.”

 jorge-goncalvesJorge Gonçalves, Vice-Reitor da Universidade do Porto

Porquê este desenvolvimento?

Para Jorge Gonçalves, o local para o desenvolvimento do projeto é algo fulcral: “Se não houvesse potencial ou possibilidade de crescer aqui em Vairão a Universidade devia considerar -se, e chegou-se mesmo a ponderar essa hipótese -, abandonar Vairão ou abandonar definitivamente as ciências agrárias. Acontece que, dentro da Universidade, existem vários grupos de várias faculdades que, à volta do grupo das ciências agrárias, consideram que a agricultura de futuro será mais um espaço de confluência de diferentes disciplinas, olhando com interesse para este potencial crescimento na área do ensino e investigação das ciências agrárias. Este fator, conjugado com a oportunidade que este património nos deu, é que levou a este ponto em que nos encontramos: a possibilidade de desenhar um projeto assente num conjunto de espaços que já são património da Universidade.”

Ana Aguiar destaca ainda a proatividade dos produtores locais”Outras das grandes vantagens geográficas deste campus é termos bons profissionais agrícolas nesta região, sabemos isso porque estamos ligados às associações, e é visível que usam tecnologias bastante avançadas e querem evoluir ainda mais.”

 ana-aguiarAna Aguiar, Diretora do Mestrado em Engenharia Agrónoma

Estratégia e Posicionamento

Qual será então a estratégia e posicionamento deste projeto? Para Jorge Gonçalves, a cooperação entre instituições é um fator-chave: “Temos tido o cuidado de desenhar isto em diálogo constante com as outras escolas e universidades que têm a área das ciências agrárias. Não faz sentido fazermos algo que fragilize aquilo que, por exemplo, a UTAD, o Instituto Politécnico de Bragança ou de Ponte de Lima ou qualquer outra instituição da região esteja a fazer. Assim, aquilo que desenhámos para aqui é uma área que possa aproveitar, e muito, a multidisciplinaridade da Universidade, os seus nichos de conhecimento, seja na área da biotecnologia, dos materiais ou da própria engenharia e evoluirmos para uma agricultura de alta tecnologia e precisão.

Atendendo ao tipo de território e condições – o facto de existirem muitas estufas – pretende-se que esta estrutura possa servir de apoio aos produtores da região, num contexto de agricultura intensiva, quase numa lógica de fábricas de legumes e de flores, e que possa inclusivamente disponibilizar a estes produtores um espaço de experimentação, de partilha de experiências e de incorporação de conhecimento em diferentes tipos de culturas, em terra ou em substratos artificiais. Não queremos construir um círculo fechado, de acesso restrito a um pequeno grupo, mas sim abrirmo-nos a grupos de outras universidades, para que possam vir cá explorar o campus e partilhar conhecimento.”

Para a Professora Ana Aguiar, este é um projeto a longo prazo: «A ideia é continuar e reforçar o ensino da agronomia e aproveitar a muita investigação que existe na Universidade do Porto que versa sobre esta área, mas que depois acaba por não ter uma aplicação direta na atividade económica agrícola. Existem aqui imensos investigadores, com muita competência, que publicam em muitas revistas internacionais. Nós, Universidade do Porto, estamos muito bem classificados nos rankings das revistas científicas internacionais de agronomia, porém, isso não se reflete posteriormente em vantagens ou aplicações práticas para a agricultura. Neste sentido, uma das ideias deste centro de competências a desenvolver aqui é estabelecer essa ligação com a agricultura profissional, e neste caso específico escolhemos só uma área da agricultura – a produção de hortícolas e de flores em estufa -, pois não poderia ser toda a agricultura, para que a investigação que é feita possa ser utilizada e aplicada pelos agricultores, para que estes também possam ter aqui um espaço para investigar aquelas coisas que os estão a preocupar, em ligação com a investigação, e para que os nossos jovens que se formam aqui possam também eles ter um sítio para iniciar a sua atividade profissional. Acaba por funcionar como uma incubação, uma rampa de lançamento. Para quem estuda agronomia, um gabinete não pode funcionar como uma rampa de lançamento, como pode ser para jovens formados noutras áreas científicas. O escritório de um engenheiro agrónomo é lá fora, no campo, numa estufa.»

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Porquê as culturas protegidas?

Relativamente à justificação por esta escolha, o Vice-Reitor adianta: “A área das culturas protegidas aparece como a nossa escolha até para recriar a estação de hortofloricultura que já existia. O que a Universidade do Porto está a procurar fazer é uma estação de hortofloricultura de nova geração», refere Jorge Gonçalves. “Será um espaço aberto de investigação e experimentação, onde os produtores poderão até experimentar novas variedades e permitir que, antes de fazerem as suas opções estratégicas ou técnicas, tenham um espaço para comparar rentabilidade, selecionar variedades, técnicas, otimizar as condições. E isto é o que queremos fazer nesta primeira fase”.

Ana Aguiar acrescenta ainda que esta é, naturalmente, a atividade que faz mais sentido devido ao seu “enquadramento com a região”, destaca ainda que “é uma atividade económica rentável, que alguns estudos dizem que vai crescer, não só pela maior necessidade de mercado, mas também porque haverá mais terrenos disponíveis, que deixarão de estar associados à produção das vacas leiteiras (devido a algumas restrições com as cotas de mercado), diminuindo assim a sua produção e consequentemente disponibilizando terrenos, naturalmente para a horticultura, pois são terrenos ricos e perfeitamente enquadráveis nesta atividade. Esta será uma área que vai ter crescimento, e é uma área onde atualmente os agricultores vão buscar o know-how lá fora, porque aqui ainda não têm como o fazer.”

Relativamente às características geográficas da região, Ana Aguiar refere que «uma das características do noroeste do país é o facto de os terrenos serem de parcelas muito pequenas.

Contudo, para a produção de hortícolas, não é um fator de desvantagem, isto é, ninguém produz hortícolas em hectares, como acontece, por exemplo, com os cereais. São culturas herbáceas intensivas, medindo-se as áreas em metros quadrados”. Quando questionada sobre este tipo de culturas e como será aplicada no campus, Ana Aguiar diz-nos: «Temos dois tipos: ar livre e estufa. As de estufa são tipicamente cobertas com plástico, mais baratas, mas a evolução aponta para um outro sentido: estufas mais altas e com materiais mais rijos, cada vez mais duradouros.

Por isso, a estufa para este projeto vai ser uma estufa de vidro ou outro material rígido, que permite um pé direito mais alto e portanto com maior capacidade de controlo ambiental dentro da estufa, como por exemplo da temperatura e da humidade.» O Vice-Reitor adiantou ainda que “existe também a possibilidade do tomate e morango virem a ser incluídos, pois podem também ser cultivados em estufa.”

Quando?

E quando veremos o projeto finalizado? “Até agora, o desenho do projeto está feito, quer no desenho quer na articulação com as outras entidades do Sistema Científico e Tecnológico, temos envolvido também o Ministério da Agricultura (através da Secretaria de Estado da Área Agroalimentar), e da própria CCDR – N, para além de parceiros internacionais, que nos dão algum conforto no sentido de sermos capazes de fazer e trazer para aqui as condições adequadas para este território, este clima, etc. A Faculdade tem feito o seu trabalho, recrutando mais pessoas e reforçando a sua equipa, no sentido de envolver colegas das outras áreas, para tornar tudo isto possível.”- Disse o Vice-Reitor Jorge Gonçalves.

A aposta recai na adaptação de edifícios

A principal aposta é o reaproveitamento dos edifícios que já são propriedade da Universidade do Porto, tornando assim a aposta mais eficiente: “Sim, o antigo Museu do Linho será adaptado para instalar câmaras de crescimento onde qualquer grupo, de qualquer universidade, poderá usufruir. Aí, terá apoio de um corpo técnico, um conjunto de laboratórios e equipamentos de secagem e conservação, o que permitirá obter auxílio a tudo o que se faz nessas câmaras de crescimento encontrando-se também, contíguo a esse edifício, uma estufa, com vários compartimentos, e com a possibilidade de individualizar separadamente a climatização em cada compartimento.

O outro bloco é também uma adaptação de um edifício, que permitirá ao grupo das ciências agrárias da Faculdade de Ciências, e outros grupos da Universidade do Porto que se queiram instalar aqui no campus, ter um espaço. Mas é também propósito que estas áreas possam servir de base para que qualquer grupo de investigação possa reservar uma sala, com gabinetes e laboratórios de apoio para poderem trabalhar de forma autónoma.

Haverá assim espaços para serem disponibilizados a empresas existentes, novas empresas (start-ups ou spin offs) ou para o desenvolvimento de projetos. Queremos portanto ter mais um satélite da Uptec aqui em Vairão”, adiantou o Vice-Reitor.

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Apoios

E apoios? “Apenas do Estado, mais uma componente da Universidade – investimento próprio. Posteriormente, todos os utilizadores terão que suportar os custos correntes e alguns custos de amortização. O único financiamento próprio é através da Universidade do Porto”, disse-nos o Vice-Reitor.

Vantagens

Que vantagens trará este projeto para os produtores locais e nacionais? Vice-Reitor: “Permitir que os produtores nacionais não estejam tão dependentes de fornecedores externos, de tecnologia externa. Muitas vezes, pelo que me dizem, eles fornecem soluções que não são sempre as mais adequadas e portanto, se formos capazes de dinamizar um pouco esta fileira, chamando empresas a oferecer novas soluções, apoiando novos produtores, apoiando os grupos que estão a fazer investigação e formos capazes de pôr todas as instituições científicas a colaborar ao serviço da agricultura e desta região, podemos colmatar esta lacuna e gerar riqueza para a região. Eu acho que esta seria a melhor forma de honrarmos aquilo que é o sonho que vem desde a década de 90 e está a ser, a pouco e pouco, construído cá em Vairão.»

Incubadora Agrícola

Relativamente à criação de mais um pólo da UPTec em Vairão e tornando-se este naturalmente direcionado para empresas e empreendedores agrícolas, surge a pergunta: já existe este conceito?

Professora Ana Aguiar: «Em Portugal não, internacionalmente desconhecemos qualquer caso. Aqui em Vairão temos programada a incubação para jovens agricultores se instalarem, num período de 5 anos, com a cedência de um espaço exterior, para além do apoio jurídico, de secretariado e de gestão necessários. Com efeito, temos de momento um grupo de alunos do mestrado que ganhou uma bolsa, e estão agora a fazer um estudo para ver qual a unidade básica rentável para um dia um jovem agricultor se instalar: que rotações necessárias, quais culturas, que dimensionamento da parcela, etc. Neste momento, já existe um relatório preliminar, ainda teremos que aguardar as conclusões.”

Desafios

Que grandes desafios e vantagens poderá trazer este Centro de Excelência aqui em Vairão?

“A grande vantagem deste projeto poderá ser conseguir criar um conjunto de problemas suficientemente complexos, que envolva diferentes áreas de conhecimento, para trazer soluções adequadas e inovadoras para a região. Queremos que qualquer produtor existente na região, ou que queira começar, possa ter aqui um local de treino com especialistas, para quando se lançar sozinho já ter uns meses de treino prático e consequentemente ter maior conhecimento, reduzindo significativamente o risco. Queremos que ele tenha «um número de emergência”.

Especialmente, tirar a ideia de que o trabalho agrícola é um trabalho sujo, menos qualificado e de pouca exigência tecnológica e científica, pois isso não corresponde de todo à verdade. Isto é possível, em muitos países já o é, e nós em Portugal começamos a ter conhecimento para o montar, esta pode ser uma oportunidade para ensaiarmos nesta área algo do género. Na Holanda, há um ano atrás, além das regiões de estufa da Holanda, já se falava em Amesterdão transformar-se numa zona produtora de hortícolas, através de fábricas de vegetais: isto são desafios interessantes, tecnologicamente exigentes, existindo hoje soluções para as implementar.

Aqui, temos o know-how, se estivermos atentos às evoluções, quando a tecnologia chegar nós podemos ser pioneiros e não ficar décadas atrás da “crista da onda”. Por exemplo, um desafio que costumo referir: hoje já se pode cultivar sem terra. A hidroponia poderá permitir utilizar espaços que antes não foram pensados para a agricultura, isto vai lançar desafios na produção de substratos mais amigos do ambiente e também mais económicos. Há toda uma fileira que pode ser explorada e criar-se aqui um ecossistema favorável ao aparecimento destas soluções.»

Professora Ana Aguiar: “Na minha área de investigação, que é a proteção das culturas, ou seja, controlo de pragas e doenças e forma de combatê-las, a maior parte dos agricultores da região já usa uma luta biológica, servindo-se de auxiliares para combater as pragas em vez de aplicar pesticidas, que têm as consequências nefastas que já todos sabemos, como resíduos na alimentação e no ambiente. Os agricultores, cientes e sensíveis a este fator, adquirem os auxiliares e têm já um conhecimento confortável acerca dos mesmos, encomendando-os e aplicando-os de forma já totalmente autónoma. Isto exige muito mais conhecimento do que a utilização de pesticidas naturais, porque na compra de um inseto auxiliar para combater a praga, é necessário saber exatamente qual é a praga, para o uso eficaz do mesmo. Usando um pesticida de largo espectro, é muito mais fácil.

O agricultor profissional, atualmente, quer mais que isto. E alguns querem ainda mais, e estes que querem ainda mais, têm que ir buscar lá fora, pois cá em Portugal não têm como obter auxílio ou informação, o que é algo que não faz qualquer sentido, e é isso que o Campus de Vairão quer combater.”

 In AGROTEC 10.