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Agrotec

SCAS 2022: agricultura inteligente e circular na promoção da sustentabilidade

Texto por: Susana M.P. Carvalho1, 2 Ruth Pereira1, 3

1 GreenUPorto/Inov4Agro Centro de Investigação em Produção Agroalimentar Sustentável

2 DGAOT, Faculdade de Ciências, Universidade do Porto 3 Departamento de Biologia, Faculdade de Ciências, Universidade do Porto

Os desafios presentes e futuros enfrentados pela agricultura foram agrupados, pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OECD), numa trilogia dinâmica: alimentar uma população crescente, garantir o sustento dos agricultores e proteger o ambiente. Para fazer face a estes enormes desafios, num contexto de alterações climáticas, a investigação, a educação e a tecnologia têm de ser fortes aliadas. Nesse sentido, o Congresso Internacional SCAS2022 “Smart and Circular Agriculture towards Sustainability” surgiu da vontade de abordar temas relacionados com este triângulo virtual, convidando todos os atores do setor da academia, agricultura e indústria a apresentar os seus contributos e pontos de vista nesta área. Este congresso, organizado pelo GreenUPorto/ Inov4Agro da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto, teve lugar no passado dia 21 e 22 de julho no Porto e contou com a participação de cerca de 100 participantes de 14 países.

De acordo com as Nações Unidas, a população mundial deve chegar a 9,6 bilhões em 2050. Este facto, juntamente com o aumento da frequência da ocorrência de condições climáticas extremas (ex: secas, inundações, fogos – resultantes das mudanças climáticas) e com o impacto ambiental causado pela agricultura intensiva, tornam premente a necessidade de repensar a agricultura como a conhecemos até então. Uma das abordagens mais promissoras para tornar os sistemas de produção de alimentos mais eficientes e resilientes, mitigando a pegada agrícola e aumentando a produtividade e o rendimento dos agricultores, é a digitalização da agricultura (a chamada Agricultura 4.0 ou Agricultura Inteligente). Este conceito integra a inteligência artificial, big data, robótica, sistemas de informação geográfica, sensores, soluções de informação e comunicação, todos interligados pela “Internet das Coisas” (IOT – “Internet of Things”).

Paralelamente, para fazer face aos desafios societais acima indicados, a investigação científica também engloba vários outros desafios, como: otimizar novos sistemas de produção com vista a aumentar a eficiência do uso dos recursos, melhorar a qualidade nutritiva dos alimentos, recuperar os solos e sua biodiversidade, proteger a biodiversidade das culturas, aumentar a resiliência das culturas às mudanças climáticas, bem como a novas pragas e doenças. Paralelamente, no que respeita a educação é necessário preparar uma nova geração de agricultores aptos a adotar tecnologias e a saber usar as mesmas no apoio à tomada de decisão. Atendendo ao forte envelhecimento do setor primário, urge tornar a agricultura mais atrativa para os jovens, por forma a dinamizar o setor e a fixar jovens à agricultura e ao meio rural. Em resumo, somente através de interações positivas entre investigação, educação e tecnologia, moldadas em políticas eficazes e inovadoras, é que os objetivos de desenvolvimento sustentável da ONU poderão ser alcançados.

SCAS2022 – UM CONGRESSO, QUATRO SESSÕES

Para melhor abordar as questões da sustentabilidade e circularidade da agricultura o SCAS2022 foi dividido em quatro sessões plenárias e complementares:

• Sessão 1 – Pesquisa, Inovação e Formação em Agricultura 4.0;

• Sessão 2 – Agricultura Circular e Sistemas Alimentares;

• Sessão 3 – Agricultura Vertical e Culturas Protegidas: onde nos posicionamos?

• Sessão 4 – Controlo de Pragas e Doenças para uma Agricultura mais Sustentável 

O congresso decorreu ao longo de dois dias, contou com um total 100 participantes de 14 países, tendo sido apresentadas 25 comunicações orais e 41 comunicações em painel. Tiveram ainda lugar duas mesas redondas nas quais foram integrados elementos da academia e de empresas nacionais e estrangeiras. Entre as principais conclusões destacamos de forma sintética: a tecnologia e biotecnologia; os sistemas de produção vertical; os bioestimulantes, agentes de biocontrolo; e a agricultura circular.

Tecnologia e biotecnologia

A tecnologia e a biotecnologia oferecem atualmente muitos produtos e serviços que se espera que venham a permitir uma exploração mais inteligente e eficiente dos recursos. O planeamento espacial do território, com análises multicritério (AMC) que permitem integrar variáveis físicas, socioeconómicas e ecológicas e assim avaliar o potencial uso de recursos até então não aproveitados, como por exemplo as águas da chuva; diversas ferramentas IoT que estão a evoluir para integrar diferentes tipos de dados (RGB, espectrais e espaciais), e assim aumentar o apoio à tomada de decisão dos produtores na gestão das culturas. Paralelamente, a biotecnologia oferece novos bioestimulantes/fertilizantes multifuncionais e consórcios de microrganismos, com elevado potencial para aumentar a produtividade e a qualidade dos produtos, assim como o aumento da tolerância a stresses abióticos e stresses bióticos (pragas e doenças).

Sistemas de produção vertical

Crescimento exponencial, a nível mundial, dos sistemas de produção vertical (fábricas de plantas). Este aumento deve-se à possibilidade de produção de hortícolas frescos em ambiente urbano e peri-urbano, com maior eficiência no uso dos recursos (água, nutrientes, produtos fitofarmacêuticos e espaço) e à menor pegada de carbono. Como principal estrangulamento é apontado o custo energético, sendo por isso importante apostar em produtos de elevado valor acrescentado e explorar a melhor forma de comunicar junto do consumidor os atributos diferenciadores destes produtos.

Bioestimulantes, agentes de biocontrolo

Aparecimento nos últimos anos de uma vasta gama de bioestimulantes, agentes de biocontrolo, havendo um enorme turn-over de produtos que dificulta a escolha dos produtores. A legislação atual é muito restritiva para os agentes de biocontrolo (bem menos para os bioestimulantes) e os custos processuais de registo dos produtos são extremamente elevados. Existem ainda claras lacunas na legislação (ex: para os nanopesticidas). Porém, é importante continuar a investir em novos agentes de controlo sustentável de pragas e doenças para fazer face às diretrizes do Green Deal, ao aumento da procura por produtos de “resíduo zero”, e a outros documentos legais que exigem a redução do uso de elementos como o cobre face aos reconhecidos impactes ambientais. 

Agricultura circular

A transição para a agricultura circular, abre a porta para o reaproveitamento de inúmeros resíduos orgânicos, para o desenvolvimento de produtos com potencial para (entre outros) aumentar o carbono orgânico do solo, reduzir a aplicação de fertilizantes químicos, melhorar a produtividade das culturas e extrair produtos de valor acrescentado. As possibilidades são inúmeras, o que confere um grande potencial económico a estes resíduos. Contudo, os vários produtos devem ser testados quer em laboratório quer em campo, sendo igualmente importante a interação com os agricultores para perceber as necessidades de cada cultura, ajudar a ultrapassar as barreiras e receios, relativamente à sua utilização.