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Agrotec

Stevia Rebaudiana: uma Doce Oportunidade para a Agricultura

Artigo Técnico

Nas espécies vegetais que apresentam potencial para produzir adoçantes naturais é a planta Stevia rebaudiana (Bert.) Bertoni (Figura 1) que tem atraído maiores interesses económicos e científicos, relativamente às suas características e propriedades terapêuticas das suas folhas. O glicosídeo presente nas folhas de estévia, que se designa esteviosídeo, tem ação hipoglicémica, o que leva a um melhoramento da função pancreática, uma vez que as células β aumentam a produção de insulina que, por sua vez, levam a uma redução da glicémia no sangue. É diurético, ajudando na retenção de líquidos e reduz o colesterol e os triglicéridos.

Origem e Evolução

A Stevia rebaudiana (Bert.) Bertoni é nativa de Amambai, região fronteiriça entre o Brasil e o Paraguai, sendo muitas vezes referida como “a erva-doce do Paraguai”. Existe também noutras regiões do Brasil e da Argentina.

Desde os anos 70 do século XX que os extratos de estévia têm sido amplamente utilizados em diversos países como uma alternativa ao açúcar. O seu cultivo alastrou-se por outras zonas do mundo, tais como o Canadá, Ásia e Europa. O Japão foi o primeiro país do continente asiático a comercializar esteviosídeo como adoçante na indústria dos alimentos e medicamentos. Desde então, o cultivo desta planta difundiu-se por outros países da Ásia. A estévia e o esteviosídeo foram usados como substitutos da sacarose para o tratamento da diabetes mellitus e, além da sua doçura, o esteviosídeo juntamente com compostos relacionados (rebaudiosídeo A, steviol e isosteviol) tem um importante papel terapêutico como anti-hiperglicémico, anti-inflamatório, antidiarreico, diurético e imunomoduladores.

O esteviósideo, 85-95% de pureza, é uma mistura de 8 glicosídeos diterpénicos, entre os quais predomina o esteviósideo (50%) e o rebaudiosídeo A (30%). Os outros glicosídeos (rebaudiosídeo B, dulcósido A, estevioviósidos, esteviol e isoesteviol) estão presentes em quantidades detetáveis. Os cristais de esteviósideo têm a aparência de um pó muito fino, branco marfim e inodoro (Figura 2). O seu poder adoçante, característica mais evidente, é 300 vezes maior do que a sacarose, ou seja, um grama de esteviósideo substitui 300 gramas de sacarose. Outras das vantagens do esteviósideo é a não metabolização por parte do organismo, logo, é livre de calorias, adequando-se ao uso dietético.

Caracterização Botânica e Classificação Taxonómica

A Stevia rebaudiana (Bert.) Bertoni é um dos 950 géneros da família Asteraceae (Compositae) e o classificador botânico foi Moisés Santiago Bertoni, em 1899. Inicialmente, foi chamada de Eupatorium rebaudianum e só mais tarde, em 1905, obteve o nome de Stevia rebaudiana (Bert.) Bertoni (Tabela 1). Apesar de existirem 230 espécies do género, apenas a Stevia rebaudiana tem a essência da doçura, enquanto outras espécies apresentam outro interesse bioquímico. As suas folhas têm propriedades funcionais e sensoriais superiores aos de muitos outros adoçantes.

É uma planta de dias curtos que tem flores de janeiro a março no Hemisfério Sul e de setembro a dezembro no Hemisfério Norte, onde as sementes férteis são geralmente de cor escura e as sementes estéreis são geralmente de cor mais clara.

Morfologia

A estévia é uma planta de porte herbáceo com um ciclo perene, e a sua altura tende para um metro. Apresenta um sistema radical desenvolvido, com caules frágeis, que produzem pequenas folhas elípticas (Figura 3).

A raiz da estévia é fibrosa, apenas se ramifica e não aprofunda, desenvolvendo-se perto da superfície do solo. O caule é ereto, mais ou menos piloso, com tendência a inclinar-se e mais ou menos ramificado. Durantevo desenvolvimento inicial, não possui ramificações, mas depois da poda, chega a produzir perto de 25 caules.

As suas folhas são opostas, incompletas, simples, forma lanceolada a oblanceolada e serreada. Forma pequenas flores esbranquiçadas (15 a 17 mm), tendo pequenos “cachos” de 2-6 flores que estão dispostas em panículas soltas. As sementes estão contidas em aquénios (fruto) delgados com cerca de 3 mm de comprimento. A folha é o órgão que tem mais conteúdo em edulcorante.

O ciclo de produção da estévia tem um período de aproximadamente 8 meses.

Condições Edafo-Climáticas

A estévia é uma planta subtropical que, apesar de ser muito resistente à variação das características e tipos de solo, prefere solos húmidos, mas não encharcados, sem grande exigência ao nível da textura (arenosos e argilosos), com teores medianos de matéria orgânica, caracterizados por uma boa permeabilidade e drenagem. Admite uma faixa de pH do solo de 5,5 a 7,5 e também prefere a meia-sombra para o bom desempenho agronómico.

Os solos onde a Stevia rebaudiana (Bert.) Bertoni cresce de forma espontânea apresentam, normalmente, baixa fertilidade e um pH de 4 a 5, alcançando uma altura entre os 0,6 e 0,7 metros. Quando cultivada em solos onde as condições são mais convenientes ao seu desenvolvimento e crescimento, como por exemplo um pH de solo ligeiramente superior e boa drenagem, pode alcançar uma altura de cerca de 1 metro ou até mais.

A estévia pode ser facilmente cultivada como qualquer outra planta, mas o crescimento vegetativo é muito reduzido quando as temperaturas estão abaixo dos 20ºC e a duração do dia é inferior a 12 horas.

As temperaturas devem estar entre 15ºC e 30ºC, mais preferencialmente entre os 24ºC e os 28ºC, apesar das plantas de estévia tolerarem e desenvolverem-se a temperaturas de 43ºC, quando acompanhados de chuva ou sistemas de rega. A humidade relativa deve estar compreendida entre os 75-85%.

No Quadro seguinte apresentam-se os valores de temperatura determinantes para a germinação das sementes, crescimento e desenvolvimento das plantas de estévia.

No habitat natural, uma vez a fase de germinação bem sucedida, a estévia exige pouca manutenção e uma rega ligeira a cada dois a três dias, sendo beneficiada a produção de folhas e o conteúdo de esteviosídeo pelo aumento do comprimento do dia.

Em condições mediterrânicas a estévia floresce em agosto e setembro e é nesta altura que as suas folhas são mais ricas em esteviosídeo, necessitando sempre de muita luz. Pode por isso dizer-se que o aumento da intensidade de luz aumenta o crescimento vegetativo e os níveis de esteviosídeo.

Além do aumento das substâncias adoçantes, a luz tem um efeito determinante na germinação das sementes de estévia. Relativamente ao desenvolvimento e crescimento das plantas de estévia em condições mediterrâneas, estas diferem da sua origem tropical, uma vez que em condições mediterrâneas os dias no outono/inverno encurtam muito, o que leva a uma paragem do crescimento da planta, ou seja, quanto maior for o dia maior será o aparecimento de folhas, área foliar e, consequentemente, o porte da planta e peso seco da biomassa da parte aérea.

Por isso, a planta, que é plurianual, recresce a cada primavera a partir da sua raiz, podendo obter-se rendimento comercial durante um período de 5 a 6 anos.

Propagação

A estévia pode ser propagada por sementes (propagação sexuada), por cultura de tecidos (“in vitro”) e por estacas vegetativas (propagação assexuada).

A germinação das sementes de estévia caracterizadas por um pequeno calibre é, geralmente, muito baixa, devido a uma elevada proporção de sementes inférteis.

A micropropagação ou técnica de cultura “in vitro” é fundamental quando se pretende produção em massa e a produção de plantas geneticamente idênticas à Stevia rebaudiana (Bert.) Bertoni.

Na propagação assexuada (propagação por estacas), devido à grande heterogeneidade das plantas obtidas através das sementes, apresenta algumas vantagens, porque retém as características da planta de origem, sendo o mais conveniente para utilização em escala comercial. O método por estacas tem a vantagem de enraizar facilmente, ainda assim requer alguma atenção e trabalho.

Instalação da Cultura

A preparação do solo deve ser efetuada três meses antes de se estabelecer a cultura. Previamente à instalação da cultura, e com o intuito de criar condições que facilitem o normal desenvolvimento das plantas, são realizadas mobilizações de solo convencional ou tradicional.

Após eliminar as infestantes e os resíduos da superfície do solo, o terreno é nivelado, marcam-se as linhas de plantação com uma largura entre linhas a tender para 40 cm, dando origem aos camalhões que têm uma altura entre 10 cm e 15 cm. Assim, a densidade de plantação calcula-se com o espaçamento de 30 cm entre as plantas na linha de plantação, e 40 cm entre as linhas de plantação, obtendo-se uma densidade de cerca de 83.250 plantas por hectare. Quando existe necessidade de rega, esta deve ser gota a gota, para evitar excesso de humidade, o que irá permitir uma maior densidade, cerca de 100.000 a 150.000 plantas por hectare, uma vez que não existe competição entre as plantas pela água.

Relativamente à instalação da cultura a partir de plantas desenvolvidas em estufa, regra geral, um ramo vigoroso é cortado na base e plantado no campo, mantendo 2 a 3 nós acima do solo e a zona do corte pode ser mergulhada numa calda fungicida. Cortes de caules e rebentos novos podem ser propagados com êxito. Cerca de 98-100% do enraizamento pode ser obtido quando os cortes são feitos a partir das axilas das folhas. Além disso, o local da planta onde são feitos os cortes podem também afetar o crescimento e enraizamento da planta.

Problemas Sanitários

Com o objetivo de evitar problemas sanitários é importante a supervisão frequente da plantação de estévia, para detetar e eliminar rapidamente plantas suspeitas e modificações na morfologia da planta. Nas grandes plantações comerciais do Paraguai e Brasil detetaram-se doenças produzidas por fungos e nematoides.

Os fungos que afetam a Stevia rebaudiana (Bert.) Bertoni são o Colletotrichum sp., Nigrospora sp., Fusarium sp. (Fusariosis), Penicillium sp., Septoria sp. (Septoriosis), Cercospora sp. (Cercosporiosis). Regra geral, estes fungos surgem devido às altas temperaturas e humidade, desenvolvendo lesões cloróticas, em que a pigmentação das folhas sofre alteração e necrose dos tecidos.

Por outro lado, os fatores exigidos para o crescimento das plantas infestantes são semelhantes aos exigidos pela estévia, originando por isso um processo de competição quando as duas se desenvolvem em conjunto. As infestantes impedem o correto desenvolvimento da planta e a colheita das folhas e podem influenciar a obtenção de boa produtividade.

A estévia é conhecida por ser livre de ataques de insetos, uma vez que a sua doçura inerente age como um repelente. Portanto, os inseticidas não são essencialmente usados como acontece com outras culturas.

Ainda assim, observaram-se algumas pragas de insetos, como Trialeurodes vaporariorum West., cochonilhas (nome vulgar dos insetos da família Pseudococcidae), Chrysomelidae e insetos homópteros da família Psyllidae que atacaram levemente a estévia.

Fertilização

Após verificar se o terreno apresenta as condições ecológicas para o estabelecimento da cultura de Stevia rebaudiana (Bert.) Bertoni, deve realizar-se um estudo de solo de modo a conhecer as suas deficiências e necessidades, estabelecendo o plano de adubação química e orgânica mais adequado.

É fundamental realizar a fertilização com azoto (N), fósforo (P), potássio (K) e outros macro e micro nutrientes importantes para que a cultura não acumule deficiências nutricionais que irão afetar o aspeto e a qualidade das folhas e a planta em geral. No estabelecimento da estévia devem avaliar-se as análises de solo e os planos de fertilização, pois uma fertilização inadequada poderá originar um baixo rendimento de produção de folhas secas, o que permitirá ao longo dos anos ajustar as doses de fertilizantes.

Apesar da necessidade de avaliação da fertilidade do solo e da fertilização da cultura, as plantas de estévia não necessitam da aplicação de muitos fertilizantes devido à sua fácil adaptação a solos de baixa fertilidade.

Rega

A rega é fundamental para o crescimento da cultura de estévia, visto que as plantas não toleram longos períodos de seca e é uma prática que tem de ser gerida para potenciar a produção à colheita. O baixo índice de expansão alcançado pelo seu sistema radical, a profundidade limitada, bem como a natureza e o crescimento das plantas, impõem que o solo tenha um nível de humidade adequado para garantir o crescimento das plantas de Stevia rebaudiana (Bert.) Bertoni.

Em regiões onde a precipitação anual é menor que 1400 mm, a rega gota-a-gota é a mais recomendada, uma vez que não encharca demasiado o solo, serve para aplicar fertilizantes químicos e os problemas fitossanitários são evitados. A gestão da rega dependerá do local, condições de clima e de solo, sendo as necessidades hídricas da cultura, de 5 mm por dia, com intervalos de três dias para solos arenosos e com intervalos de 5 dias para solos argilosos. A rega deve ser interrompida 15 dias antes da colheita de modo a não afetar o teor de esteviosídeo nas folhas.

Assim, a rega frequente é necessária para manter a humidade do solo, uma vez que qualquer stresse hídrico pode reduzir a produção de folhas e afetar o rendimento esperado.

Poda

As podas são importantes para o desenvolvimento da planta e devem ser feitas ao início da manhã ou ao final do dia, evitando as horas de maior calor, para que não exista risco de desidratação e secagem dos ramos secundários e terciários.

Existem 3 tipos de poda: poda de formação, poda sanitária e poda de renovação.

A poda de formação é uma poda realizada oito dias depois da instalação da cultura no campo e constitui a prática de cortar o gomo terminal (formação inicial do ramo), deixando uns quantos pares de folhas com o objetivo de estimular o aparecimento de novos ramos. Um segundo corte é executado, após alguns dias, consistindo na poda das ramificações secundárias da mesma forma que se realizou a primeira. Posteriormente, fazem-se os cortes necessários nos ramos terciários e quaternários e eliminam-se os botões florais para que a planta se desenvolva.

A poda sanitária realiza-se com o objetivo de remover ramos que tenham sofrido danos mecânicos ou que estão afetados por doenças, principalmente Septoria sp., ou ainda quando a planta exibe muita floração.

Normalmente, a poda é submetida a cerca de 25 cm do solo para estimular o crescimento vegetativo.

Na poda de renovação o corte é também efetuado a 25 cm do solo para renovar a área produtiva, realizada normalmente quando esta está em decadência ou quando se observam doenças na planta.

Colheita

No final de cada ciclo de crescimento da planta, imediatamente antes do início da floração, deve ocorrer a colheita. Esta deve ser realizada antes que a planta inicie o botão floral, para se obter o máximo conteúdo de glicosídeo. A aparência das folhas perde qualidade a partir desse estado, efetuando-se o corte 5 a 10 cm acima do solo. Os cortes devem ser feitos pela manhã (para que a planta tenha tempo de secar à tarde) com ferramentas bem aguçadas, para que não ocorra oscilação do sistema radicular das plantas.

Após a colheita os ramos juntam-se, expõem-se ao sol e ao final do dia guardam-se em local fechado para evitar a humidade matinal. Depois de dois dias de secura das folhas estas desprendem-se do caule com maior facilidade.

Em climas frios, caracterizados por invernos rigorosos, apenas é possível fazer uma colheita por plantação e uma colheita precoce pode originar redução do rendimento total. Com o cobrimento das “coroas” das plantas, estas podem sobreviver durante o inverno e a produção de uma segunda temporada poderá ser possível.

Potencialidade Agrícola da Stevia Rebaudiana

A cultura de Stevia rebaudiana (Bert.) Bertoni vem demonstrando crescimento significativo na área cultivada, pois tem um potencial relevante, na medida em que possui inúmeros benefícios para a saúde com as suas propriedades medicinais, sendo também aprovada como suplemento dietético pelo “Food and Drug Administration” (FDA). A sua utilização vai muito além da diabetes e obesidade. Possui propriedades hipoglicemiantes, hipotensivas, vasodilatadores, antifúngicas, antivirais, anti-inflamatórias, antibacterianas, sabor, doçura e aumento da função urinária. Tem ainda a vantagem de não ser viciante, tóxico, carcinogénico, mutagénico, tetrogénico e possuir efeitos genotóxicos.

Apresenta um potencial de rendimento anual, por hectare, de cerca de três ou quatro toneladas de folhas secas em três ou quatro colheitas por ano, com uma concentração de esteviosídeo de 100 mg/g . Para utilizar a produção de estévia em contexto comercial é necessária a sua produção em larga escala, sendo a cultura de tecidos um caminho rápido para a propagação desta cultura.

A estévia pode ser uma cultura inovadora e muito rentável, apresentando condições de mercado promissoras. No futuro, prevê-se que venha a ser um substituto em larga escala do açúcar convencional.

Por: Daniela Faria, Engenheira Agrónoma, in AGROTEC 14.

Referências Bibliográficas

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Courelas, João Pedro Correia, 2013. Avaliação da adaptação da espécie Stevia rebaudiana (bert.) Bertoni às condições mediterrânicas. 92p. Dissertação de mestrado em Engenharia Agronómica, Escola de ciências e tecnologia da Universidade de Évora, Portugal.

Janke, Rhonda e DeArmond, Jeanie, 2003. A Grower’s Guide-Stevia. Kansas State University Agricultural Experiment Station and Cooperative Extension Service

Schnelle, Rebecca, 2010. Stevia. University of Kentucky College of Agriculture, Food and Environment