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Agrotec

A Enxertia em Culturas Hortícolas

Artigo Técnico

Introdução

A enxertia é a união de duas partes de tecido vegetal de plantas vivas compatíveis que conduzem ao crescimento e desenvolvimento de uma única planta, sendo o conceito de compatibilidade definido como a capacidade de duas plantas diferentes, unidas pela enxertia, funcionarem satisfatoriamente como uma única planta (González, 1999). O sucesso da enxertia resulta do contacto íntimo do câmbio das duas plantas, designadamente: da planta enxerto, que irá desenvolver a parte aérea, e da planta porta-enxerto, responsável pelo sistema radicular. Esta técnica, amplamente utilizada na vinha e em árvores de fruto, é hoje também muito utilizada em culturas hortícolas, principalmente das famílias Solanáceas e Cucurbitáceas. Na Europa, a enxertia iniciou-se em meados do séc. XX com a melancia (Bogoescu et al., 2010) e o tomate (Gonzáles, 1999).
Atualmente é uma técnica em expansão em culturas protegidas (Savvas et al. 2010), com grandes desenvolvimentos a nível tecnológico e de investigação (Pérez-Alfocea, 2012). Em Espanha, os primeiros enxertos de melancia iniciaram-se nos anos 1980, e os de tomate a partir da década de 1990, inicialmente em cultivares sem resistências, com por exemplo cultivares de tomate do tipo Raf.

A intensificação da produção convencional de culturas hortícolas em estufa tem provocado o aumento da incidência de doenças no solo, problema que pode ser atenuado com a enxertia das plantas. O porta-enxerto pode induzir resistência/ tolerância a várias doenças de solo (Rivard e Louws, 2008; Venema et al., 2008; Miguel, 2009; Louws et al., 2010), como Pyrenochaeta lycopersici, Fusarium oxysporum f. sp. lycopersici, Ralstonia solanacearum, Verticillium albo-atrum, e também pode proporcionar resistência a nemátodes (Rumbos et al., 2011) e vírus do mosaico do tabaco (Neshev, 2007).

A intensificação da produção, entre outros aspetos, tem ainda contribuído para a aplicação ao solo de elevadas quantidades de fertilizantes minerais, contribuindo para aumentos significativos da condutividade elétrica do solo e para a lixiviação de nutrientes. De facto, a utilização excessiva de fertilizantes minerais no solo agrícola é uma das principais causas de contaminação da água subterrânea (Ten Berge, 2002). A absorção e/ou a eficiência de utilização de nutrientes pelas plantas pode também ser melhorada pela enxertia com determinados porta-enxertos, o que permite uma menor aplicação de fertilizantes minerais, bem como uma maior tolerância à salinidade, ou ainda, diminuir os sintomas de stresse de nutrientes (Colla et al., 2010; Fan et al., 2011; Savvas et al., 2010, 2011; Schwarz et al., 2013). A enxertia em tomateiro, por exemplo, também pode contribuir para aumentar a qualidade do fruto sob condições variadas de stresse (Flores et al., 2010; Rouphael et al., 2010).

A utilização de porta-enxertos vigorosos induz a plantas vigorosas, o que permite a diminuição da densidade de plantação, sem diminuir a produtividade, e também manter a produção por vários meses, como é usual na produção hidropónica de tomate, pimento, beringela e pepino (Davis, 2008; Lee, 2010).
A utilização de enxertia com porta-enxertos resistentes na produção biológica de tomate tem sido avaliada como substituto da desinfeção do solo por vapor, com resultados de eficácia comparáveis na redução de doenças radiculares e, ainda, com aumentos de produtividade (Theodoropoulou, 2007).

2. Técnicas de enxertia

As principais técnicas de enxertia em culturas hortícolas são a enxertia de encosto - lateral e de topo (aproximação), e de fenda - lateral e de topo (Hartmann et al., 1997; McAvoy, 2005; Grubinger, 2007; De la Torre, 2009; Carvalho, 2013). O tamanho ideal das plantas de tomate para a realização da enxertia é o correspondente à dimensão de 2 mm de diâmetro do caule, para a enxertia de encosto de topo, e de 2-3 mm para a enxertia de encosto lateral, quando as plantas apresentam cerca de 4-5 folhas verdadeiras. A taxa de sucesso diminui rapidamente com o aumento do diâmetro do caule (Grubinger, 2007).

Para todos os tipos de enxertia, o objetivo é sempre maximizar a possibilidade dos feixes vasculares do enxerto entrarem em contacto com os respetivos tecidos vasculares do portaenxerto, de forma a estabelecerem a continuidade do xilema e do floema, entre as raízes e a parte aérea da planta. Na enxertia de encosto lateral, efetuam-se dois cortes na diagonal (em bisel), por baixo das folhas no porta-enxerto e em sentido contrário no enxerto, também por baixo das folhas: segura-se o porta-enxerto, insere-se um tipo de clip de plástico que permanece até à cicatrização, encosta-se a cultivar ao porta-enxerto e fecha-se o clip. Em espécies da família das Cucurbitáceas é usual fazer o corte no caule do porta-enxerto deixando uma folha. Na enxertia de encosto de topo, o enxerto é também completamente separado das suas raízes e é colocado em cima do caule do portaenxerto, unidos por um pequeno tubo de plástico que é inserido para o efeito.

Na enxertia de fenda lateral, efetua-se um corte parcial no caule do porta-enxerto, logo abaixo dos cotilédones, com um ângulo de 60 graus e realiza-se outro corte no enxerto, em sentido contrário e com a mesma inclinação.

Em seguida encaixam-se as fendas, sem se separar inicialmente a cultivar enxertada das suas raízes, e utiliza-se também um clip de plástico para manter as fendas unidas. As raízes da cultivar são parcialmente destacadas ao fim de 4-5 dias, esmagando-se a haste entre os dedos ou cortando-se parcialmente abaixo do enxerto, e são totalmente removidas passados mais 2-3 dias, de modo a reduzir o choque de remoção das raízes originais.
A enxertia de encosto lateral é a técnica mais utilizada na produção comercial de plantas, pela sua facilidade e rapidez de execução, para além de não necessitar do mesmo rigor de semelhança no diâmetro dos caules das duas plantas, como requer a enxertia de encosto de topo. A enxertia de fenda lateral ou de topo utiliza-se quando as condições ambientais de cicatrização não são as ideais, sendo bastante utilizada em algumas espécies da família das Cucurbitáceas. A realização da enxertia requer condições de higiene adequadas à prevenção de contaminações das plantas (Hartmann et al., 1997).

Após a enxertia, é necessário manter condições de humidade e temperatura adequadas à cicatrização, como por exemplo - para a enxertia de encosto lateral em tomate - a permanência durante seis dias em câmara de ambiente controlado, com pouca luz, 26-28°C de temperatura, humidade relativa de 95-98% e rega por nebulização.
Nesta fase de cicatrização, as plantas podem ser cobertas com um filme de plástico.

Segue-se a repicagem das plantas para tabuleiros definitivos, que devem ser mantidos 2-3 dias num processo de aclimatação, com aumento de luz e temperatura de 23°C, passando em seguida para uma estufa a 17-18°C (Grubinger, 2007). Na plantação a zona de enxertia deve ficar bem acima da superfície do solo, para evitar a emissão de raízes por parte da planta da parte aérea perdendo-se, assim, as vantagens da enxertia.

3. A enxertia de culturas hortícolas em Portugal

Os primeiros ensaios de enxertia a nível das empresas de produção de plantas, em Portugal, realizaram-se em 1999 com plantas de tomate, seguido de melancia e pepino, em 2002 (Rodrigues, 2009). No entanto, a produção de tomate comercial baseado em plantas enxertadas iniciou-se apenas em 2007 (Rodrigues, 2009). Desde então, a procura por plantas enxertadas para culturas protegidas tem aumentado significativamente.
Em Portugal, em 2008, a área total de cultivo de tomate para consumo fresco e para o processamento foi de cerca de 13.000 ha, o que representava 1,1 milhões de toneladas, e hoje, mais de metade da área de tomate fresco é baseada em plantas enxertadas. A maioria destas plantas chegam de Espanha, mas a produção de plantas de tomateiro enxertadas tem aumentado rapidamente em viveiros portugueses nos últimos anos.

Em 2009, plantaram-se aproximadamente 170 ha (1 200 000 plantas) de tomateiro enxertado nas estufas portuguesas e, em 2010, esperava-se 220 ha (FLF, 2010). A cultura da melancia com plantas enxertadas também se tem desenvolvido, tendo a empresa Aromas e Flores comercializado em 2009, 700 mil plantas enxertadas de melancia, equivalente a 280 hectares de produção em Portugal e em Espanha (FLF, 2010). Além do tomate e melancia, outras culturas como o pepino, pimento, melão e feijão-verde, produzidas a partir de plantas enxertadas, têm aumentado significativamente de superfície cultivada.

A investigação tem incidido principalmente com a resistência do porta-enxerto a doenças tais como a Pyrenochaeta licopersici e Fusarium oxisporum e ainda a nemátodes Meloidogyne spp. Estudam-se ainda os efeitos de diferentes porta-enxertos na produtividade, qualidade e período de colheita de cultivares hortícolas mais utilizadas, e os sistemas de condução mais adequados (Moreira, 2012; Mourão et al., 2012; Mourão et al., 2014).

Um estudo que decorreu numa estufa em Santo Tirso (EPCSB), no período de primavera/ verão de 2011, com o objetivo de avaliar os efeitos de dois sistemas de condução de plantas de tomateiro enxertadas (cv. Valoásis M40 F1 e porta enxerto Maxiforte; Aromas e Flores, Hortofloricultura, Lda.), revelou que o sistema de condução em 2 hastes obteve uma maior produtividade para o calibre de tomate >102 mm (14,5 kg m-2), em comparação com a condução em 3 hastes (13,5 kg m-2) (Mourão et al., 2012).
Este calibre representou cerca de 76% da produção total, e o benefício compensou o custo de um maior número de plantas necessárias para a condução em 2 hastes, em comparação com 3 hastes, que foi de 1,25 e de 0,83 plantas m-2, respetivamente. A qualidade dos tomates foi semelhante nos dois sistemas de condução e, em média, obtiveram-se os seguintes parâmetros:

4,8% de matéria seca, 2 kg de firmeza, 3,5°Brix, acidez de 0,6 g 100g-1 Pf e pH 4,0 (Mourão et al., 2012). Resultados idênticos foram encontrados num outro ensaio realizado no mesmo local, na primavera/verão de 2012, com tomate enxertado (cv. Vinicio e porta enxerto Multifort, Germiplanta, Viveiros de plantas, Lda.), conduzido em 2, 3 e 4 hastes provenientes dos nós das primeiras folhas definitivas e em 2 hastes a partir dos nós das folhas cotiledonares (Mourão et al., 2014). A produção total foi significativamente superior para as plantas de tomate conduzidas com 2 hastes (26,5 kg m-2), em comparação com plantas de 3 e 4 hastes (19,5 kg m-2). O calibre entre 57-102 mm representou 96,3% da produção total e esta percentagem foi semelhante em todos os tratamentos. A qualidade dos frutos também não foi influenciada pelo sistema de condução, sendo os valores médios para as características do fruto analisadas os seguintes: 4,9% de matéria seca, 1 kg de firmeza, 5,1°Brix, acidez de 0,3 g 100g-1 Pf e pH 4,4, características muito relacionadas com as cultivares de tomate utilizadas. Os resultados obtidos com as plantas conduzidas em 2 hastes a partir dos nós das folhas cotiledonares e dos nós das primeiras folhas definitivas foram semelhantes, sugerindo que as primeiras não devem ser recomendadas devido às maiores exigências do seu manuseamento no viveiro (Mourão et al., 2014).

A enxertia de feijão-verde é uma técnica recente que em Portugal foi inicialmente desenvolvida pelo viveiro Aromas e Flores, Hortofloricultura, Lda. (FLF, 2010). Estudos de avaliação dos efeitos da enxertia na produtividade e qualidade de cultivares de feijão-verde e de avaliação da resistência/tolerância de porta enxertos de feijão-verde a pragas, como o nemátode Meloidogyne spp. e a doenças como o Fusarium oxysporum f.sp. phaseoli, são essenciais.

O melão casca de carvalho é uma produção regional com importância principalmente em algumas zonas da região de Entre Douro e Minho, apresentando diferentes ecótipos regionais (Ader-Sousa, 2008). Devido à sua sensibilidade a diversas doenças e pragas com origem no solo (Fusarium oxysporum f. sp. melonis, Verticillium dahliae e nematodes), tem sido alvo de diversos ensaios de enxertia com porta-enxertos como sejam alguns híbridos interespecíficos de Cucurbita maxima x C. moschata e cultivares de Cucumis melo, que apresentam resistências. O método de enxertia mais utilizado no melão é a enxertia de encosto lateral, embora também se utilize a enxertia de fenda lateral ou de fenda terminal (Dias, 2002).

4. O futuro da enxertia em culturas hortícolas

O recente aumento da utilização de enxertia em culturas hortícolas é uma resposta à intensificação da produção hortícola, sustentada por uma repetição anual das culturas no mesmo solo e por uma forte utilização de fertilizantes e pesticidas de síntese, que têm causado graves problemas ambientais e cada vez mais se associam a problemas de saúde humana. Deste modo, os consumidores, cada vez mais informados, têm revelado um interesse crescente na eliminação de resíduos químicos de síntese nos alimentos e nos efeitos resultantes do modo de produção no ambiente.
Assim, a enxertia de plantas hortícolas apresenta-se como uma técnica de grande interesse, por ser segura para o ambiente e de fácil gestão. Juntamente com a utilização de cultivares tolerantes, a técnica de enxertia com portaenxertos resistentes/tolerantes representa um potencial substituto da desinfeção química do solo na produção convencional e da desinfeção por vapor no modo de produção biológico.

Por: Isabel Mourão e Luís Miguel Brito;  Centro de Investigação de Montanha (CIMO) / Escola Superior Agrária - Instituto Politécnico de Viana do Castelo, in AGROTEC 12.