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Agrotec

Crise sanitária e económica – Oportunidade?

Estamos a viver a maior crise sanitária e económica desde a segunda grande guerra pelo que, todos os setores de atividade são afetados. Dizem os chineses que crise é sinal de oportunidade e, para alguns setores da fruticultura, assim parece ter sido.

Pequenos Frutos

Por: Pedro Brás de Oliveira, Instituto Nacional para a Investigação Agrária e Veterinária (INIAV, I.P., UEIS-SAFSV)

Transcrevo dois títulos de notícias publicadas há poucos dias: “Kiwi - Consumo dispara devido à Covid-19” e “Ano fantástico para os citrinos do Algarve”. Como explicar este aumento do consumo de kiwi e da laranja na Europa? Simples, está associado à ideia de frutos com elevados teores de vitamina C, com efeitos benéficos na prevenção de doenças, facto que leva o consumidor a fazer essa escolha no ato da compra.

A este aumento de consumo verificou-se, em simultâneo, uma quebra no fornecimento europeu por parte de Itália, no caso do kiwi, e de uma quebra generalizada na produção de laranja, facto que fez disparar os preços, sendo esta campanha uma das melhores dos últimos anos.

Se nestes frutos a crise sanitária foi uma oportunidade de negócio, o que aconteceu ao nível dos pequenos frutos? Estando o consumidor à procura de frutos saudáveis, capazes de aumentar as defesas do organismo face a uma possível infeção, a procura por pequenos frutos, indiscutivelmente os que possuem melhores características nutracêuticas, deveria ter aumentado. No entanto, estes frutos sofreram publicidade negativa, quando foi afirmado que só se deveriam consumir frutos com casca, sendo obrigatório descascar para proteger.

Acresce que o consumidor está habituado a consumir estes frutos sem lavar ou com uma lavagem ligeira pelo que, a utilização de lixívia comprometeria o seu sabor. Assim, neste setor verificou-se uma quebra no consumo com algumas dificuldades de escoamento, facto que levou o governo a decretar, em abril, o apoio à retirada de frutos e produtos hortícolas do mercado, sendo apoiada a retirada de framboesa, mirtilo, amora e morango, com valores entre os 309 e 96 euros por 100 kg para a framboesa e morango, respetivamente.

Assim, em maio, são entregues ao banco alimentar contra a fome, pela Lusomorango, cerca de oito toneladas de framboesa ao abrigo desta portaria. Este mecanismo de mercado está previsto para as Organizações de Produtores, importantes na cultura da framboesa, mas pouco representativas no universo de produtores de mirtilo. Assim, podemos considerar a medida muito positiva, mas apenas uma pequena gota no oceano da produção de pequenos frutos.

Este nosso setor é fortemente exportador, com um produto altamente perecível pelo que, logo de início surgiram alguns problemas com o transporte e organização dos mercados, facto que implicou alguma perda de produto. Neste momento, e segundo a newsletter do SIMA (semana 18), verificou-se uma oferta alta e uma procura baixa na Região Lisboa e Vale do Tejo.

Já em Odemira, a procura externa esteve forte e no Algarve a oferta tem aumentado, concluindo esta publicação com a afirmação “o escoamento efetuou-se sem dificuldades”. Ainda pela análise do referido boletim, e até ao mês de fevereiro, apenas nas exportações de morango se tinha verificado uma redução, com aumentos significativos para todos os outros pequenos frutos, verificando-se uma ligeira quebra de preços.

Assim, nem tudo está perdido. A campanha do mirtilo vai agora começar a Norte do país, zona em que predomina o minifúndio, e contamos já com o desconfinamento e com o consequente aumento esperado do consumo.

Este é um setor com baixa dependência do mercado interno, mas o pouco que se vende em Portugal foi fortemente penalizado pelo encerramento da restauração, hotelaria e outros estabelecimentos comerciais mas, mais uma vez, surge uma nova oportunidade, que deve ser explorada por todos os produtores e as suas associação e organizações, que é a venda online

O confinamento de grande parte da população portuguesa, bem como o medo de comprar em supermercados, proporcionou uma mudança nos hábitos de compra dos portugueses, que deve ser agora aproveitada pelos produtores de pequenos frutos. Estes frutos têm uma ligação a um produto fresco e saudável, o que facilita a ligação entre produtor e consumidor, sendo de incentivar o conhecimento da exploração e mesmo da parcela onde o fruto foi produzido. Esta ligação é ainda mais importante quando estamos perante pequenos produtores e mercados de proximidade.

Mas há outras vertentes da nossa atividade conjunta que estão também muito afetadas. Refiro-me à discussão e divulgação de conhecimentos entre toda a fileira que tem sido organizada ao longo dos últimos anos. O VI Colóquio Nacional da Produção de Pequenos Frutos teve que ser adiado (estava previsto para maio de 2020), assim como o X Encontro Nacional de Produtores de Mirtilos se encontra em processo de adiamento.

Ambos são momentos extremamente importantes na troca de informações e de conhecimentos que fortalecem a fileira e cuja realização se espera no mais curto espaço de tempo. Como é fácil de entender, a imprensa escrita é, também, uma das atividades económicas mais afetadas. Não pela redução do número de assinantes, mas pela quebra de vendas em locais públicos e eventos.

Assim, neste número da Agrotec não será publicado o suplemento Pequenos Frutos. A forma como se procede, neste período excecional, à redução de custos é uma decisão de gestão, que tem que ser ponderada em todas as suas vertentes. Quando fui contactado no sentido de suspender a Pequenos Frutos, por um período o mais curto possível, tentei acautelar o seu regresso, mantendo o que esta revista tem de muito particular, o ser uma revista dedicada a um setor de atividade dos mais dinâmicos do setor frutícola português, o que possui maior peso nas exportações e possuir, já hoje, um conjunto de equipas a trabalhar para o desenvolvimento do conhecimento em todas as áreas científicas.

Temos o dever de proteger a Pequenos Frutos que é, por si, um projeto único na Europa e, talvez, no mundo. Assim, é com pena que suspendemos a publicação da Pequenos Frutos, mas todos nos comprometemos a que esta volte e de certeza que estaremos mais conscientes da sua importância na transmissão de notícias e conhecimentos entre todos os intervenientes no setor.

Artigo originalmente publicado na Agrotec 35