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Agrotec

Como está a região Oeste a lidar com a problemática da estenfiliose da pereira?

A Syngenta Portugal realizou uma entrevista  a Rui Maia de Sousa, investigador do INIAV e coordenador da Estação de Fruticultura Vieira da Natividade, em Alcobaça. O objetivo passou por realizar um ponto de situação sobre o impacto da estenfiliose na fileira da pera Rocha do Oeste e as medidas em curso para controlar a doença.

Estenfiliose da pereira

Por: Gonzalo Camara

A estenfiliose da pereira, também conhecida como a doença das manchas castanhas, é originada pelo fungo Stemphylium vesicarium, cuja presença foi confirmada em Portugal em 1996 nas variedades Rocha e Passe Crassane. Esta doença assume atualmente um caráter epidémico na região Oeste, causando graves prejuízos na cultura da pereira Rocha e perdas de produção que podem ascender aos 10 milhões de euros/ano.

Esta doença assume atualmente um caráter epidémico na região Oeste, causando graves prejuízos na cultura da pereira Rocha e perdas de produção que podem ascender aos 10 milhões de euros/ano.

Em 2016 foi constituído o Grupo de Trabalho da Estenfiliose, por despacho nº11400/2006 do então Secretário de Estado da Agricultura e Alimentação, com o objetivo de elaborar um plano de ação para controlo da doença. O grupo é liderado pelo INIAV, com a participação do COTHN, ANP, DGAV e DRAPLVT.

Gonzalo Camara: Qual é o impacto económico da estenfiliose na produção de pera Rocha e nas centrais fruteiras do Oeste?

Rui Maia de Sousa: Os impactos da estenfiliose na produção de pera Rocha no Oeste variam de ano para ano, em função do clima. Por exemplo, em 2016 a doença provocou estragos muito avultados nos pomares, enquanto em 2019 o problema foi menor. Em média, estima-se que 5 a 15% das perdas da fruta ocorram no pomar e 1 a 5% na central fruteira. O agricultor tem um duplo prejuízo, perde dinheiro porque não colhe parte da fruta e deixa de ganhar porque outra parte é rejeitada à saída da câmara de frio. As centrais fruteiras não rentabilizam a 100% o investimento na manutenção das câmaras de frio, pois parte delas ficam vazias devido às quebras de produção e, por outro lado, têm custos acrescidos com a mão-de-obra nas operações de embalamento, porque a doença exige uma escolha da fruta mais minuciosa.

GC: O Grupo de Trabalho da Estenfiliose definiu um plano de ação para controlar a doença. Que medidas foram implementadas e com que resultados?

RMS: O Grupo de Trabalho da Estenfiliose definiu um plano de ação para estudar o fungo e as medidas alternativas/ complementares à luta química; monitorizar o desenvolvimento do fungo e divulgar informação aos produtores. Por falta de financiamento público, só avançou a componente da monitorização/informação. As observações de campo estão a ser feitas pelo 4º ano consecutivo em três pomares com histórico da doença (Sobrena, Torres Vedras, Alcobaça) e num pomar sem grande incidência do fungo (INIAV Alcobaça). A partir de finais de Janeiro é medido semanalmente o índice de maturação das pseudotecas no pomar e é dado um alerta aos produtores para retirar/destruir as folhas que estão por baixo das pereiras, antes de ocorrer a maturação dos ascósporos. Dessa forma reduz-se o inóculo primário do fungo, diminuindo a incidência da doença no pomar. Na fase vegetativa das árvores fazemos a contagem dos esporos que andam no ar, colocando lâminas impregnadas com vaselina nos ramos. As observações e contagem são feitas semanalmente e os relatórios emitidos à quarta-feira para as entidades que comparticipam este trabalho. Oito dias depois são tornados públicos.

A partir do final da floração e até à colheita realizamos quatro a cinco amostragens de frutos. Estes são submetidos a condições de temperatura e humidade propícias ao desenvolvimento do fungo, em laboratório. Isto permite estimar a percentagem de frutos infetados à data da colheita, servindo de orientação nas operações de monda dos frutos. Todas as peras com sintomas da doença devem ser retiradas do pomar e destruídas.

GC: Que técnicas culturais devem ser adotadas para conter a disseminação do fungo Stemphylium vesicarium nos pomares?

RMS: Antes de começarmos este trabalho só se olhava para o problema da estenfiliose próximo da data de colheita, mas verificamos que o Stemphylium vesicarium também está presente no pomar na altura da floração. As infeções podem ocorrer nas flores, nomeadamente, nas anteras e sépalas e, quando há condições favoráveis de temperatura e humidade, o fungo desenvolve-se, as infeções aumentam e, por vezes, levam à queda dos frutos. É determinante diminuir o inóculo do fungo no solo e tratar preventivamente. Outro ponto importante é que o corte das infestantes na entrelinha seja feito só após o tratamento, uma vez que a destruição da erva pode disseminar os esporos do fungo que se encontram na matéria morta à superfície do solo.

GC: A estenfiliose tem vindo a intensificar-se ou há maior consciência da sua presença porque o setor está mais informado?

RMS: Há mais ferramentas disponíveis para combater esta doença do que no passado, mas a forma como estamos a produzir as peras alterou-se e é sabido que algumas das práticas atuais – uso mais intenso de adubos foliares, de hormonas de crescimento e de adubos azotados – podem promover o desenvolvimento do fungo. Por exemplo, a aplicação de matéria orgânica na fase de floração é totalmente desaconselhada. No que se refere à redução do inóculo é fundamental destruir as folhas mortas que estão no solo, logo em Fevereiro antes de começarem as infeções, ou retirá-las do pomar. Nos tratamentos aconselha-se uma estratégia preventiva usando fungicidas com diferentes modos de ação.

GC: Este fungo representa algum risco para a saúde do consumidor?

RMS: Os frutos infetados com estenfiliose não chegam a ser vendidos, pois são rejeitados e destruídos nas centrais fruteiras. Mas caso algum fruto contaminado chegue ao consumidor final, o que é muito pouco provável, não acarreta qualquer risco para a saúde, pois este fungo não produz toxinas.

Artigo originalmente publicado no blog da Syngenta “Alimentar com Inovação