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Agrotec

A estenfiliose da pereira rocha em Portugal

A estenfiliose da pereira, também conhecida como a doença das manchas castanhas, é uma doença causada pelo fungo Stemphylium vesicarium (Wall.) Simmons (anteriormente também designado Pleospora herbarum (Rabenh.) Ces. & De Not. na forma teleomórfica).

Estenfiliose da pereira

Por: Eugénio Diogo, Claudia Sánchez, Miguel Leão e Rui de Sousa

Esta doença foi assinalada pela primeira vez em 1975 em Itália, na região Emília-Romanha na variedade Abate Fetel. Em 1984 a doença foi detetada em Espanha, na região da Catalunha nas variedades Passe Crassane e Conference. Posteriormente, surgiram surtos noutras regiões produtoras da Europa, nomeadamente, França em 1987, Portugal em 1996, Holanda em 1997 e Bélgica em 2002.

Em Portugal, embora já tivessem sido anteriormente observados sintomas semelhantes, a presença da doença só foi confirmada em 1996 nas variedades Rocha e Passe Crassane (Sousa et al., 1998.) Inicialmente detetada de forma localizada em alguns pomares de Alcobaça e Bombarral, a doença expandiu-se rapidamente, assumindo um carácter epidémico na região do Oeste.

Na sequência dos graves prejuízos que têm ocorrido nos últimos anos na cultura da pereira ‘Rocha’, nomeadamente no ano de 2015, foi constituído, por despacho n.º 11400/2016, publicado no DR n.º 184, 2ª série de 23 de setembro de 2016, do Sr. Secretário de Estado da Agricultura e Alimentação, um grupo de trabalho que tem como missão elaborar um plano de ação para controlo desta doença.

Embora este fungo tenha uma ampla distribuição, estando presente em todos os continentes, não existem referências à ocorrência desta doença em pereira fora da Europa. O fungo pode causar doenças em vários hospedeiros como alho, cebola, espargo ou girassol.

Sintomas

Os sintomas da estenfiliose na pereira ‘Rocha’ podem manifestar-se nas folhas, nos frutos, nos pecíolos e pedúnculos.

Nas folhas os primeiros sintomas aparecem de abril a princípios de junho e caraterizam-se nos pecíolos e pedúnculos podem surgir pequenas manchas castanhas alongadas que, em caso de infeções severas, levam à queda prematura de folhas e frutos.

Organismo

A doença das manchas castanhas é causada pelo fungo Stemphylium vesicarium (Wall.) Simmons. Este fungo pertence ao filo Ascomicota, Classe Dotideomicetas, Ordem Pleosporales, família Pleosporaceae.

Caracteriza-se por produzir conídios escuros, oblongo a ovais, multicelulares e multiseptados, com cinco septos transversos, com constrição num ou geralmente três dos septos transversais. Os conídios formam-se no micélio aéreo, em conidióforos erectos, castanhos com apenas um conídio. Em condições adversas, o fungo forma estruturas sexuadas, geralmente em frutos e folhas infetadas que permanecem no solo do pomar.

Estas estruturas designadas pseudotecas são castanhas a negras, globosas, ostioladas, ligeiramente achatadas com 300-400 μm de diâmetro contendo no seu interior ascos. Os ascos são bitunicados, cilíndricos a clavados contendo oito ascósporos. Os ascósporos são amarelos a acastanhados, elipsoidais ou oblongos com três a sete septos transversais. O número de septos longitudinais varia entre 0 e 1 por septo transversal e 2 a 3 septos no quarto subapical. Apresenta uma constrição no septo transversal médio.

Hospedeiros

O fungo Stemphylium vesicarium pode infetar diferentes hospedeiros, causando doenças mais ou menos graves em várias culturas tais como alho, cebola, espargo, luzerna, girassol, entre outros. No entanto, verifica-se que as estirpes patogénicas noutros hospedeiros não são patogénicas em pereira.

O fungo pode também sobreviver como saprófita em resíduos vegetais. Também se verifica que a suscetibilidade das diferentes variedades de pereira varia, constatando-se que existem variedades muito sensíveis, medianamente sensíveis e pouco sensíveis ou resistentes. A pereira ‘Rocha’ é considerada medianamente sensível.

Biologia

O fungo sobrevive às condições desfavoráveis na forma de pseudotecas que se formam nas folhas e frutos infetados que ficam no solo do pomar. Dependendo das condições ambientais, os ascósporos (esporos sexuados) são libertados e dispersos pelo vento e pela chuva, desde fevereiro a junho, causando as infeções primárias. Embora os ascósporos possam infetar diretamente a pereira, o seu papel na epidemiologia da doença não é claro, uma vez que o período de maior ibertação de ascósporos geralmente não coincide com o surgimento de sintomas.

Pensa-se que o papel principal dos ascósporos será colonizar os resíduos vegetais presentes no solo e algumas infestantes suscetíveis que, posteriormente, irão produzir conídios (esporos assexuados). Sempre que se verifiquem condições favoráveis, estes conídios irão infetar quer as folhas, quer os frutos.

Os conídios estão presentes no pomar desde abril até setembro mas em maior quantidade durante o verão (julho a setembro). São produzidos em grande quantidade sempre que se verifiquem condições ótimas com temperaturas entre 20ºC e 25ºC e humidade relativa elevada.

O processo de infeção está dependente da temperatura e do período de humectação de folhas e frutos. As temperaturas ótimas para infeção situam-se entre 20ºC e 25ºC com um período mínimo de humectação de 6 horas.

Impacto económico

A estenfiliose é uma doença que causa danos graves nas folhas e sobretudo nos frutos, cuja perda pode atingir 90% da produção. Nos últimos anos a incidência desta doença tem vindo a aumentar, tendo causado em Portugal prejuízos de 25% da produção na campanha de 2015.

O prejuízo provocado pelo fungo não se resume unicamente à perda de produção dos fruticultores no pomar e ao aumento dos custos de produção provocado pelo maior número de tratamentos fitossanitários, mas também ao custo associado à maior escolha dos frutos à colheita e durante a conservação e processamento nas centrais devido a:

  • a capacidade de frio que não é utilizada mas que tem de ser amortizada;

  • o aumento dos custos de embalamento dos frutos devido à maior escolha no calibrador;

  • o aumento do custo de conservação uma vez que se conservam frutos que mais tarde vão para refugo, com um valor inferior ao custo de colheita e de conservação;

  • a redução do período de conservação (amarelecimento e perda de firmeza mais rápida dos frutos nas camaras em virtude da maior produção de etileno dos lotes contaminados) e consequente redução do período de oferta com maior exposição dos operadores às pressões de mercado;

  • os maiores encargos na central devido a reclamações de clientes por receção de lotes com frutos contaminados mas sem sintomas visíveis no ato do embalamento.

O prejuízo é ainda social devido à quebra de rendimento, redução da qualidade de vida dos produtores e diminuição do emprego nas zonas de produção.

Estimam-se que nos últimos três anos os prejuízos diretos na produção tenham sido de 29 704 milhões de euros e nas Centrais fruteiras de 3 394 milhões de euros.

Meios de proteção

A estenfiliose é uma doença de difícil combate, pois não se conhecem perfeitamente as condições ótimas para o seu desenvolvimento e não existem fungicidas com ação curativa. Assim deve ser utilizada uma abordagem integrada, que inclua medidas preventivas com vista à redução da presença de inóculo no pomar, complementadas com luta química e/ou biológica sempre que se verifiquem condições favoráveis à ocorrência da doença ou no caso de pomares muito afetados na campanha anterior.

Medidas culturais

No sentido de contrariar o desenvolvimento da doença no pomar devem ser tomadas algumas medidas culturais como por exemplo:

  • retirar da árvore e do pomar os frutos com sintomas;

  • remoção dos frutos infetados do chão do pomar após a colheita ou acelerar a sua decomposição através da aplicação de ureia ou destroçamento e enterramento;

  • promover a drenagem do solo;

  • promover o arejamento da copa das árvores através da poda em verde;

  • corrigir o pH do solo;

  • praticar uma fertilização equilibrada, uma vez que plantas com carências são mais suscetíveis à infeção;

  • remoção da lenha da poda das linhas do pomar para a entrelinha;

  • manter o coberto vegetal na entrelinha baixo (< 0,20 m de altura);

  • manter a linha das árvores limpa de infestantes todo o ano;

  • não aplicar matéria orgânica na linha do pomar durante o ciclo vegetativo.

Luta química

Não existem substâncias ativas curativas pelo que os tratamentos com fungicidas devem ser efetuados preventivamente sempre que se verifiquem condições favoráveis à ocorrência da doença.

O modelo de previsão BSPcast tem sido utilizado com sucesso para determinar o momento ótimo de aplicação de fungicidas. No entanto, em pomares com forte incidência, a aplicação segundo as recomendações do modelo não é suficiente, pelo que se devem aplicar com um intervalo de 7 a 14 dias (dependendo da persistência da substância ativa utilizada), desde o abrolhamento até próximo da colheita, respeitando os intervalos de segurança.

Os tratamentos devem ser efetuados com alternância de substâncias ativas com diferentes modos de ação para evitar o surgimento de estirpes do fungo com resistência aos fungicidas.

A lista de substâncias ativas autorizadas pode ser consultada na página da DGAV.

Luta biológica

Embora vários produtos biológicos tenham sido testados com alguma eficácia em laboratório, a sua eficácia no campo é reduzida.

No entanto, a aplicação de produtos à base de Trichoderma spp. no solo do pomar de forma a interromper o ciclo da doença demonstrou reduzir de uma forma significativa a produção de ascósporos. Esta medida tem maior eficácia quando aplicada no início do período de maturação das pseudotecas (dezembro a fevereiro).

Artigo originalmente publicado na Agrotec 34