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Agrotec

Cogumelo Ostra Versus Shiitake: Quem Vence?

artigo científico

Por: António Pinto

Prof. Adjunto da ESAV, Departamento de Ecologia e Agricultura Sustentável

RESUMO

Este trabalho procura refletir, ainda que de uma forma preliminar, os resultados obtidos durante algumas aulas práticas da unidade curricular de Ecologia Microbiana do Solo, do curso de licenciatura em Engenharia Agronómica e da unidade curricular de Ecologia do Solo, do curso de Ecologia e Paisagismo, da Escola Superior Agrária, do Instituto Politécnico de Viseu.

Assim, pretendeu-se estudar o comportamento in vitro, de um isolamento de Pleurotus ostreatus (cogumelo ostra) em confronto com um isolamento de Lentinula edodes (shiitake), inoculados em dois lados opostos de uma placa de Petri, no meio de cultura SCA (Sabouraud, Chloramphenicol, Agar), da Himedia e incubada a 25ºC, durante 15 dias, para permitir o contacto dos respetivos micélios.
Os micélios apresentaram o seu aspeto branco característico, mais denso e volumoso no cogumelo ostra (P.ostreatus) e mais rendilhado e menos denso no shiitake (L.edodes). Curiosamente, observou-se, ao longo da linha de contacto dos dois micélios, uma banda acastanhada apenas na colónia de shiitake.
As observações da ultraestrutura das hifas, recorrendo ao seu registo em fotomicrografias, obtidas pelo sistema Leica DM750 (microscopia ótica - MO), de vários zonas do micélio, é que nos permitiu concluir, que o cogumelo ostra poderá ter uma ação antagonista sobre o shiitake, tendo por base o aspeto e a morfologia que as hifas de um e outro, apresentaram na zona de contacto.

Os resultados da produção de inóculo de P.ostreatus em grãos de cereal e de L.edodes em cavilhas de eucalipto, foram também objeto de discussão.
A produção, à escala laboratorial, de P.ostretus inoculado em palha de azevém e em estilha de madeira e de L.edodes em troncos de carvalho, foi também conseguida com resultados promissores.

Palavras-chave: Lentinula, Pleurotus, micélio, antagonismo, grampos de conexão.

INTRODUÇÃO

Como já foi referido no resumo, faz parte do programa da unidade curricular de Ecologia Microbiana do Solo, do 3º ano, do curso de Engenharia Agronómica e da unidade curricular de Ecologia do Solo, do 1º ano, do curso de Ecologia e Paisagismo, o ensino das técnicas conducentes à obtenção de inóculos (semente, spawn) para o cultivo comercial de cogumelos, assim como a utilização de técnicas e condições de cultivo das espécies de Pleurotus ostreatus e de Lentinula edodes, duas das espécies mais cultivadas no mundo inteiro, a seguir ao cogumelo branco de Paris (Agaricus bisporus).
Como resultado desta atividade prática, desenvolvida ao longo dos últimos anos, foi-se acumulando e produzindo informação científica e técnica, que pensamos ser de interesse divulgar, salvaguardando sempre, o carácter provisório e preliminar dos resultados obtidos.

Assim, iremos apresentar neste trabalho, a verificação de um possível antagonismo existente entre Pleurotus ostreatus e Lentinula edodes, ainda que in vitro, pois em cultura comercial, este antagonismo poderá ser mais intenso ou não, assunto que deverá ser rigorosamente investigado, antes de se cometerem erros grosseiros, uma vez que já tem circulado informação, ao nível dos produtores de cogumelos, no sentido de cultivarem no mesmo substrato populações mistas destes fungos.

Iremos também apresentar, alguns resultados do cultivo quer de Pleurotus ostreatus quer de Lentinula edodes, o primeiro em palha de azevém e em estilha de madeira proveniente da poda de macieiras, da Escola Superior Agrária de Viseu, e o segundo, em troncos destacados de carvalho, isto obviamente, à escala laboratorial.

MATERIAL E MÉTODOS

As espécies de cogumelos estudadas e os respetivos isolamentos foram obtidos a partir dos cogumelos frescos e em bom estado sanitário, adquiridos no comércio local. Para o isolamento, utilizou-se o meio de cultura SCA (Sabouraud, Chloramphenicol, Agar) da Himedia, onde foi inoculado, em condições de assepsia, um pedaço de estroma, de forma quadrangular, com cerca de 0,5 cm de lado, retirado do interior do píleo e incubado a 25ºC, até ao desenvolvimento de micélio abundante.
As fotomicrografias foram obtidas por microscopia ótica, utilizando o sistema Leica DM750.

Para a produção de “semente” ou “spawn”, utilizaram-se frascos com semente de trigo, que depois de cozida e esterilizada em autoclave a 121ºC, durante 15 minutos, foi inoculada com vários pedacinhos de micélio, retirados asseticamente das placas de Petri e incubados também a 25ºC, até colonização total pelo micélio.
Os substratos para o cultivo dos cogumelos ostra foram esterilizados, em sacos plásticos, em autoclave a 121ºC, durante 15 minutos e depois de arrefecidos, foram inoculados com o grão de cereal colonizado, à razão de cerca de 10% (p/p) e colocados às escuras em local fresco e ventilado. O shiitake foi inoculado em troncos, através da utilização de cavilhas colonizadas. O tronco foi guardado também, em local fresco e às escuras.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Isolamento

Conforme já foi dito o isolamento das espécies referidas foi feita em placas de Petri, utilizando o meio de cultura SCA, a partir da inoculação de pedaços de estroma, retirados da parte interna do píleo e colocados a incubar, a 25 ºC, durante cerca de 10 dias, para se obter um micélio abundante (figura 1).

Potencial antagonismo

O resultado do crescimento, in vitro, das espécies inoculadas em placas de Petri contendo o meio de SCA, ao fim de 15 dias de incubação a 25ºC, encontra-se na figura 2.
Verificou-se que em termos de características culturais, o micélio de P.ostreatus evidencia o seu aspeto normal, enquanto que, do lado do L.edodes se desenvolveu uma banda acastanhada ao longo da zona de contacto dos dois micélios. Foram realizadas observações microscópicas, para verificar, se eram visíveis alterações ao nível das estruturas das hifas existentes nas zona acastanhada e na zona branca do shiitake, assim como na zona branca sem alterações aparentes do micélio do cogumelo ostra. Os resultados da ultra - estrutura das hifas produzidas nas situações anteriores encontram-se evidenciadas nas figuras 3, 4, 5 e 6.

Da observação das figuras anteriores poder-se-á inferir, que do resultado do confronto das duas espécies em estudo, as hifas de L.edodes apresentaram alterações anormais, caracterizadas pelo aparecimento de hifas envelhecidas e deformadas, altamente vacuolizadas e com as paredes celulares desintegradas (figuras 3 e 5). Por outro lado, observando as hifas de P.ostreatus (figuras 4 e 6), verificou-se que estas apresentaram um aspeto normal e sadio com as paredes íntegras e um citoplasma denso e homogéneo.
Das alterações observadas é que fomos levados a concluir que, in vitro, parece haver uma supremacia da espécie de Pleurotus ostreatus sobre Lentinula edodes, através de um processo antagónico, protagonizado pela libertação de uma substância, eventualmente fungistática, que leva as hifas de shiitake a entrarem em stress e a apresentarem as alterações anormais registadas. Quisemos verificar se estas alterações eram suficientes para causar a perda total de viabilidade e, portanto, da capacidade de crescimento. Para isso inoculamos porções iguais de micélio de Lentinula edodes, provenientes da zona afetada e de micélio de Pleurotus ostreatus, da zona de confronto, em dois lados diametralmente opostos, de uma placa de Petri, contendo meio de SCA. Os resultados do crescimento encontram-se na figura 7.

Apesar da espécie P.ostreatus não provocar no micélio de L.edodes a perda irreversível da viabilidade das suas hifas, estas foram negativamente afetadas, como se pode verificar, pela diminuta quantidade de crescimento micelial produzido pelo shiitake (L.edodes), quando comparado com o crescimento produzido pelo Pleurotus sp., num meio de cultura, em que as duas espécies apresentam crescimentos similares (figura 7).

Estruturas com valor taxonómico

Estas duas espécies estão, como sabemos, incluídas na classe dos Basidiomycetes, que apresentam estruturas características, ao lon¬go das suas hifas, designadas por grampos de conexão, cuja função é garantir o crescimento apical das hifas dicarióticas, que se constituem a partir da conjugação de hifas monocarióticas, para que os núcleos diferentes possam coexistir no mesmo citoplasma.

Na conjugação, as hifas formam pontes de ligação, denominadas anas¬tomoses. As anastomoses podem também ocorrer noutras classes de fungos (figuras 8, 9 e 10).

Produção de inóculo ou “semente“ ou “spawn”

As duas formas mais vulgarizadas de produzir e comercializar o inóculo dos fungos, para a produção de cogumelos, são os grãos de cereal (trigo) mais adequados para a cultura dos cogumelos em substratos mais ou menos processados e as cavilhas inoculadas, para a cultura de cogumelos em troncos. As duas formas foram conseguidas, ao longo das aulas práticas e apresentam-se nas figuras 11 e 12.

CULTIVO DE COGUMELOS

Foram utilizados a estilha de madeira proveniente dos restos da poda do pomar de macieiras, da Escola Superior Agrária de Viseu e a palha de azevém, para o cultivo de P.ostreatus. (figuras 13 e 14).
A produção de L.edodes foi experimentada em troncos de carva¬lho e os resultados encontra-se na figura 15.

CONCLUSÕES

Os resultados apresentados, ainda que preliminares, apontam no sentido de um potencial antagonismo entre as espécies de P.ostreatus e L.edodes com clara supremacia para Pleurotus ostreatus, em ensaios conduzidos in vitro. No entanto, recomendamos e garantimos que vamos continuar a repetir estes procedimentos experimentais, para testar a reprodutibilidade destes resultados. No entanto, e para já, está a vencer a espécie P.ostreatus. A técnica de produção de semente encontra-se também dominada e afinada e os substratos utilizados, para a produção comercial das duas espécies referidas, mostraram-se muito promissores.

AGRADECIMENTOS

Um especial bem-haja aos estudantes dos cursos de Engenharia Agronómica e de Ecologia e Paisagismo, respetivamente das unidades curriculares de Ecologia Microbiana do Solo e de Ecologia do Solo. Um agradecimento amigo aos meus colegas Paulo Barracosa e José Manuel Costa. Um reconhecimento sincero aos técnicos superiores Rui Coutinho, Carla Garcia e António Figueiredo. Um obrigado ao André Vítor e ao Luís Gonzaga, sem me esquecer, obviamente, da Etelvina Marques.

In AGROTEC nº 9.