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Agrotec

Citricultura e o sucesso do controlo biológico

A inovação no sector primário nunca foi tão importante. Ser agricultor é, simultaneamente, o trabalho mais fácil e mais difícil de todos. É, por um lado, fácil, porque uma planta cresce com a luz do sol e a água da terra. Muito mais podemos ir buscar à Natureza - desde a semente, as estações, o dióxido de carbono, os nutrientes e a polinização.

Citricultura

Por: Daniel Magalhães, Consultor Técnico-Comercial da Koppert Biological Systems Portugal

Por outro lado, se estamos a aproveitar o que a Natureza nos dá, também estamos a aceitar tudo o resto que isso acarreta. E, convenhamos, ter a Natureza como “adversário”, é ter de enfrentar provavelmente a força mais imprevisível e com maior poder no planeta. Neste caminho estreito em que aproveitamos as bênçãos e superamos os obstáculos que a Natureza nos apresenta, sempre se encontrou o sector primário.

O sector agrícola tem a hercúlea tarefa de ajudar a alimentar uma população sempre crescente, pelo que, desde sempre se encontra num estado de melhoramento e inovação. A adaptabilidade e inovação na agricultura é, portanto, não só uma característica intrínseca mas também criticamente necessária.

Pelas mais diversas razões, desde preocupações com a saúde humana a uma procura crescente do consumidor por tecnologias de produção mais sustentáveis, todo o sector tem vindo a favorecer métodos mais naturais e menos agressivos com o ambiente. O controlo biológico torna-se, nesta conjuntura, um passo natural a seguir, em múltiplos planos, desde económico a ecológico.

Naturalmente, a fruticultura e, mais especificamente, a citricultura, devido à sua facilidade de consumo e à presença no nosso país, enfrentam agora uma necessidade de se adaptar também. A notícia de que a laranja do Algarve aumentará a sua presença nos mercados alemães é um claro sinal da sua qualidade, mas também de que maior ênfase será colocado na rastreabilidade, fitossanidade e no cumprimento de determinados métodos de produção.

Para vencer estes novos desafios, o controlo de pragas é essencial e seria de esperar que o que o mercado pede, como produção mais sustentável e menos agressiva para o meio-ambiente, seja refletido nos regulamentos europeus e de cada Estado-Membro.

É o caso dos produtos fitossanitários disponíveis no mercado, que são cada vez mais restritos e alvo de maior controlo, sem contar com o crescente desenvolvimento de resistências por parte das pragas. Tudo aponta, então, para uma nova análise do potencial da proteção biológica para complementar o controlo de pragas.

Os citrinos têm um leque bastante alargado de pragas que o podem afetar, desde várias espécies de mosca branca, ácaros fitófagos, várias espécies de cochonilha e de afídios e, ainda, a mosca do mediterrâneo. À primeira vista, parece uma autêntica vaga de pragas, mas o sector não parece desanimado, senão vejamos a conjectura.

Segundo a DRAP, mais de 350 mil toneladas de citrinos foram produzidas no ano passado só no Algarve, aliado a um aumento mínimo de área. É um claro sinal de como os processos e métodos foram evoluindo (principalmente na nutrição das plantas).

Usando este exemplo de resiliência, é natural que se veja um crescimento do interesse e confiança em métodos de proteção integrada. No país vizinho, são vários os exemplos de uma boa aplicação destes métodos. Onde antigamente não havia soluções para muitas das pragas, neste momento, respostas para quase todas existem fora dos agroquímicos. É necessário agora encontrar uma boa estratégia que reduza o uso de substâncias menos desejáveis nos mercados, de modo a tornar o produto ainda mais apetecível, mais flexível e independente de substâncias vulneráveis a regulamentação.

Visto isto, como podemos aplicar o controlo biológico aos citrinos? Uma planificação de produção aliada a um bom conhecimento dos ciclos das pragas é essencial. Muitas das pragas presentes atualmente já existem há milhares de anos e, como a natureza nos tem mostrado desde sempre, sempre que algo existe em excesso, vai acabar por ser um recurso utilizado por outra espécie.

Portanto, se procurarmos bem, há predadores ou parasitóides que equilibram a balança e podem ser utilizados para combater as pragas que afetam as nossas culturas. Inclusivamente vários nemátodes e fungos podem ser aproveitados para o mesmo efeito, dependendo de qual o alvo e quais as condições em que a cultura se encontra.

Como exemplo, o uso do ácaro Neoseiulus californicus, combinado com Amblyseius swirskii, pode ser aplicado preventivamente nas árvores e reduzir ou mesmo eliminar a presença de várias espécies de ácaro e mosca-branca. Aphytis melinus e Anagyrus pseudococci são parasitóides que, juntos, podem proteger a cultura eficazmente contra a maioria das cochonilhas (respetivamente lapa e algodão) que afetam os citrinos. Chrysoperla carnea é um predador muito conhecido e com uma presença grande em todo o país, com particular incidência no Algarve, e é das armas mais eficazes no combate a todos os tipos de afídeos. O fungo Lecanicillium muscarium tem efeito em múltiplas espécies de pragas das mais variadas culturas e é um complemento a todo este plano.

Feromonas, atractivos e armadilhas de vários tipos podem ser utilizadas para capturas massivas de cochonilhas, moscas e outros, mas não devemos esquecer o seu uso provavelmente mais útil: monitorização e avaliação. Com estas ferramentas, o agricultor pode estar sempre bem informado da presença de várias das pragas e escolher, com consciência e precisão, quando deve aplicar os químicos a que já se habituou, sem criar uma situação em que pode induzir resistências ou afastar os predadores naturais existentes.

Este tipo de estratégia de produção requer algum esforço extra da parte do produtor, mas, tal como no caso da nutrição, tem o potencial de aumentar a viabilidade e sustentabilidade das explorações de citrinos. O crescimento do sector está sempre aliado à sua capacidade de seguir o mercado e, quando este pede adaptação, não só por razões económicas, mas também ambientais, é necessário reavaliar as nossas opções e fazer as melhores escolhas possíveis.

Como é fácil de constatar, as opções existem, a tecnologia existe, o mercado pede, os agricultores e técnicos demonstram capacidade de adaptação. Numa conjuntura em que reavaliamosa importância de vários sectores, a indústria agrícola volta a ser o foco e a base da sociedade. É necessário apresentar o melhor que temos e continuar o bom trabalho que é feito há décadas, inovando e adaptando a cada ano que passa.

Artigo originalmente publicado na Agrotec 35