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Agrotec

Resíduo Zero: entrevista a Ondina Afonso, presidente do Clube de Produtores Continente

Por: Carolina Mateus

Em 2020, o Clube de Produtores Continente lançou a Declaração para a Sustentabilidade, assente em 11 princípios alinhados à Estratégia Europeia do Prado ao Prato, à Estratégia Nacional para a Neutralidade Carbónica e aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. Esta declaração materializa-se em 40 iniciativas, uma das quais a Certificação Resíduo Zero, que pretende que a oferta de frutas e legumes nacionais seja livre de resíduos no momento da colheita. Ondina Afonso, Presidente do Clube de Produtores Continente, clarifica este conceito, esclarece o objetivo do novo selo e o caminho que se pretende seguir, de mãos dadas com os produtores.

AGROTEC: Fale-nos um pouco do seu percurso até chegar a Presidente do Clube de Produtores Continente.

ONDINA AFONSO: O meu percurso profissional começou na Escola Superior de Biotecnologia da Universidade Católica, num projeto de investigação e, posteriormente, como Coordenadora dos Serviços de Tecnologia e Inovação, onde colaborava diretamente com as empresas do setor agroalimentar. Aprendi muito com a “minha escola” e aprendi que as parcerias entre produtores de conhecimento e empresas podem ser parcerias win-win. Em 2009 fui convidada para assumir o cargo de Diretora Executiva da PortugalFoods, entidade que marcou uma nova era no setor agroalimentar português, e onde o conhecimento foi a alavanca para a internacionalização de muitas empresas portuguesas. Nesse âmbito, continuei o meu trabalho de promoção de parcerias entre empresas e entre empresas e entidades do sistema científico nacional, bem como na captação de oportunidades de negócio, na ótica de internacionalização. Em 2016, sou convidada para Presidente do Clube de Produtores Continente, onde desenvolvemos várias iniciativas para os membros, ao longo de ano, muito focadas na transferência de conhecimento entre o retalhista líder de mercado e os produtores nacionais. Em paralelo, e desde 2003, sou convidada frequentemente pela Comissão Europeia para participar na avaliação de projetos de investigação europeus, bem como em workshops que determinam novas orientações seja de investigação seja de normas de comercialização, no âmbito da Estratégia Europeia do Prado ao Prato.

AG: Que condições um agricultor tem de obedecer para conseguir atingir esta etiqueta?

OA: Para obter o rótulo Resíduo Zero, o agricultor tem de passar por um processo de alteração do modo como produz e, posteriormente, ser certificado por uma entidade reconhecida para tal efeito.

AG: O Clube de Produtores e a sua equipa dão formação aos agricultores que a pretendam obter?

OA: Sendo uma iniciativa da Declaração da Sustentabilidade, toda a formação e consultoria técnica para que o agricultor consiga obter a Certificação Resíduo Zero é suporta pelo Clube de Produtores, contando com a parceria com a Zerya, cuja expertise nesta área é reconhecida mundialmente.

AG: Quantos produtores têm este selo? Em que culturas?

OA: Até ao momento temos 13 produtores já certificados e 25 em processo de certificação. Estamos a falar de maçã, pera rocha, melão, melancia, couve, abóbora, cenoura, brócolos, mas é apenas o início.

AG: É possível que qualquer produto hortofrutícola seja “resíduo zero”?

OA: Sim, terá de cumprir com as práticas que produzam frutas e legumes livres de resíduos de pesticidas e que salvaguardem também outros princípios de sustentabilidade relacionados com a biodiversidade, a saúde dos solos e segurança alimentar. Além disso, terá de ser auditado e acreditado por entidades também reconhecidas para tal efeito.

AG: Um agricultor com este selo é beneficiado em termos de preço, em relação a outro que não tenha o mesmo?

OA: O termo correto não será “beneficiado” uma vez que os preços pagos são sempre em função do mercado e/ ou eficiências dos produtores. No limite, determinado produtor com Resíduo Zero poderá ter um preço/custo idêntico a outro sem esta certificação, por uma questão de eficiência, sendo que o produtor com certificação terá sempre prioridade para compra. Não obstante, os preços podem ser superiores uma vez que a certificação acarreta custos acrescidos para o fornecedor, que varia de cultura para cultura.

AG: Os produtores estão abertos a esta nova mudança? Qual o feedback que tem tido e quais as principais dificuldades que os agricultores encontraram?

OA: O feedback que temos tido é muito positivo por parte dos nossos produtores. Sabem que é o caminho que temos de seguir em conjunto, por forma a cumprir com as metas da Estratégia Europeia do Prado ao Prato e que prevê a redução do uso de fitofármacos em 50% até 2030.

AG: O consumidor está informado sobre os “resíduos zero”? Como passam a mensagem?

OA: Consideramos que grande parte dos consumidores ainda não estão informados. Já iniciámos este trabalho essencialmente via loja, mas queremos fazê-lo de uma forma mais abrangente e disseminada assim que tenhamos uma gama mais robusta, ou seja com mais produtos certificados.

AG: Este selo pode condicionar a escolha do consumidor na prateleira, em relação aos produtos bio e/ou produtos de agricultura convencional. Que estratégias vão implementar de forma que o mesmo não aconteça?

OA: Estamos a assistir a uma transição “verde” onde todos somos chamados para uma produção e consumo mais sustentáveis. Uma das metas da Estratégia do Prado ao Prato é também aumentar a área de produção biológica e de outros modos de produção, tal como a agricultura regenerativa. No entanto, não podemos deixar de dizer que o que se produz agora não é sustentável e que não obedece a boas práticas agrícolas. O que se pretende é ir mais além e implementar novas práticas agrícolas, mais integradas com o meio ambiente. Por isso, e durante algum tempo, é natural que nas prateleiras das nossas lojas os consumidores tenham uma oferta variada, no que respeita ao modo de produção e todos estes produtos terão o seu espaço próprio.

AG: Os produtos com o selo têm um preço mais elevado do que os obtidos com práticas de agricultura convencional?

OA: Conforme referido antes, tudo depende da eficiência de cada produtor. Em teoria, o preço pode ser mais elevado, quer pela certificação, quer pela produtividade, mas muito dependerá da fruta ou legume em questão bem como de outros fatores.

AG: Os produtos, em loja, têm tido adesão? As pessoas preferemno em detrimento de outros?

OA: Consideramos que sim, sobretudo nas gamas em que mantemos o produto convencional e o produto resíduo zero.

AG: Os produtos estão em todas as lojas da cadeia ou apenas nalgumas delas? Quais?

OA: Uma vez que ainda não temos produção em grande escala, não é possível colocar todos os artigos em todas as lojas, mas o objetivo de longo prazo é termos em todas as lojas Continente.

AG: Fizeram ou pensam fazer alguma campanha de marketing para promover estes produtos?

OA: Como em qualquer lançamento de um novo produto, é nosso objetivo dar a conhecê-lo ao mercado e garantir que os nossos clientes estão informados dos seus principais atributos. Os produtos Resíduo Zero não são exceção e serão alvo de várias ações de comunicação e em vários meios por forma a assegurarmos que a sua existência e características são do conhecimento dos nossos clientes.

AG: O que esperam obter com esta aposta? A diferenciação perante a concorrência?

OA: Com esta aposta esperamos essencialmente entregar um produto melhor ao cliente, respeitando o princípio de uma só saúde: pessoas, animais, plantas e o meio ambiente. Estamos confiantes que o cliente irá entender o conceito e valorizar esta proposta de valor.

AG: Quais os próximos passos a dar no Clube de Produtores Continente?

OA: Continuaremos, juntamente com todos os nossos produtores do Clube, a implementar as iniciativas da nossa Declaração para a Sustentabilidade, oferecendo aos nossos clientes o Melhor de Portugal.

Entrevista publicada na Revista Agrotec nr. 46. Versão completa da Revista aqui.