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Agrotec

Reduzir o uso de antimicrobianos nas vacarias de leite

Com o avançar das resistências bacterianas a antimicrobianos, um facto que preocupa toda a humanidade neste momento, torna-se crucial “aprender” a usar estes potentes medicamentos de uma forma prudente e judiciosa. Uma primeira regra será, obviamente, garantir que apenas profissionais competentes (médicos e médicos-veterinários) possam decidir e prescrever qualquer tratamento a pessoas ou animais.

Vaca

Por: George Stilwell

Orientei recentemente dois estudos de estudantes de mestrado da nossa Faculdade. Ambos abordavam o mesmo tema e usaram a mesma metodologia, mas decorreram em sistemas de produção de leite muito diferentes – um foi feito em vacarias da ilha de S. Miguel (Açores) e o outro em explorações da zona do Vale do Tejo.

As vacarias açorianas que participaram no primeiro estudo pertenciam a explorações familiares de pequena ou média dimensão que mantêm as vacas quase permanentemente em pastagem. É importante dizer que a erva verde e frondosa é a cama que todos os dias/noites recebe estes animais. As vacas das explorações do continente, alvo do segundo estudo, vivem sempre debaixo de telhado, em parques de piso de cimento, deitando- se em cubículos (pequenos compartimentos limitados por barras de metal) com espessas camas de areia seca e limpa.

E em que consistiram estes estudos? Antes de os descrever e de apresentar os seus resultados, vou apenas relembrar de que consta o ciclo de produção de uma vaca leiteira. Uma vaca, após o parto, inicia uma lactação que dura, em média, 10- 11 meses. Durante a lactação a vaca fica novamente gestante e quando atinge os sete meses de gestação a produção de leite deve ser suspensa ou, como se designa na gíria, a vaca deve ser seca. Isto acontece naturalmente quando o animal deixa de ser ordenhado. Após dois meses de período de seca a vaca voltar a dar à luz um vitelo e reinicia a produção de leite. Uma cópia da vida natural de um bovino.

Agora, uma breve explicação quanto aos factos que nos levaram a pensar e a executar estes ensaios. Para proteger a saúde do úbere durante o tal período de secagem, tornou-se habitual introduzir um antimicrobiano em cada um dos quatro quartos da glândula mamária da vaca. Esta foi sempre considerada uma boa prática já que é uma forma extremamente eficiente de eliminar bactérias que infectam o úbere.

Estes antimicrobianos de acção prolongada matam as bactérias que possam já existir em infecções subclínicas na altura da seca ou aquelas que, eventualmente, possam vir a ter acesso ao úbere durante o período de seca.

Com o avançar das resistências bacterianas a antimicrobianos, um facto que preocupa toda a humanidade neste momento, torna-se crucial “aprender” a usar estes potentes medicamentos de uma forma prudente e judiciosa. Uma primeira regra será, obviamente, garantir que apenas profissionais competentes (médicos e médicos-veterinários) possam decidir e prescrever qualquer tratamento a pessoas ou animais.

Mas um outro passo essencial é que apenas se usem antimicrobianos para eliminar infecções bacterianas que realmente existem. Por exemplo, a prática habitual, há uns anos, de dar um antibiótico a uma criança com uma doença viral “só para o caso de” já não faz sentido e tem sido, felizmente, abandonada.

Ora, no caso das nossas vaquinhas, temos a noção de que algumas das aplicações de antimicrobianos se destinavam apenas a prevenir infecções que se poderiam iniciar, se algo correr mal e se a imunidade individual não funcionar, durante o período de seca. Ou seja, muitos “ses”… Não seria melhor prevenir essas infecções não permitindo que as bactérias alcancem o interior da glândula mamária? É claro que sim, mas como fazer isso?

Uma primeira medida será a de colocar estas vacas em condições óptimas de conforto, de bem-estar e de higiene… o que pode ser conseguido de diversas formas e daí o estudo incidir sobre duas populações a viver em condições muito diferentes.

Outra medida lógica será a de fechar a porta-de-entrada das bactérias para o úbere, o que se consegue colocando um selante na forma de um espesso gel inócuo no interior do canal do teto. Este gel não mata bactérias, não provoca resistências e não tem qualquer efeito nocivo sobre as vacas. É só uma barreira intransponível.

Foi então da análise de todos estes factos e factores que nasceu a ideia para o estudo – provar aos produtores de leite que se pode manter a saúde do úbere apenas fechando a porta e mantendo as vacas em boas condições. Previa-se que alguns produtores tivessem medo de não tratar as suas vacas, como fizeram durante anos, e se recusassem a alterar as práticas na secagem das vacas. É, portanto, crucial mostrar que o antimicrobiano não é essencial, é caro e que o seu abuso pode acarretar consequências desastrosas.

A metodologia dos ensaios foi muito simples – identificar os quartos mamários que não tinham infecção no momento da secagem, selar esses quartos com o tal gel e colocar as vacas em óptimas camas de erva ou areia. Os quartos que apresentavam sinais de alguma infecção continuariam a ser tratadas da forma tradicional.

Os resultados foram excelentes. Em muitas dezenas de vacas oriundas dos dois sistemas e abarcando todos os quartos que não tinham infecção prévia (mais de 70% do total analisado), foi colocado apenas o selante na secagem. Dois meses depois, quando voltaram a entrar em lactação, fomos ver se algum quarto mamário tinha, entretanto, adquirido alguma infecção. Em nenhum tal aconteceu, demonstrando que não é preciso usar antimicrobianos em muitas situações.

Esta é, portanto, uma forma de abordar a prevenção de infecções mamárias em vacas leiteiras que tem de começar a generalizar-se. Não só se estará a contribuir para uma redução nas resistências bacterianas como se estará a poupar muito dinheiro. E o produtor de leite bem precisa e agradece tudo o que o leve a poupar!

Nota: Artigo publicado originalmente na Agrotec 32

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