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Agrotec

Para onde caminham os Frutos de Caroço?

Texto Marta Caeiro Fotos COTHN, AAPIM, APPIZÊZERE e Quinta do Prado Vasco

Do latim científico ‘prunus’, ameixa e do grego ‘eĩdos’, forma, as prunóideas são todas as árvores e arbustos do género ‘prunus’, da família das rosáceas, nativas das regiões temperadas sobretudo do hemisfério norte, que incluem espécies frutíferas, como ameixeira, cerejeira, ginjeira, pessegueiro e damasqueiro.

Em Portugal, a produção de prunóideas reveste-se de uma importância fundamental para algumas regiões, onde existem condições edafoclimáticas muito favoráveis a este grupo de culturas, conseguindo-se produtividades notáveis e frutos com características únicas e reconhecidas por parte dos consumidores.

prunóideas

Atualmente as culturas de prunóideas têm um enfoque fundamental na economia regional de Castelo Branco, quer seja pelo rendimento direto para os produtores, quer seja pelo número de pessoas envolvidas na produção, colheita e comercialização.

As principais formas de escoamento da cereja verificam-se através de Organizações de Produtores (OP’s), para as grandes superfícies. É visível também a venda à consignação, através de intermediários que recolhem a fruta para revenda noutros mercados ou retalhistas e através da grande distribuição. Existem igualmente grandes produtores com estruturas de armazenamento e calibração que fornecem essencialmente os mercados abastecedores, como o Mercado Abastecedor da Região de Lisboa (MARL). Com menor expressão efetuam-se ainda algumas transações em cadeias curtas e mercados locais, sendo uma pequena fatia transformada em sumos e concentrados de fruta.

Na região da Cova da Beira, o pêssego continua a ser cartão de visita, numa colheita que se estende entre maio e outubro.

José Marques Assunção, presidente da Associação de Agricultores para Produção Integrada de Frutos de Montanha (AAPIM), acredita que o pêssego poderia ser valorizado «num modelo de negócio diferente, que agregasse as várias Organizações de Produtores. Cada um poderia ter o seu negócio mas haver aqui uma espécie de cluster no grupo. O sabor do pêssego da Cova da Beira é inigualável mas nem sempre se consegue comercializar ao preço que ele tem. Poderia procurar-se um modelo de negócio internacional que o valorizasse mais».

DESAFIOS À PRODUÇÃO

Nos últimos anos, os desafios colocados aos produtores destes frutos têm criado alguns constrangimentos e a procura de soluções acarreta, muitas vezes, dificuldades à produção. São vários os problemas fitossanitários que têm adquirido particular importância, seja pela expansão das áreas de culturas e a sua implantação em zonas onde as plantas manifestam a sua suscetibilidade a alguns destes inimigos, seja pela retirada de substâncias ativas fundamentais para manter os níveis das populações desses inimigos dentro de limites controláveis e que não comprometam o rendimento dos produtores.

A produção tem ainda outros desafios, nomeadamente a procura de alimentos com níveis muito baixos ou nulos de resíduos, nem sempre compatíveis com a dificuldade de ultrapassar alguns dos problemas fitossanitários existentes, levando muitas vezes a perdas de rendimento significativas. Estas imposições colocam à produção o desafio de procurar variedades menos suscetíveis aos inimigos das culturas mas que consigam, ao mesmo tempo, garantir frutos com as características mais procuradas pelos consumidores, nomeadamente: doçura, calibre elevado, sem defeitos e com aspeto visual atrativo.

Podem citar-se, ainda, outros desafios, tais como a escassez de água em zonas fora do perímetro do regadio da Cova da Beira, onde a racionalização da mesma tem de ser levada ao extremo e onde os investimentos na criação de reservatórios aumentam vertiginosamente os custos de produção.

De salientar também as exigências imputadas pelas grandes superfícies/consumidores, uma vez que os limites impostos às substâncias químicas irão, a curto prazo, aumentar as dificuldades na gestão dos inimigos das culturas essencialmente pelos problemas de resistências e pelo risco que é cada vez maior da introdução de novas pragas e doenças.

A incorporação da inovação no setor agrícola é também um desafio, pois, conforme referem Sara Martins e Maria do Carmo Martins – respetivamente diretora e secretária-geral do Centro Operativo Tecnológico Hortofrutícola Nacional - Centro de Competências (COTHN-CC), «as margens de rentabilidade são cada vez mais estreitas, tornando a adoção das novas tecnologias mais difícil. A organização dos produtores revela-se fundamental, não só para que esta adoção aconteça mais facilmente e possa incluir cada vez mais produtores, mas também para uma abordagem ao mercado mais equilibrada».

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PROTEÇÃO INTEGRADA DE CULTURAS

Práticas culturais e medidas preventivas adequadas constituem a base da Proteção das Culturas contra os diversos inimigos que as ameaçam. Na maioria dos casos, a utilização de meios diretos de luta, como a aplicação de pesticidas, deve ter lugar apenas quando as medidas culturais e preventivas são insuficientes para proteger a cultura de forma eficaz.

Se por um lado é fundamental a produção de alimentos seguros para o consumidor, garantindo em simultâneo a segurança dos trabalhadores agrícolas, é cada vez mais difícil conseguir produzir com o crescente aumento dos problemas fitossanitários e a sua severidade, aliados à retirada de alternativas químicas para controlo dos mesmos. Para além destes desafios associados diretamente à produção, a Associação de Protecção Integrada e Agricultura Sustentável do Zêzere (APPIZÊZERE) diz apresentarem-se outros, indiretamente, «pela desinformação e campanhas de difamação de que a agricultura tem sido alvo, que criam em torno da opinião pública um sentimento de desconfiança relativamente a alguns modos de produção agrícola. Muita dessa informação surge com uma base científica reduzida e alguma falta de rigor. Em contrapartida, são defendidos outros modos de produção, nomeadamente a agricultura biológica, que é dificilmente praticável em grande parte das culturas. Naturalmente, todos os modos de produção têm o seu lugar, servindo propósitos ligeiramente diferentes, uns pela ideologia de quem produz e de quem consome, outros pela importância da produção de alimentos para uma população crescente e que tem vindo a consumir cada vez mais».

Na visão do COTHN-CC, os maiores desafios passam essencialmente pela saída constante de soluções do mercado, sem que haja possibilidade de alternativas eficazes disponíveis. «Este facto faz com que seja cada vez mias difícil a gestão da proteção das culturas, ficando a descoberto alguns inimigos, sem qualquer ferramenta de controlo». Uma outra questão prende-se com a elevada tecnicidade das novas soluções que vão aparecendo, que requerem apoio técnico especializado, «o que faz com que muitos produtores tenham muita dificuldade em utilizá-las de forma correta».

 

APOIOS GOVERNAMENTAIS CONCEDIDOS

Vários têm sido os quadros comunitários de apoio disponibilizados aos agricultores na proteção das culturas, nomeadamente os concedidos através das medidas agroambientais: Produção Integrada e Agricultura Biológica.

No entender da APPIZÊZERE, estes têm-se revelado de «primordial importância» para a manutenção do rendimento da generalidade das explorações agrícolas mas, sobretudo, para a manutenção da própria atividade agrícola, tendo evitado, até ao momento, o «abandono de algumas explorações e do mundo rural, conseguindo-se fixar alguma população, nomeadamente no interior do país onde esta fixação é cada vez mais escassa e difícil».

No caso concreto da região do Fundão e da atividade frutícola, onde predominam as prunóideas, o apoio concedido através da Produção Integrada tem sido um importante suporte da atividade, compensando alguma perda de rendimentos.

Relativamente ao recente apoio para redes anti-granizo para proteção dos pomares, as engenheiras do COHTN-CC acreditam que a verba disponibilizada será insuficiente face aos custos por hectare de instalação destas redes, «que rondam os 15 a 20 mil euros por hectare». «É importante perceber que nem todos os pomares estão adaptados para a colocação destas redes, por exemplo os pomares em encosta, pelo que mais uma vez se torna necessário alargar o apoio a outras técnicas. No entanto, é um bom sinal esta abertura do Ministério, pois é o reconhecimento de que mais se tem que fazer no desenho das medidas de gestão de risco para fazer face à necessidade de proteger os sistemas produtivos nesta nova realidade provocada pelas alterações climáticas».

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AGRICULTURA SUSTENTÁVEL E NEUTRALIDADE CLIMÁTICA

O Pacto Ecológico Europeu prevê que se possa atingir a neutralidade climática da União Europeia até 2050, praticando uma agricultura mais sustentável. As medidas implementadas no acordo, nomeadamente na estratégia “Farm to Fork”, são vistas pelos produtores com alguma resistência na sua concretização, pois «retiram competitividade ao setor podendo colocar em causa o objetivo traçado». Para que estas metas se possam concretizar, na visão do COHTN-CC, «terão que existir medidas dentro da PAC que possam compensar os produtores, caso contrário os custos irão aumentar significativamente e refletir-se no consumidor final, que passará a ter de pagar mais pelos alimentos produzidos no espaço europeu».

Aos olhos da AAPIM, «o “Green Deal” é uma exigência da sociedade face às alterações climáticas». «No modelo de agricultura que aí vem, teremos de alimentar cada vez mais pessoas. O desafio é produzir alimentos para a sociedade, para que a alimentação chegue a todos. Estas medidas implementadas só são difíceis se não houver conhecimento técnico e é por isso que existe a investigação. Só podemos aumentar a produtividade se tivermos conhecimento, por isso a agricultura tem de ser feita com apoio técnico», conclui José Marques Assunção.

A APPIZÊZERE vê o objetivo do Pacto Ecológico Europeu como uma «mera utopia», não só porque «o tempo que nos separa dessa data é manifestamente curto», como é também «pouco entendível que se consiga colocar a UE dentro de uma bolha e que esta, só por si, consiga atingir essa neutralidade».

«Só seria expectável atingir a neutralidade se todos os países contribuíssem de igual modo para esse objetivo, sendo completamente imoral exigir este esforço por parte de muitos países onde a sobrevivência é uma luta diária. Ao mesmo tempo, também não se vislumbra, por parte dos maiores poluidores, muita abertura na criação de mecanismos e políticas que visem uma clara diminuição dos impactos. Partir do princípio de que um pequeno grupo de países no mundo conseguirá tal objetivo é francamente duvidoso, sobretudo quando pensamos que esses mesmos países não estão, nem poderão estar isolados de todos os outros e que as ações tomadas numa latitude terão impactos em latitudes opostas».

De acordo com um estudo encomendado pela Associação Nacional da Indústria para a Proteção das Plantas (ANIPLA) à AGRO.GES, o Pacto Ecológico Europeu pode levar a perdas significativas no rendimento agrícola nacional, apontando para uma quebra de 7% da totalidade da receita agrícola. Este estudo pretendeu avaliar o impacto da redução da aplicação de produtos fitofarmacêuticos na produção vegetal em Portugal, tendo por base a diminuição já referida em 50% do seu uso e risco até 2030.

Com o intuito de diminuir os impactos ambientais, podemos hoje contar com uma agricultura cada vez mais especializada e tecnologicamente mais precisa, mas é fundamental assegurar que todos os modos de produção tenham espaço na atividade agrícola.

«É fundamental o contributo da agricultura para atingir a neutralidade climática, mas não pode ser vista como o primeiro e maior de todos os males, como muitas vezes nos últimos tempos tem sido apresentada, e é imperativo que todos nós, enquanto consumidores, tenhamos consciência que a agricultura é a atividade que produz alimentos que todos consumimos e que a população mundial tem tendência crescente. Se a UE criar medidas que levem à diminuição da produção desses alimentos, dentro do espaço europeu, haverá outros países que aumentarão as suas produções, arriscando-se esta a perder competitividade, criar dependências e favorecer o crescimento de outras economias, criando-se assim um enorme paradoxo, invertendo as metas, perdendo os valores e subvertendo os princípios do que também se pretende obter na UE, nomeadamente, igualdade e solidariedade».

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INIMIGOS FREQUENTES DOS FRUTOS DE CAROÇO

As cicatrizes deixadas pela queda das folhas possibilitam a infeção das árvores por fungos e bactérias. No que respeita aos principais inimigos destas culturas, os cancros são transversais a todas elas. As alterações climáticas têm também levado ao surgimento de novas pragas e doenças. De destacar alguns dos mais frequentes: Cancro Bacteriano - ‘Pseudomonas syringae’; Cancro de Fusicoccum – ‘Fusicoccum amygdali’; Doença do Chumbo – ‘Chondrostereum purpureum’.

As culturas a que maioritariamente a APPIZÊZERE presta apoio em Produção Integrada são o pessegueiro e a cerejeira e com menos relevância a ameixeira, o damasqueiro e a amendoeira, sendo esta última a cultura que tem vindo a ganhar maior expressão em área de plantação, na Beira Interior. Se no caso do cancro bacteriano, a cerejeira foi até há alguns anos atrás a cultura onde os ataques eram mais visíveis e intensos, mais recentemente (12-15 anos), os pessegueiros têm sido a cultura mais afetada, com grandes superfícies perdidas, com especial relevo nos últimos 4-5 anos, especialmente na zona de produção a norte da serra da Gardunha. Já a sul da serra, os sintomas começaram a surgir com maior intensidade nos dois anos transatos, com uma severidade mais impactante na atual campanha.

Esta doença tem tido uma expressão enorme na região e tem levado ao arranque de inúmeras parcelas com perdas muito significativas para os produtores, tendo em conta que muitas vezes os custos de instalação não são amortizados porque o seu arranque ocorre ainda antes da entrada em produção da cultura. Nas últimas campanhas tem aumentado de forma significativa, o que levou a que no ano de 2019 fossem realizadas prospeções oficias para perceber qual a bactéria causadora deste cancro, dada a sua agressividade e progressão. Chegou-se na altura à conclusão de que se trata de um complexo de pseudomonas. Na presente campanha já se verifica novamente a presença desta doença que leva à morte dos pessegueiros e cerejeiras.

São de referir também duas pragas emergentes na região, as “cigarrinhas verdes” em pessegueiro, responsáveis por ataques sobretudo em pomares jovens, condicionando o seu desenvolvimento, e a Drosophila suzukii ou “mosca das asas manchadas”, associada à cultura da cerejeira, que em anos com condições climáticas mais favoráveis aos ataques (humidade relativa do ar elevada e temperatura amena/baixa) é responsável por perdas muito elevadas de produção, dada a sua enorme polifagia, rapidez e facilidade de propagação e a dificuldade de controlo. Uma vez que o tratamento fitossanitário não é suficiente, tem de ser complementado com a captura em massa, verificando-se ainda assim um aumento anual do número de indivíduos.

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UMA CAMPANHA EM ANO DE PANDEMIA

AAPIM: «A agricultura não para. Tivemos e continua a ser feita assistência técnica. Estivemos sempre abertos por marcação, não tivemos quebras de produção em 2020».

COHTN: «A maioria dos produtores está equipada de bens essenciais à proteção individual, cumprindo as normas da DGS, com a aquisição de máscaras, viseiras, desinfetantes e testes rápidos. O distanciamento também se prevê assegurado, com a redução do número de trabalhadores por árvore, evitando assim contacto. A publicação no ano de 2020 do manual de boas práticas para a colheita de produtos hortofrutícola em tempo de pandemia, com o apoio do COTHN-CC e da Câmara Municipal do Fundão, foi uma boa ajuda. Claro que estas adaptações trazem custos acrescidos, uma vez que ao havendo menos mão-de-obra a rentabilidade é menor e, sendo a operação cultural mais cara, aumentam os custos de produção».

APPIZÊZERE: «O setor tem-se adaptado com normalidade, tanto às medidas impostas como à pandemia propriamente dita. Na generalidade respeitam-se as normas de distanciamento e de higiene de forma a evitar possíveis surtos. É facultada informação aos colaboradores, criando, sempre que possível, grupos de trabalho cuja origem seja a mesma, tentando evitar o contacto entre grupos. A importância destas medidas é exacerbada nos períodos de colheita, contudo, também já existe a experiência adquirida no ano anterior em que na região foi possível proceder às mesmas sem registos de situações de focos pandémicos. Nesta campanha acresce ainda uma diminuição do risco, pelo facto de alguma parte da população ter já alguma toma de vacina e alguns casos de trabalhadores estrangeiros terem de entrar no país com teste negativo. De qualquer modo, nenhuma destas questões invalida a importância do seguimento de procedimentos de conduta conducentes à minimização do risco e ao bom funcionamento dos locais de trabalho, permitindo uma campanha sem sobressaltos maiores que os que já são inerentes à própria atividade».

Nota de Redação:

Artigo publicado na edição n.º 39 da Revista AGROTEC.

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