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Agrotec

Manuel Die Dean: «Existe no Alentejo muito interesse de empresários jovens no maneio holístico»

Manuel Die Dean é veterinário e produtor de gado no Alentejo, aclamado por ter tradizo à região um inovador sistema para a produção bovina. As suas práticas, aplicadas na Herdade da Defesinha, em Elvas, onde gere a Sociedade Agrícola Bove, dão uma nova perspetiva agroecológica à atividade pecuária, em todas as suas componentes. Em entrevista à Agrotec, o responsável conta todo o processo para a adoção do maneio holístico.

Manuel Die Dean Agrotec

AGROTEC: Quando sentiu necessidade de alterar o modelo de produção de gado?

MANUEL DIE DEAN: A partir do momento em que descobri a intervenção de Allan Savory na charla Ted Talk, através de um vídeo no Youtube intitulado How to green the world deserts, a minha visão mudou radicalmente. Isto foi em 2013, mais ou menos. Em pouco tempo, formei-me para pôr em prática a metodologia de maneio holístico, o que aconteceu entre 2014 e 2015.

AG: Qual o segredo deste sistema de pastoreio holístico e do chamado keyline?

MDD: No pastoreio holístico, a chave mais importante é planificar os movimentos do gado para tempos de ocupação curtos e tempos de repouso adequados e suficientes para impulsionar as funções básicas do ecossistema. Em suma, passa por imitar os pulsos das manadas de herbívoros em movimento, com impacto animal curto e intenso, e suficiente para a recuperação das pastagens, num contexto de muita complexidade ambiental. No caso da técnica do keyline, esta serve apenas como complemento para que a ferramenta regenerativa do pastoreio seja mais eficiente, no sentido de diminuir a compactação e aproveitamento de água de chuva em terrenos muito degradados e erosionados.

AG: Além desses métodos, como se distingue a sua produção?

MDD: A nossa exploração não tem técnicas muito diferentes. O que muda é a maneira como usamos essas técnicas: impulsionamos os processos naturais do ecossistema em vez de tentar dominá-los.

AG: Quais os principais objetivos a alcançar com estes métodos?

MDD: O objetivo final é sempre obter a melhor qualidade de vida com sustentabilidade ambiental e económica, assim como benefício económico baseado no capital biológico e recursos naturais – e não na liquidação dos mesmos. Mais concretamente, aspiramos poder engordar os nossos animais com recurso à pastagem, quase na totalidade. Não é coerente criar vitelos em modo regenerativo e engordá-los depois com enormes quantidades de farinha com a sua respetiva pegada ambiental.

AG: O que o levou a adotar este sistema distinto do convencional?

MDD: Por um lado, a excessiva dependência económica de subsídios e inputs (alimentação, energia, entre outros). Por outro, ver que o maneio “extensivo” não evitava a lenta degradação de solos, pastagens e montados.

AG: Qual a importância da genética dos animais?

MDD: O genótipo dos nossos rebanhos é fundamental para adaptarmos aos recursos naturais, tanto ao nível de cria como da engorda, baseado nas nossas pastagens mediterrânicas estacionais. Nesse sentido as raças autóctones cumprem com características positivas de rusticidade, mas tem problemas de falta de precocidade, o qual dificulta acabamento a pastagem. Nós trabalhamos com a raça Mertolenga absorvida com Angus, mas o verdadeiro desafio é fazer a própria seleção de genótipos mais precoces para conseguir animais terminados a partir dos 15 meses, na segunda primavera de sua vida.

AG: No processo de mudança, o que teve que alterar (em termos de gestão da terra e dos animais, estruturas, entre outros aspetos)?

MDD: Para conseguir evitar o sobrepastoreio (demasiado tempo por parcela), o primeiro passo passou por planificar e desenhar a estrutura de parcelas e abeberamentos. O plano de cada exploração é único e não é aconselhável dar dicas e receitas. Depende do contexto dos tomadores de decisões, idade, trabalho, projetos futuros, entre outros aspetos. Posso dizer que depois do descobrimento da roda, a segunda invenção da humanidade se calhar é a cerca elétrica. No nosso caso, o investimento em cercas e distribuição de água de abeberamento, foi amortizado amplamente no primeiro ano. O agrupamento de animais é fundamental para o propósito de conseguir esse “efeito manada” tão benéfico. Desta maneira se consegue o mesmo efeito com menos investimento em parcelamentos.

AG: Quais os impactos económicos e ambientais que pôde constatar com a adesão a esses novos métodos?

MDD: O impacto económico imediato inicial tem a ver com dois motivos: por um lado, a melhoria da eficiência de crescimento e fotossíntese por permitir a recuperação adequada das pastagens; por outro, o pastoreio com voracidade não seletivo aumenta a massa forrageira com espécies rejeitadas no pastoreio contínuo. Desde o primeiro ano que temos um excedente para consumo para gerir durante a época de não crescimento. Evidentemente que outras melhorias são a longo prazo, como por exemplo a matéria orgânica e a regeneração de montado. O impacto económico tem sido sempre positivo mesmo considerando que o animal está mais pressionado pelo efeito manada de consumo não seletivo. Mesmo com os genótipos de hoje em dia  habituados a pastoreio seletivo, os animais compensam essa pressão com mais consumo e voracidade. Temos que estar atentos para evitar uma diminuição de performance, no entanto, adaptamos os animais a esse maneio de forma escalonada.

AG: Em termos de saúde animal, quais os resultados verificados?

MDD: A mudança constante de parcela interrompe os ciclos de muitos processos patológicos, especialmente as parasitoses. As desparasitações sistemáticas sem motivo clínico têm vindo a destruir os insetos coprófagos tão necessários para incorporar húmus aos nossos solos, além de gerar resistências. É lamentável que seja obrigatório ao nível de saneamento oficial. Nós não desparasitamos animais adultos há mais de três anos e as análises coprológicas indicam que tem descido a carga parasitária por causa do maneio. De qualquer das formas, somos conscientes que os ecossistemas estejam contaminados e nossos genótipos pouco adaptados, temos que tratar as doenças com critério veterinário.

AG: E quais as vantagens para a qualidade de vida do próprio empresário?

MDD: A melhor qualidade de vida se deriva de adaptarmos aos pulsos biológicos e não dominar e eliminar o resto de fatores da natureza. É muito cansativo lutar impondo monoculturas, grandes culturas de fenos, fenosilagens, animais de altos requerimentos, entre outros. De início parece que o tempo dedicado à movimentação dos animais podia ser limitante, mas finalmente produz o efeito contrário de mais tempo livre.

AG: Quais as perspetivas de desenvolvimento para a produção tendo em conta a sua estratégia?

MDD: As perspetivas de redução de custos são muito otimistas, a par de uma atividade regenerativa importante. O desafio mais complicado tem a ver com a situação no mercado. Os consumidores preferem carne de pastagem, mas a indústria penaliza estes produtos (por serem carcaças mais pequenas).

AG: Os empresários portugueses têm mostrado interesse neste tipo de sistema?

MDD: Existe muito interesse em Portugal na zona do Alentejo por parte de empresários jovens (com 30 a 40 anos). Temos um grupo de produtores muito dinâmico, o Tertúlia Holística, criado de forma espontânea e através do qual partilhamos experiências diariamente.

Entrevista Catarina Monteiro | Foto Teresa Carita

Nota: Artigo publicado originalmente na Agrotec 32

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