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Agrotec

João Coimbra: Gestão e rigor na cultura do milho

Considerado por muitos como o melhor produtor de milho do mundo, título que não aceita, João Coimbra é, sem dúvida, um empresário agrícola exemplar, pelo rigor e cuidado que imprime aos seus projectos. O empresário agrícola é um dos oradores no webinar “Novos horizontes na agricultura: INOVAÇÃO”, realizada pela Bayer Crop Science Portugal, em colaboração com a Agrotec. Como tal, recordamos agora uma entrevista do produtor concedida à nossa publicação.

João Coimbra

Foi na Quinta da Cholda, uma das propriedades da família de que é responsável, que recebeu a Agrotec para partilhar os segredos do seu sucesso na cultura do milho. Rapidamente se percebe que o Eng.º João Coimbra não é apenas um bom produtor de milho, é também um empresário capaz de atingir níveis de excelência em qualquer negócio em que se empenhe.

É, nas suas próprias palavras, a gestão rigorosa a chave daquilo que nós podemos chamar de sucesso e que, para ele, apenas é a gratificação por alcançar os resultados a que se propõe nos projectos em que se tem empenhado.

Quando a média nacional é de pouco mais de 7 ton/ha de milho grão, João Coimbra pode orgulhar-se de, nos seus 350 hectares cultivados com milho não ter, desde 1990, tido qualquer ano em que a produtividade fosse inferior a 15 ton/ha, atingindo em 2011, ano particularmente favorável para a cultura, a média de 17 ton/ha.

AGROTEC: É, em Portugal, considerado o melhor produtor de milho. E diz a fama que talvez um dos melhores a nível internacional.

João Coimbra: Agradeço esses adjectivos mas... sou talvez o mais especializado. A nossa exploração tem-se especializado nesta área, o que é muito raro. A maioria das explorações é mista e as pessoas são especialistas em várias áreas, o que é sempre complicado, e em agricultura isso é evidente.

Aqui, na região, há outras alternativas, nomeadamente hortícolas, o que permitiria outra rotação. Mas especializando-me concluí que poderia talvez ganhar mais em termos de produtividade e controlo do processo, mesmo com os riscos que implica ter uma cultura que está em mercado aberto e sujeita a oscilações de preços muito grandes que poderiam levar a condições complicadas.

Em vinte e tal anos de experiência apanhei de tudo, de preços altos e baixos, mas mesmo assim consegui sempre ter resultados positivos.

AG: Todos temos curiosidade em saber quais os seus recordes de produtividade numa parcela. Qual foi o máximo dos máximos?

JC: Tenho sempre medo de falar em números porque dizem que aqui os hectares são muito grandes. O mais importante para nós é a produção média e a regularidade. Ao longo dos anos temos vindo a subir. Em 1988 a média era de 8 toneladas hectare, este ano tivemos a melhor média de sempre, acima das 17 toneladas.

AG: É uma média extraordinária, considerando que é uma divisão feita por 350 ha!

JC: Normalmente não digo qual a produção porque há quem não acredite, e por isso falo em percentagem de variação. Mas mais importante do que isto é, desde 1990, nunca ter estado abaixo das 15 ton/ha. Quando investimos na cultura, o pior cenário considerado são as 15 toneladas, pois, economicamente só acredito na segurança económica com produtividade acima das 13 ou 14 toneladas.

AG: Mas qual foi mesmo o máximo que já colheu. O máximo foram as vinte e… ?

JC: Sim, acima de vinte, mas essa pergunta só respondo off the record! Mas não foi neste ano de 2011, apesar de ter sido o melhor ano em termos de produtividade média. O que me interessa não são os recordes mas a regularidade e homogeneidade.

AG: Sente que está no limite da capacidade genética dos híbridos?

JC: Não, não. Há muitas parcelas em que efectivamente se chegam a valores muito altos, mas nunca cheguei aos valores teóricos que se falam das 27-28 toneladas. Sempre que cometemos uma asneira, tiramos quilos da seara, partimos em 28 e depois vamos tirando com os erros e ineficiências, por exemplo, os que se perdem na ceifa, o que os javalis comeram, o que os rodados do pivô inutilizou, bem como o caminho que vai ao centro do pivô; tudo isso é área.

Quando me comecei a aperceber que estaria a chegar às produtividades limite comecei a fazer o contrário, passar a produzir o mesmo com menos, optimizando e aumentando a eficácia.

Hoje em dia, pondero quantos quilómetros faço por tonelada de milho, quantos litros de gasóleo, quantas horas de mão-de-obra, quantos quilos de azoto, quantos quilowatts de energia.

AG: Portanto, optimizando.

JC: Sim. Um benchmarking técnico. E isto é algo que gostaria de propor a todos os agricultores, que fizessem um benchmarking, e façam sempre um programa de optimização sobre aquilo que já conseguiram fazer, em termos de produtividade, tudo o que se gasta sobre tudo o que se exporta. Mantendo a fertilidade do solo.

Como tenho cinco filhos nunca penso em deixar os solos piores do que os encontrei.

AG: Um dos pontos em que tem optimizado a sua exploração é na economia de energia. E vemos diversos painéis solares nas suas terras. Qual é o objectivo?

JC: Temos dois novos projectos: 1) Melhorar o nosso balanço de carbono, reduzindo a nossa pegada ambiental; 2) Sermos auto-suficientes em termos energéticos. Para isso temos vindo a instalar parques solares próximos dos locais de consumo. E os resultados têm sido muito entusiasmantes.

AG: O seu parque de máquinas é muito modesto. Recorre muito ao aluguer de máquinas?

JC: Não me lembro de quando comprei um tractor. A maioria é já do tempo do meu pai. Tenho vindo a baixar muito a mecanização numa perspectiva do baixo carbono. Mobilizações simplificadas. Cada vez menos passagens no terreno. Sementeiras directas. O que me interessa é produzir cada vez mais com menos recursos. Esse é o meu lema.

AG: Quantos agrónomos trabalham aqui? A formação foi importante para o seu sucesso?

JC: A minha formação académica não foi assim tão importante, a do meu pai sim, que também era agrónomo. Um técnico de altíssima qualidade. A minha principal escola foi esta casa. Eu, aos 10 anos, era tractorista e fuime apercebendo do rigor que o meu pai imprimia, da tecnologia, do espírito inovador.

O estudo académico ajudou-me principalmente na parte da capacidade de raciocínio e cálculo matemático. A abertura de espírito consegui sobretudo com viagens e a querer saber porque se fazia. Para mim, o que mais procuro aperfeiçoar é a capacidade de gestão e o rigor. O bom gestor é o que elimina os riscos com o mínimo de dinheiro e capacidade de antecipação.

AG: Encara, portanto, a agricultura como uma verdadeira empresa.

JC: A terra é um activo bastante sólido e que deve ser administrado como tal. Há uma regra que diz “Não deixes para amanhã o que podes fazer hoje” e eu na verdade defendo “Pensa bem o que vais fazer amanhã para o fazeres bem feito”. Para que tudo corra bem é preciso preparar a logística.

Para eu semear 350 há, entre o dia 15 de Março e 15 de Abril, que é o óptimo técnico para esta região, preciso de semear todos os dias, tendo 6 dias por semana e tenho que avançar todos os dias 12 hectares. É preciso muito planeamento para que tudo corra bem, com os recursos humanos e máquinas que nessa ocasião estão disponíveis e, considerando, que temos parcelas afastadas até 100 km umas das outras.

Eu aprendo muito com os erros.Todos os atrasos que temos na Primavera, todas as meias horas de manutenção, tento queimá-las no Inverno, prevenindo riscos através da manutenção antecipada ou preventiva. Todas as máquinas estão afinadas antes da época de sementeira. Fazemos simulações de sementeira (pomos as máquinas a trabalhar simulando situação real), os pivôs trabalham todo o ano, em consumo mínimo.

AG: Todo o ano?

JC: Sim, nas primeiras regas de emergência é quando a maioria dos empresários vai fazer a manutenção dos pivôs, e quando é preciso já chegam atrasados, isso é irremediável. Se tiver os equipamentos em movimento, a consumir no máximo 1% (sem água, evidentemente), a máquina está sempre pronta, não há rolamentos calcinados, entupimentos, faltas de corrente.

A maior parte das vezes, quando as alfaias são precisas é que elas partem, e aí perdem-se dias, e é com este rigor que sinto que se tem conseguido optimizar a produção. A produtividade começa aqui. Fazer tudo no momento certo.

Para que não haja falhas na altura da rega tenho, por exemplo, motores de substituição para que, se houver uma avaria possa intervir imediatamente sem estar dependente de terceiros. Num pivô de 72 ha, um atraso na reparação ou substituição de um motor poderia significar a perda de mais de 200.000€.

AG: Com é que prepara a sementeira? Pelo que percebemos começa com a própria ceifa.

JC: Sim. Após a ceifa faço um remeximento superficial do solo para facilitar o nascimento do revestimento da vegetação de Inverno, seja semeada ou espontânea, bem como provocar a germinação do milho que caiu na ceifa e que, nascendo nesta época, não vai ser um problema como seria se nascesse mais tarde, no ano seguinte, entre as linhas do milho. Normalmente até faço a sementeira do revestimento de Inverno atrás da própria ceifeira, para antecipar a emergência do revestimento e assim fixar o máximo de azoto que, de outro modo, se perderia por lixiviação e aproveitar o máximo de calor do final do Verão para garantir a melhor instalação.

Se tiver infestantes vivazes, como a junça (e a junça pode ser o problema número um), ainda consigo fazer uma aplicação de glifosato durante a campanha e uma rega para maximizar o efeito do herbicida, mas nos últimos anos não o tenho feito porque consegui erradicar a maioria dessas infestantes. E o melhor herbicida é, sem dúvida, uma seara de milho de 15 toneladas. Com 4,5 metros de altura abafa-se tudo.

AG: E no final do Inverno o que faz?

JC: Antes da sementeira do milho a cultura de cobertura é dessecada com glifosato, isto em Janeiro ou início de Fevereiro, antes de as temperaturas começarem a subir, para evitar que a matéria seca aumente muito, porque depois teria que gastar muito dinheiro a enterrá-la, o que faço com uma grade de discos. Antes da sementeira faço uma mobilização do solo com uma alfaia combinada, que é um subsolador com uma grade rotativa activa de martelos com um rolo compactador, é uma alfaia que me garante apenas uma passagem em qualquer solo e me garante o ritmo que preciso. Trouxe-a da Alemanha onde é muito utilizada.

Para optimizar o trabalho desta alfaia, normalmente rego na véspera da mobilização para que a passagem seja feita no estado de sazão, economizando na tracção, fazendo tudo numa só passagem e reduzindo o impacto sobre o solo.

AG: Mas houve uma fertilização antes de mobilizar o solo...

JC: Antes da adubação houve uma análise da terra, que é feita anualmente em todas as parcelas, para se fazer um histórico da parcela e decidir as adubações. Os adubos de fundo são aplicados antes da mobilização, com distribuidores a lanço com balança medidora automática que, em contínuo, mede a densidade do adubo e pesa, de modo a garantir a homogeneidade da distribuição.

AG: Em que consiste essa fertilização de fundo?

JC: Esta aplicação é só de potássio e algum azoto, porque nesta fase está frio e a disponibilidade do azoto do solo é baixa. Na linha faço fósforo e azoto.

AG: Mas na sementeira aplica também um “starter”.

JC: Exactamente, nas tremonhas onde antes se colocava o insecticida do solo, que agora não é necessário porque as sementes já vêm revestidas com insecticidas, coloco um microstarter (10 a 15 kg/ha) que fica logo acima da semente. Garante o bom arranque da cultura, e, como tem micronutrientes, assegura a ausência de stress antes da instalação das raízes no solo e destas chegarem ao adubo da linha.

AG: Algo que se destaca é que inicia sempre as suas sementeiras muito cedo. Por vezes, nos primeiros dias de Março. Que outras vantagens tem esta sementeira precoce além do aproveitamento máximo dos graus de temperatura?

JC: Há várias razões. Tem um custo de cultura muito inferior. Gasta menos água, gasta menos secador (por aproveitar a secagem natural). Semeando mais cedo a cultura instala-se mais cedo antes de algumas infestantes.

Tem também a vantagem de fazer as operações no ciclo seco, ou seja, antes de começarem as chuvas, prevenindo compactações do solo. Também há uma doença que se está a tornar cada vez mais importante, a cefalosporinase que se instala no Verão, e eu sou muito menos atacado por semear mais cedo. Uma das vantagens é poder entrar mais cedo no mercado, o que é importante, por o fazer antes de todos os milhos que vêm do norte da Europa, este ano, por exemplo, começámos a ceifar no dia 20 de Agosto.

AG: E essa entrada precoce no mercado tem reais vantagens económicas? Sendo o milho uma commodity, ele está sempre disponível nos mercados internacionais.

JC: Sim. Não é sempre, porque há anos que o preço do milho está a descer. Mas o mais importante é que normalmente os milhos que estão no mercado são milhos velhos, e os nossos industriais gostam de milho fresco, que não foi armazenado um ano, de boa qualidade, sem fungos, e o nosso é um produto fresco que chega ao mercado com óptima qualidade. Mesmo sendo uma commodity tem uma apetência superior.

AG: Os tractores operam com rodados duplos?

JC: Tiveram rodados duplos. Abdiquei por causa do trânsito na estrada. Muito melhor do que os rodados simples, mas passei para pneus de baixa pressão, que é uma nova tecnologia, com menos de 1 kg de pressão, que aumenta a superfície de contacto com o solo, diminuindo a compactação. Há pneus com 1,2 m que têm praticamente o mesmo efeito do rodado duplo. O defeito é que são muito caros. O rodado simples é que é de evitar.

AG: Segundo cremos semeia ciclos FAO 600.

JC: Sim. Já tentei ciclos FAO 700 e não tive ganhos com isso. Estou à procura dos ciclos FAO 800 para aproveitar os graus de calor que estou a desperdiçar, quase 15 dias. O que acontece é que estes ciclos 800 não se comportam bem na Europa, talvez por falta de investigação, uma vez que só podem ser cultivados nas regiões mais quentes.

O meu problema com os ciclos longos é que aqui os pivôs não estão preparados para plantas com mais de 4,5 metros. Algo que dou muita importância é a resistência à acama. Pode ser causa de grandes perdas.

AG: E escolhe por catálogo, por ensaios...

JC: Oriento-me muito pouco pelos catálogos. Baseio-me no histórico de confiança que tenho com a empresa e nos meus próprios ensaios, feitos aqui nas minhas propriedades e solos. Tenho trabalhado com todas as casas comerciais, faço ensaios para todas elas. Até porque acredito que hoje em dia a tecnologia está de tal modo desenvolvida de modo que a genética é muito próxima.

Há é um grande problema com os catálogos das casas comerciais, pois um catálogo terá cerca de 200 variedades, mas Portugal, como país pequeno e comercialmente pouco interessante não tem capacidade para justificar/ reivindicar a selecção das melhores variedades. Como não têm possibilidade de ensaiar cá todas as variedades podem ou não acertar nas escolhas. Tenho que fazer estes ensaios para ajustar a variedade ao local, pois a mesma variedade que é boa aqui pode não ser noutra região do país.

AG: Falou-nos apenas de uma pequena aplicação de azoto aquando da sementeira. Depois faz adubações de cobertura quando?

JC: Sim. Na sacha fazemos uma adubação de cobertura, e que é a última passagem que faço em cima da terra, e depois 3 ou 4 fertirrigações. Fazemos o balanço azotado, considerando o azoto da água determinado em análises. Como nesta região há nitratos na água dos furos temo-los em consideração na fertirrigação para não haver perda. E há furos que têm valores elevados de azoto.

Leia o restante da entrevista no documento disponibilizado pela Agrotec.