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Agrotec

Gabriela Cruz: «Se tratarmos bem o solo, tudo nos será dado por acréscimo»

Na semana em que comemorou o Dia Internacional do Solo, a presidente da APOSOLO – Associação Portuguesa de Mobilização de Conservação do Solo, Gabriela Cruz, em entrevista à Syngenta Portugal, revela um projeto inovador de Agricultura de Conservação aplicado à cultura do tomate indústria. 

Gabriela Cruz APSOLO

No âmbito do protocolo entre o grupo Sogepoc e a Syngenta, surge uma parceria entre a Syngenta, o Ag-Innov (Centro de Excelência Agrícola do Grupo Ortigão Costa) e a APOSOLO, que vai avaliar os benefícios ambientais e económicos de uma rotação de culturas com tomate de indústria, gramíneas, leguminosas e girassol, num sistema de gestão do solo com mobilização mínima e cobertura permanente.

SYNGENTA: Como tem sido a adesão à agricultura de conservação em Portugal nos últimos anos?

GABRIELA CRUZ: A área de agricultura de conservação em Portugal tem vindo a aumentar progressivamente. Nota-se uma maior sensibilização dos agricultores para a importância de preservar o solo. Considerando as candidaturas às medidas agroambientais (sementeira direta ou mobilização na linha  e enrelvamento da entrelinha de culturas permanentes), são cerca de 16.000 hectares em culturas anuais e 31 000 hectares em culturas permanentes. 

SYNGENTA: Que expectativa tem sobre novas medidas de apoio à preservação do solo no âmbito da PAC pós-2020  e à luz do Pacto Ecológico Europeu?

GABRIELA CRUZ: A expectativa é que as exigências com a implementação de práticas de proteção e conservação do solo aumentem na nova PAC, seja por via dos Eco-regimes, da condicionalidade reforçada ou dos serviços prestados aos ecossistemas, e prevê-se que algumas delas sejam obrigatórias. 

No que respeita à Estratégia do Prado ao Prato há contradição: a Comissão Europeia quer aumentar a área de agricultura biológica – 25 % dos terrenos agrícolas da UE em modo de produção biológico (MPB) até 2030 –, mas não entendo como é que os agricultores vão conseguir proteger o solo, se têm de o mobilizar para controlar as infestantes, visto que em MPB não podem aplicar herbicidas?! Vejo aqui uma certa incompatibilidade. 

SYNGENTA: Que políticas e apoios públicos são essenciais para aumentar a área de Agricultura de Conservação em Portugal?

GABRIELA CRUZ: Se o agricultor receber apoios adere mais rapidamente, porque as práticas de conservação do solo implicam fazer a conversão da exploração, o que acarreta custos e perdas. Nos primeiros anos, o agricultor não domina ainda bem as técnicas (de sementeira direta ou mobilização na linha) e por isso tem quebras de produção. É algo que assusta a maioria dos agricultores. Mas se tiverem um apoio que os ajude a compensar essa diminuição de produção e o acréscimo dos custos, sentir-se-ão mais motivados para aderir a estas práticas de conservação do solo.

SYNGENTA: A Syngenta colabora com a APOSOLO na promoção de boas práticas para a saúde e conservação do solo. Que significado tem esta parceria?

GABRIELA CRUZ: É muitíssimo importante, por um lado, porque é necessário sensibilizar a indústria para a necessidade de desenvolver soluções para os produtores que praticam agricultura de conservação. Soluções mais protetoras do ambiente, mas que sejam ferramentas eficazes no controlo de pragas, doenças e infestantes, garantindo as produções e o rendimento dos agricultores. Por outro lado, muita da investigação na área agrícola hoje em dia é realizada por grandes empresas como a Syngenta. Por tudo isto, a parceria que estabelecemos com a Syngenta é vantajosa para ambas as partes.

SYNGENTA: A APOSOLO participa num projeto conjunto do Ag-Innov e da Syngenta que visa testar as práticas de Agricultura de Conservação na cultura do tomate indústria. Em que consiste?

GABRIELA CRUZ: O objetivo da iniciativa é provar que os princípios da Agricultura de Conservação podem ser aplicados numa rotação de culturas onde se inclua o tomate de indústria e demonstrar os benefícios decorrentes da implementação de um sistema de gestão do solo baseado nos princípios da Agricultura de Conservação. Em última análise, pretende-se criar argumentos fundamentados que levem os agricultores a aderir a este sistema.

A APOSOLO foi convidada pela Syngenta e pelo Ag-Innov para aconselhar as melhores técnicas de agricultura de conservação e encontrar uma metodologia fiável de avaliação dos impactos no solo. Contactámos a Universidade de Évora para nos ajudar nesta tarefa.  

Os ensaios vão decorrer à escala operacional real em terrenos do Grupo Ortigão Costa, comparando o sistema de produção convencional de tomate indústria, com um sistema de produção com rotação de culturas e cobertura permanente do solo. Estão previstas 3 modalidades no ensaio, com duração de 3 anos: tomate-tomate-tomate; tomate-cultura de cobertura (mistura de gramíneas e leguminosas) –tomate; tomate-cultura de cobertura –girassol- cultura de cobertura- tomate. 

Serão avaliados os benefícios ambientais e económicos para os agricultores, além do impacto na saúde do solo e o contributo para a mitigação das alterações climáticas.

SYNGENTA: Qual é o interesse de usar girassol na rotação das culturas?

GABRIELA CRUZ: O girassol tem uma raiz aprumada, que explora o solo na vertical, é importante porque pode trazer benefícios em termos de descompactação do solo e porque pode ser colhido cedo, entrando bem na rotação.  

SYNGENTA: E a componente de distúrbio mínimo do solo como vai ser aplicada na cultura do tomate?

GABRIELA CRUZ: Está previsto que os camalhões sejam armados no Outono, onde será semeada uma cultura de cobertura, que é mantida durante todo o Inverno e Primavera, até à plantação do tomate. O excesso de vegetação será controlado com herbicida, seguindo-se uma mobilização na linha de plantação nos camalhões  (numa faixa menor do que 20 cm), com uma alfaia de bico estreito ou discos. Após a colheita do tomate, os resíduos da biomassa da cultura permanecem à superfície do solo. Desta forma, o solo ficará coberto durante todo o ano, reduzindo a erosão e facilitando a infiltração da água. Por outro lado, a cultura de cobertura, restitui os nutrientes ao solo e resgata os nitratos resultantes da adubação. 

SYNGENTA: Que mensagem gostaria de deixar aos agricultores portugueses sobre o solo?

GABRIELA CRUZ: Adaptando de uma frase bíblica: se tratarmos bem o solo, tudo nos será dado por acréscimo. Os agricultores têm que introduzir ou aumentar a área de conservação de solo nas suas explorações, mas devem fazê-lo ao seu ritmo. Aconselha-se a começar numa parcela e depois ir alargando a mais área dentro da exploração. Um dos primeiros passos é deixar o solo coberto com a biomassa das culturas anteriores (restolhos, palhas, entre outros) e fazer rotação de culturas, a que for possível no contexto de cada exploração. A meta será aplicar os 3 pilares da agricultura de conservação: distúrbio mínimo do solo, rotação de culturas e cobertura permanente do solo.

Há culturas anuais, como o tomate indústria e outras hortoindustriais, em que o agricultor tem de ir mais paulatinamente, começa por fazer uma mobilização de conservação (não lavrar, mas mobilizar verticalmente o solo) e depois introduz as culturas de cobertura. É claro que neste caso a conversão é mais lenta do que no caso dos cereais ou leguminosas.

SYNGENTA:  A APOSOLO vai realizar ações de formação com agricultores em 2021?

GABRIELA CRUZ:  É essa a nossa vontade, mas as futuras ações de campo estão dependentes do evoluir da pandemia. Atualmente, participamos, juntamente com o INIAV, num projeto de investigação, o CAMA – Abordagens participativas baseadas na investigação para a adoção da Agricultura de Conservação na Região Mediterrânica financiado pela União Europeia no âmbito do PRIMA – Partnership for Research and Innovation in the Mediterranean Area, que visa ajudar os agricultores a aplicar a agricultura de conservação em culturas anuais.

No âmbito deste projeto está prevista a realização de dois cursos de formação – uma pós-graduação em 2021 e formação mais curta em 2022 – com aulas em campo, além de visitas a explorações agrícolas modelo e da criação de quintas-piloto nos vários países do consórcio (Sul da Europa e Norte de África).

Originalmente publicado no Blog Syngenta Portugal