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Agrotec

Controlo Fitossanitário de "Dieback" em Abacateiros

Por Maria Dias e Nuno Neto, Engenheiros Agrónomos

RESUMO

O abacateiro é uma cultura em expansão na Península Ibérica e com relativamente poucos problemas fitossanitários. Doenças emergentes associadas a fungos da família Botriosphaeriaceae (definhamento ou “dieback”, cancros e “stem end rot”) têm provocado estragos na maioria das regiões de produção de abacate. Em Portugal foram observados sintomas associados a esta doença em abacateiro. Foi realizada colheita de material vegetal doente para análise microbiológica e a maioria dos isolados foram identificados como pertencentes à espécie Neofusicoccum parvum.

Para controlar a disseminação deste tipo de doenças deve privilegiar-se uma proteção preventiva, prezar pela utilização de material vegetal são, evitar situações de stress e minimizar a sua propagação.

Palavras-chave: Dieback, Botryosphaeriaceae, Neofusicoccum parvum, Doenças do lenho, Persea americana.

abacates

INTRODUÇÃO

O abacateiro (Persea americana Mill.) é originário do México e da América Central (Ayala et al., 2019) e é considerado uma cultura emergente em muitos locais do mundo, com particular destaque para a Península Ibérica (Guirado et al., 2012).

Na U.E., em 2019, as importações de abacate superaram as 750.000 toneladas (Imbert, 2020). Estamos, assim, perante um mercado em rápido crescimento, onde a procura por este fruto subtropical aumenta cerca de 18 % por ano (Imbert, 2020).

A produção de abacates na Península Ibérica apresenta várias vantagens: em primeiro lugar, a proximidade do mercado europeu, que permite uma grande redução da pegada ecológica; em segundo lugar, por ser uma cultura recente na região, tem pouca pressão de problemas fitossanitários associados e por isso não é muito exigente no planeamento de estratégias de proteção integrada (Hormaza, 2019); por fim, por se tratar de uma cultura de elevado valor, permite a utilização de tecnologia que, por sua vez, leva a uma grande otimização dos recursos, sem necessitar de um contexto de escala associado ao latifúndio para que seja rentável, como se verifica noutras culturas.

Em Portugal, as principais áreas de produção distribuem-se pelo Algarve e Madeira. No entanto, existem empresas multinacionais a apostar noutras regiões, nomeadamente em Alcácer do Sal e Palmela.

As cultivares de abacate mais produzidas em Portugal são a ‘Hass’ e ’Bacon’, sendo que ‘Hass’ é a cultivar mais valorizada e ‘Bacon’ o polinizador mais utilizado. O ácaro cristalino (Oligonychus perseae Tuttle, Baker & Abbatiello) é a principal praga que necessita de ser controlada (Vela et al., 2007). As doenças mais importantes são: a podridão radicular causada pelo pseudofungo Phytophthora cinamomi Rands, uma doença radicular associada ao encharcamento e a condições de asfixia radicular (Marais, 2007), a podridão radicular associada a Rosellinia necatrix Berl. ex Prill. (Arjona-Girona et al., 2016) e, mais recentemente, as doenças de lenho associadas a um complexo de fungos da família Botryosphaeriaceae (Zea-Bonilla et al., 2007).

Os fungos pertencentes à família Botryosphaeriaceae podem provocar nos abacateiros os seguintes sintomas: definhamento dos ramos (“dieback”); cancro dos ramos (“branch cancer”); e podridão do pedúnculo (“stem end rot”), em pós-colheita (Valencia et al., 2019).

Fitolivos é uma empresa focada na agricultura sustentável e de resíduo zero, com soluções a nível de nutrição especial e bioproteção. Neste sentido, tem a Arvensis como principal parceira, que está presente em mais de 50 países, nomeadamente no Perú, onde têm ocorrido grandes problemas de “dieback” em abacate.

Neste artigo, pretende-se explicar a biologia dos fungos da família Botryosphaeriaceae associados ao definhamento em abacateiro, nomeadamente Neofusicoccum parvum Pennycook & Samuels, e apresentar recomendações para o seu controlo, tendo em conta a experiência dos técnicos da Arvensis no Perú.

BOTRYOSPHAERIACEAE - BIOLOGIA E CICLO DE VIDA

A família Botryosphaeriaceae contempla cerca de 23 géneros e 187 espécies (Dissanayake et al., 2016). As espécies que mais frequentemente causam danos em abacateiro pertencem aos géneros Lasiodiploidia, Neofusicoccum e Dothiorella (Valencia, 2019; Zea-Bonilla, 2007; Eskalen & McDonald, 2009).

Os fungos desta família podem ter um comportamento patogénico, endofítico ou saprófita (Slippers & Wingfield, 2007). Uma vez ocorrida a infeção, estes fungos têm um comportamento endofítico (Slippers et al., 2007), isto é, são capazes de colonizar os tecidos do hospedeiro, sem causar sintomas de doença (Jia, 2016). Quando as plantas são sujeitas a episódios de stress, quer seja biótico ou abiótico, ficando mais debilitadas, verifica-se que estes fungos se tornam patogénicos e causam necroses nos ramos de forma progressiva a partir das extremidades para a base, sintomatologia designada por definhamento ou de dieback” (Slippers et al., 2007). No caso do stem end rot” dos frutos, a infeção ocorre através da flor: a fase endofítica ocorre no pedúnculo dos frutos e aquando do amadurecimento ocorre a passagem à fase patogénica (Galsurker, 2018).

Segundo Pérez et al. (2017), o ciclo de vida deste tipo de fungos (Figura 1) inicia-se quando os conídios ou os ascósporos infectam a planta, através de aberturas naturais ou provocadas artificialmente. Aberturas naturais podem ser as lenticelas (pequenas estruturas se encontram nos caules, raízes e ramos e que permitem realizar intercâmbios gasosos) (Everett et al., 2008) ou mesmo as flores nos casos de stem end rot” (Everett et al., 1999).  As aberturas provocadas artificialmente podem ser feridas causadas pela poda, enxertia, colheita, plantações ou por outras operações culturais.

Assim, após a infeção, perante a ocorrência de um stress comum numa grande área de plantação como, por exemplo, a ocorrência de temperaturas extremas, geadas ou encharcamento do solo, os sintomas desta doença podem desenvolver-se rapidamente e causar grandes estragos em áreas bastante consideráveis (Coakley et al., 1999). A gravidade da doença pode ainda ser maior se, para além de um stress causado por fatores abióticos, o hospedeiro estiver sob pressão biótica de potenciais agentes causais de problemas fitossanitários, como a presença de pragas ou doenças, nomeadamente a ocorrência de podridão radicular provocada por Phytophthora cinamomi (Desprez-Loustau et al., 2006).

O fungo produz enzimas que degradam os tecidos do hospedeiro, o que representa uma fonte de nutrientes e energia. Após a colonização dos tecidos inicia-se a produção de conídios, em picnídios, estruturas de reprodução assexuada que emergem através do córtex dos ramos infetados (Valencia, 2019). Os conídios são os responsáveis pelas infeções secundárias da doença. Os conídios São as estruturas infecciosas que se disseminam muito facilmente através de salpicos de chuva e vento, através de insetos e de ferramentas de poda contaminadas. A esporulação é favorecida por condições de humidade elevada (Pérez et al., 2017).

Nos tecidos mortos, para além da produção de conídios, diferenciam-se pseudotecas, estruturas de reprodução sexual que produzem os ascósporos em ascos (Pérez et al., 2017).

O fungo sobrevive saprofiticamente nos cancros, nos ramos infetados e em detritos de material vegetal no solo, onde permanece durante o inverno em estado de dormência.

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Figura 1 - Ciclo de vida dos fungos da família Botryosphaeriaceae, adaptado à cultura do abacateiro (adaptado de Pérez et al., 2017).

SINTOMATOLOGIA

Os sintomas causados por este complexo de fungos, diferem de acordo com a idade das plantações. Em plantações adultas, verifica-se uma sintomatologia denominada de dieback” (Fotografia 1A e 1B), com o definhamento de ramos, na primavera e no verão. Surgem necroses na zona externa do córtex e os patogénios invadem os tecidos vasculares. Assim que o xilema e o floema são afetados, os ramos começam a secar e acabam por morrer (Girona, 2015). Internamente, nos ramos, observa-se uma coloração avermelhada que evolui para castanho-escuro nas zonas afetadas conduzindo a uma necrose completa dos ramos surgindo, frequentemente associado, um exsudado branco açucarado (MacDonal & Eskalen, 2011).

Quando ocorrem infeções tardias é comum verificar-se a presença de frutos mumificados (Fotografia 1C), que não completam o seu desenvolvimento devido à oclusão do sistema vascular nos ramos afetados (Girona et al., 2015). Em plantações jovens, os estragos são mais graves, uma vez que o definhamento ocorre em todos os ramos e tronco, causando a morte da planta em poucos meses após a plantação (Fotografia 1D).

Durante a maturação do fruto, estes fungos também afetam os frutos causando podridão do pedúnculo ou stem end rot”. O fungo penetra no fruto através do ponto de inserção do pedúnculo, invadindo a polpa. Inicialmente provocam manchas escuras e a degradação do mesocarpo progredindo gradualmente até atingirem a totalidade do fruto. (Everett & Pak, 2002).

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Fotografias 1A, 1B, 1C e 1D – Sintomas associados a fungos pertencente a Botryosphaeriaceae: A e B - Definhamento ou “dieback” observados em ramos de abacateiros adultos, no Algarve. C - Fruto mumificado. D – Morte de plantas jovens.

ANÁLISE DE MATERIAL VEGETAL

No Algarve, à semelhança do que tem ocorrido no sul de Espanha, tem-se verificado uma tendência crescente no aparecimento de sintomas de dieback” em pomares adultos, tal como ilustrado nas Fotografias 1A - 1D.

Foi colhido material vegetal infetado, proveniente de um pomar localizado em Tavira, para posterior identificação pelo Laboratório de Patologia Vegetal "Veríssimo de Almeida", do Instituto Superior de Agronomia. A maioria dos isolados obtidos a partir do material vegetal submetido para análise apresentavam caracteres morfológicos consentâneos com Neofusicoccum parvum. Segundo Guarnaccia et al. (2016), a identificação da espécie deste grupo de fungos deve fazer-se por caracterização morfológica e molecular pelo que a identificação da espécie ou espécies envolvidas deverá ser alvo de posterior estudo.

RECOMENDAÇÕES PARA GESTÃO INTEGRADA DA DOENÇA

Para controlar este tipo de fungos e evitar a sua propagação, é muito importante atuar preventivamente, ao aparecimento dos primeiros sintomas da doença. Neste sentido, recomenda-se as seguintes práticas culturais:

  • Implementar boas práticas em viveiro, tais como, não utilizar material vegetal de parcelas afetadas, desinfetar material de enxertia, aplicar fungicidas ou inocular organismos antagonistas no material vegetal a ser enxertado;
  • aquando da poda, eliminar todos os ramos doentes/mortos e remover do pomar toda a madeira e frutos afetados, de forma a reduzir a quantidade de inóculo potencial no pomar. O corte de poda deve ser perpendicular, de forma a minimizar a superfície da ferida. Por sua vez, a ferida deve ser selada ou protegida com um cicatrizante, de modo a diminuir as portas de entrada para o fungo;
  • podar e realizar as colheitas de fruta com tempo seco, de forma a evitar realizar operações quando as condições são favoráveis à disseminação do fungo;
  • desinfetar os utensílios de poda, para evitar a propagação entre plantas;
  • corrigir eventuais situações de stress abiótico (nutrição, drenagem, dotação de rega, salinidade) e minimizar a ocorrência de pragas e outras doenças. Ainda que, dependendo da agressividade do patogénio, as plantas em condições de equilíbrio favoráveis podem minimizar/impedir o desenvolvimento da doença, mesmo que estejam infetadas. 

GESTÃO DE DIEBACK - EXPERIÊNCIA DA ARVENSIS NO PERÚ

No Perú, as plantações de abacate têm sido fortemente atacadas por Lasiodiplodia theobromae (Patouillard) Griffon & Maublanc.

Tem-se optado por uma atuação preventiva com um produto indutor de defesas e outro à base de óleos essenciais; estes têm metabólitos secundários que estimulam os mecanismos de defesa relativamente a stresses bióticos e abióticos das plantas. Realizam-se aplicações foliares de ELISYUM (3 mL/L de água) com LIGNOMIX (2 mL/L de água), que alternam com aplicações radiculares de ELISYUM (5 L/ha) com LIGNOMIX (3 L/ha). Os tratamentos são efectuados após as podas, antes de períodos de chuva e sempre que haja condições favoráveis ao patogénio.

O ELISYUM é um fungicida de origem natural preventivo, curativo e com ação anti-esporulante. É um micro-encapsulado constituído por uma mistura de óleos essenciais de diferentes plantas, maioritariamente Eucalyptus globulus, Laurus nobilis e Malaleuca alternifolia. A sua aplicação para além de ter um efeito direto no fungo, também favorece a recuperação e desenvolvimento da planta.

O LIGNOMIX é um produto orgânico à base de lignosulfonato de alumínio com cobre, manganês e zinco. É um produto sistémico que tem efeito em patogénios presentes no sistema vascular das plantas e promove a síntese de lenhina e regeneração do lenho. Favorece a formação de compostos fenólicos e fitoalexinas que permitem à planta defender-se dos agentes patogénicos. Tem um efeito cicatrizante em feridas de poda ou de colheita.

AGRADECIMENTOS

À Investigadora Cecília Rego pela revisão do artigo e à Engenheira Marta Esteves pela ilustração representativa do ciclo de vida dos fungos da família Botryosphaeriaceae.

BIBLIOGRAFIA

Pode consultar a bibliografia aqui.

Nota de Redação:

Artigo publicado na edição n.º 38 da Revista AGROTEC, no âmbito do Dossier "Tecnologia aplicadas à saúde das plantas".

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