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Agrotec

Carnes Vermelhas e Processadas: do alarmismo ao consumo moderado

A maioria dos agentes do setor considera que o seu consumo é benéfico e que o relatório pode acabar por gerar prejuízo económico significativo.

O relatório da Organização Mundial de Saúde sobre a relação entre o consumo de carne processada e "provavelmente" da carne vermelha com o cancro gerou um desencadeamento de reações e opiniões que abarcam todo o espectro possível. Desde logo o setor cárnico, que se mostra muito crítico com o alarmismo gerado e porque se juntam todo o tipo de carnes e produtos com esta doença - "o fiambre, presunto ou hamburguer não são a mesma coisa" ou "uma carne de qualidade e outra sem qualidade" - até às recomendações médicas e dos nutricionistas, que defendem um consumo responsável e moderado, ainda que ratificando os benefícios da carne da alimentação. No meio, o prejuízo económico que pode gerar num setor cárnico que já atravessa numerosos problemas de rentabilidade. 

Industriais rejeitam risco de cancro associado ao consumo de carne

Os produtores pecuários, e os seus representantes, são quem está mais descontente com o relatório da OMS. A Associação Portuguesa dos Industriais de Carnes lamentou o "alarme perante uma questão importante como a alimentação" e, num comentário enviado à agência Lusa, a associação dos industriais de carnes "considera inapropriado atribuir a um único fator um risco aumentado de cancro", uma vez que se trata de um "assunto muito complexo que pode ser dependente de uma combinação de muitos fatores, tais como: idade, genética, dieta, ambiente e estilo de vida".

"Não é apenas um grupo específico de alimentos por si só que define os riscos associados à saúde, mas a dieta como um todo, em conjunto com qualquer um dos outros fatores", refere a nota da Associação Portuguesa, que cita a posição assumida pela Associação Europeia dos Industriais da Carne.

Segundo esta posição, a classificação da IARC seguiu um programa de identificação de perigos que "não incluiu a avaliação de risco": "isso significa que este estudo não teve em consideração a real exposição à substância ligada ao seu potencial de causar cancro".
A associação frisa ainda que o risco relativo de cancro resultante do consumo de produtos à base de carne é mais baixo do que o risco produzido por outros fatores, tais como índice de massa corporal, falta de atividade física e tabagismo.

Além disso, a posição assumida pela Associação Europeia dos Industriais de Carne refere que os fatores ambientais (ar exterior, poluentes, contaminantes do solo e água) apresentam valores de risco "muito mais elevados".

Nutricionistas satisfeitos com classificação, alertam para a necessidade de um consumo moderado

A bastonária da Ordem dos Nutricionistas congratulou-se com esta classificação, considerando ser uma oportunidade para aumentar o consumo de hortofrutícolas.
Alexandra Bento, bastonária da Ordem dos Nutricionistas não ficou, contudo, surpreendida.
"Para os profissionais de saúde, o facto não é novidade. Há estudos que associam estes alimentos ao cancro, assim como identificam os hortofrutícolas como potenciais diminuidores do risco de doença oncológica", disse à agência Lusa.

Alexandra Bento reconhece que "não é fácil mudar hábitos alimentares de um dia para o outro", mas afirmou ser esta uma oportunidade para recuperar o consumo da dieta mediterrânica, que foi abandonada nos últimos tempos.
"Se sabemos que há uma relação entre os hábitos alimentares e a saúde e que os erros alimentares podem levar a doenças, nomeadamente ao cancro, então devemos pensar nos alimentos que devem ser a base da nossa alimentação", afirmou, numa referência aos hortofrutícolas. Em relação às carnes vermelhas, a nutricionista diz que esta apenas deve ser consumida esporadicamente.

"Em alimentação, não devemos diabolizar alimentos, mas devemos consumi-los com peso e medida", adiantou. Alexandra Bento reconhece que "as fileiras vão posicionar-se", numa referência aos produtores destes produtos.
O grupo de trabalho da OMS responsável pelo estudo considerou que existem "provas suficientes" de que a ingestão de carne processada está ligada ao cancro colo-retal.
A IARC especificou que o termo "carne vermelha" está associado a "todos os tipos de carne muscular de mamíferos, como carne de vaca, vitela, porco, carneiro, cavalo ou cabra".

Por sua vez, a carne processada está relacionada com produtos "que foram transformados através de um processo de salga, fumeiro, fermentação ou outros processos para melhorar o sabor ou conservação". Nesta categoria estão incluídos, entre outros, produtos como salsichas, presunto, carne enlatada, bacon e preparados ou molhos à base de carne.

DGS desdramatiza

A Direção-Geral da Saúde (DGS) considera que o consumo de carne processada não é problemático, desde que seja moderado e em refeições com alimentos protetores, como as frutas e hortícolas

Pedro Graça, diretor do Programa Nacional para a Promoção da Alimentação Saudável da DGS, reagiu desta forma ao anúncio de que a carne processada - como bacon, salsichas ou presunto - é cancerígena para os seres humanos.

Para Pedro Graça, o anúncio reitera o que há alguns anos os especialistas têm alertado: a relação entre o consumo de carne processada e o risco para o aparecimento de cancros, nomeadamente o cancro colon-retal, mas também o da próstata e do pâncreas.

"A novidade é o grau do reforço" do alerta, explicou o nutricionista, para quem as indicações da DGS nesta matéria vão manter-se e apontam no sentido do consumo moderado deste tipo de alimentos.

"Não é um bife de vaca que, apesar de dever ser consumido de forma moderada, vai provocar o cancro. Agora, o seu consumo deve manter-se ou ser reduzido para até 500 gramas por semana, o que equivale a quatro ou cinco refeições de carne por semana", explicou.

Segundo Pedro Graça, "a alimentação inadequada é dos fatores que mais rouba anos de vida às pessoas, nomeadamente aos portugueses". "Continuamos a comer mais ou menos a mesma coisa, apesar dos alertas", lamentou.

Outra solução defendida pela DGS passa pelo acompanhamento das refeições com alimentos protetores, como os hortícolas e a fruta, que deve estar presente diariamente nos menus dos portugueses.