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Agrotec

Alterações climáticas e degradação do solo no interior de Portugal - Cocktail explosivo para culturas perenes

As mudanças no sistema climático à escala global provocadas pelo aumento da concentração de gases com efeito de estufa na atmosfera irão sofrer um agravamento ao longo do século XXI.

Culturas perenes

Por: Carlos Correia1, M. Ângelo Rodrigues2

No interior de Portugal, são esperados aumentos da temperatura média, especialmente durante a noite, diminuição da precipitação anual, não obstante o provável aumento de eventos de precipitação intensa, e a maior ocorrência de fenómenos extremos (por exemplo, ondas de calor abrasador e de seca, tempestades de granizo), conduzindo a um cenário futuro de maior evaporação e diminuição da disponibilidade de água no solo.

Assim, as principais culturas perenes do interior do país (oliveira, videira, amendoeira e castanheiro) irão estar sujeitas a um agravamento das condições ambientais, traduzido na amplificação de eventos de stresses como défice hídrico, altas temperaturas e elevada irradiância solar, incluindo radiação ultravioleta.

A maior pressão será colocada sobre o castanheiro, dada a sua preferência por zonas mais frias/maior altitude. Por outro lado, apesar da boa capacidade adaptativa das outras espécies a condições adversas, é preciso ter em consideração que um gasto considerável de recursos energéticos é investido em mecanismos de defesa das plantas, o que compromete a sua produtividade potencial e, em casos limite, em situações de elevada intensidade e/ou grande duração do(s) stresse(s), a capacidade de defesa pode ser ultrapassada, conduzindo a prejuízos severos nas culturas.

Entre outros processos afetados, a redução da disponibilidade de água, indiscutivelmente o maior dos problemas em clima mediterrânico, provoca efeitos negativos na turgescência, expansão e divisão celulares, na suscetibilidade das moléculas biológicas a reações de degradação oxidativa, na absorção de nutrientes e na atividade fotossintética, acabando por conduzir a reduções da expansão vegetativa e da capacidade produtiva.

Em relação aos efeitos na qualidade, os estudos apontam para situações díspares, em função do grau de stresse e de outras condições ambientais e práticas culturais (por exemplo, fertilização) prevalecentes.

Assim, é comummente aceite que o défice hídrico moderado melhora o potencial de qualidade para a produção de vinho tinto, em parte porque devido à interrupção precoce do crescimento da parte aérea e à diminuição da razão polpa/película, há um aumento da concentração de compostos fenólicos, sendo igualmente estimulada a biossíntese de compostos aromáticos (frutados).

Em oposição, quando um certo limiar de défice hídrico é ultrapassado, os efeitos positivos podem desaparecer. Com efeito, é geralmente consensual que stresses severos e prolongados provocam diminuição da qualidade do mosto, para além dos efeitos negativos na produção do ano e dos anos subsequentes (Baeza et al., 2019).

Situação muito semelhante relativamente à concentração fenólica ocorre em azeitonas e no azeite obtidos a partir de plantas que cresceram sob limitação hídrica, onde são usualmente encontradas maiores concentrações, o mesmo acontecendo ao teor de gordura (Gonçalves et al., 2020).

Contudo, a partir de um certo limiar, o aumento da qualidade conferido pelos compostos fenólicos e o aumento do rendimento em gordura não é compensado pelas perdas em quantidade, pelo que as estratégias de rega deficitária serão sempre a melhor opção. Por outro lado, os efeitos sobre outros indicadores de qualidade do azeite são geralmente inconsistentes, atendendo a que não são reportadas influências significativas da disponibilidade de água na acidez, índice de peróxidos, absorvência no ultravioleta e composição em ácidos gordos (Brito et al., 2019).

As vantagens da rega deficitária regulada foram igualmente verificadas na qualidade da amêndoa, com maiores teores de glicose (potencial efeito na doçura) e de compostos voláteis, o que implica uma potencial melhoria da qualidade sensorial (Lipan et al., 2019).

Por outro lado, as temperaturas elevadas também afetam a produtividade, nomeadamente quando atingem as plantas nas suas fases mais críticas, em resultado do aumento da taxa de respiração e de danos oxidativos com efeitos colaterais na atividade enzimática, transporte de eletrões, degradação de pigmentos fotossintéticos e proteínas e, em consequência, senescência foliar precoce, bem como perturbações na floração e vingamento dos frutos.

Pela relevância e especificidade no contexto das alterações climáticas, interessa ainda destacar que o aumento mais pronunciado da temperatura durante a noite, especialmente associado ao acréscimo do número de noites tropicais (temperatura mínima superior a 20 ºC), para além de provocar o aumento da taxa de respiração, com influência negativa na produtividade, conduz a incrementos da taxa de transpiração noturna, fundamentalmente em resultado do aumento do défice de pressão de vapor, o que contribui para a redução da eficiência do uso da água.

Continua

Nota: Artigo publicado originalmente na Agrotec 36

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1 Centro de Investigação e de Tecnologias Agroambientais e Biológicas, Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (CITAB – UTAD)

2 Centro de Investigação de Montanha, Instituto Politécnico de Bragança (CIM – IPB)