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Agrotec

A inovação na cultura do morango

Em 2019, Gonçalo Assis Lopes venceu o prémio de Melhor Jovem Agricultor 2019, com a SEABERRY, Sociedade Agrícola Lda. A empresa surgiu fruto da parceria familiar com o seu pai, José Álvaro Assis Lopes, e consiste numa inovadora forma de produção de morangos em sistema semi-hidropónico. Em entrevista à Agrotec, o jovem agricultor explicou o percurso da recente empresa.

SEABERRY AGROTEC

Texto Sofia Cardoso 

AGROTEC: Como caracteriza a evolução da empresa desde a sua origem até então?

GONÇALO ASSIS LOPES: A SEABERRY tem início em 2015 como resultado da vontade entre pai e filho de construir um projecto agrícola de raiz. Depois de uma observação extensa relativamente à cultura a ser desenvolvida, chegou-se à conclusão de que a produçã o de morango, em sistema semi-hidropónico, apresentava uma enorme vantagem em relaçã o a todas as alternativas consideradas, entrando em linha de conta com os processos de produçã o, procura nacional e internacional, o alto nível de qualidade pretendido na produção, rentabilidade por área de exploraçã o, condições anuais de produçã o contínua, economia de recursos (energéticos, água, entre outros) e muito maior resistência fitossanitária das culturas.

Em 2016, foi apresentada a nossa candidatura de Investimento na Exploração Agrícola e Instalação de Jovem Agricultor (PDR2020), tendo esta sido aprovada em meados de 2017 e, a partir desse momento, foram desenvolvidos os licenciamentos e projetos de execução de todas as infraestruturas, assim como todos os processos de financiamento. Os trabalhos de construção iniciaram-se em 2018 e ficaram concluídos em 2019. A plantação da primeira campanha foi feita em 2018 e fechámos a nossa segunda campanha em finais de junho passado.

Como já seria de esperar, o facto de ser um projeto de raiz e que recorreu a fundos europeus, implicou um trabalho muito intenso e, por vezes, muito moroso de ser montado, mas nunca desistimos e a estrutura existente é a prova do quanto acreditamos no projeto da SEABERRY.

AG: Em 2019, vence o prémio de Melhor Jovem Agricultor 2019. Como tem sido o percurso a partir desse momento?

GAL: O prémio de Melhor Jovem Agricultor 2019 proporcionou, antes de mais, uma maior visibilidade à SEABERRY, para além de ser o reconhecimento do trabalho que tem sido desenvolvido. Traz também consigo a responsabilidade de manter o grau de exigência e de melhoria constante que foi reconhecida na atribuição do prémio.

AG: Sabemos que têm um grande aliado nas novas tecnologias. Quais são as mais essenciais de momento?

GAL: A SEABERRY utiliza sistemas tecnológicos de última geraçã o aplicados a diversas vertentes de produçã o da exploração, de forma a rentabilizar, de forma integrada, racional, responsável e eficiente, os seus recursos nas diferentes vertentes. A gestão climática é feita remotamente através de software inteligente dos fatores internos da estufa, como temperatura do ar, humidade, intensidade alumínica, ventilação e sombra, isto de forma a criar condições ideais constantes para o desenvolvimento do morango sem incorrer em desperdício de recursos.

A gestão da água, recurso fundamental e cada vez mais escasso nos dias de hoje, é feita através de uma soluçã o inteligente de automaçã o de fertirrega altamente rigorosa e sofisticada, coordenando e afinando simultaneamente todas as componentes da soluçã o nutriente.

Por exemplo, a frequencia e duraçã o dos tempos de irrigaçã o são ajustados em antecipaçã o aos períodos de maior ou menor exposiçã o solar ou, baseado no volume de água consumido pelas plantas e presente no substrato, a irrigação é costumizada de forma altamente precisa para a fase de crescimento das plantas.

Utilizamos, ainda, um sistema de gestão global e integrado de dados que incorpora a informaçã o sobre as condições climáticas da estufa, consumo e utilização de água, nutrientes e energia, assim como a produtividade da mão de obra, custos de operação, inventários e planeamento, entre outros dados. A aplicaçã o da tecnologia a estes sistemas de gestão permite-nos a estruturaçã o da informação, para que esta possa ser analisada em tempo real, com resultados práticos, de forma a ser possível afinar e melhorar todos os factores de produção da exploração.

A evolução do morango nacional

SEABERRY AGROTEC

AG: A cultura do morango tem vindo a estagnar por parte dos produtores portugueses, muito graças à forte concorrência espanhola. Qual acredita ser o caminho para combater esta situação? O setor tem sabido unir-se em torno deste problema?

GAL: Inevitavelmente, o setor necessita de se distinguir da concorrência através da qualidade da sua produção. Tentarmos competir pela quantidade e por preço não fará qualquer sentido dadas as dimensões do país. Penso que Portugal tem qualidades excepcionais para produzir morango de alta qualidade, que poderá sempre ser valorizado a nível nacional e internacional e ser uma óptima amostra do que de muito bom temos neste país.

Quanto ao setor, penso que há uma dificuldade endémica em construir estruturas eficazes que consigam corresponder às expectativas dos produtores. Diria mesmo uma desconfiança latente, por vezes justificada, e que se torna um enorme obstáculo para que existam organismos, salvo raras excepções, que ajudem o setor a defender e a cumprir a sua missão, mas a existência destes é condição essencial para o sucesso comum.

Em Portugal temos, ainda, o facto de muitas vezes a venda final a nível nacional atingir preços que não permitem ao produtor sequer cobrir os custos de produção, dada a invasão de morango proveniente de outros países. Compreendo que vivemos num mercado livre, mas temos que ter consciência de que estas opções provocam o enfraquecimento substancial do universo produtor nacional.

Para mim, o caminho para o sucesso do setor passará sempre pela competitividade do sector através da aposta na qualidade assim como no esforço concertado dos intervenientes para alcançar um objectivo comum.

AG: Considera que o morango tem potencial para novos projetos de instalação com cariz inovador?

GAL: Não só considero que tem potencial, como acredito que terá de passar obrigatoriamente por aí.

AG: Tendo em conta os constrangimentos vividos, como está a correr a última campanha no que respeita ao morango?

GAL: Este foi um ano com uma adversidade excepcional dada a pandemia que surgiu ainda no início de 2020. As geometrias económicas e de preços foram completamente inesperadas dado o grau de incerteza que este problema introduziu.

AG: Existiram alguns apoios específicos governamentais que foram aproveitados nesta fase de pandemia?

GAL: No nosso caso particular não.

AG: Existem problemas ao nível de pragas e doenças?

GAL: Embora existam, estas são em muito menor número, dadas as condições protegidas em se encontram as culturas. Apostamos muito na prevenção através das condições ambientais criadas no interior da estufa, assim como numa monitorização constante do estado das plantas. Este facto permite-nos reduzir drasticamente a quantidade de tratamentos e obter um produto muito mais são e de alta qualidade.

AG: Sobre a mão-de-obra, tem sido fácil encontrar pessoas dispostas a trabalhar no setor agrícola nesta fase?

GAL: Esta é normalmente uma das queixas mais frequentes na generalidade dos produtores e nós não somos excepção. O recurso a empresas de fornecimento de mão de obra externa (composta maioritariamente por trabalhadores provenientes da Índia ou Nepal), apresenta-se como única solução viável dada a escassa disponibilidade de mão de obra nacional.

AG: E ao nível da exportação?

GAL: Embora a exportação esteja nos horizontes da SEABERRY num futuro próximo (temos inclusive todas as infraestruturas montadas e preparadas para fazê-lo), essa fase ainda não arrancou.

AG: Pensam em investir em novas culturas no futuro? Se sim, quais?

GAL: Vamos arrancar, ainda este ano, com a plantação de um hectare de limão, uma cultura muito característica da nossa região de Mafra e para a qual temos as maiores expectativas.

AG: Por último, como perspetiva o futuro da SEABERRY?

GAL: Temos como objectivo a produção do melhor produto possível, o que implica um esforço permanente em melhorar e aperfeiçoar todos os processos através da experiência adquirida ao longo das campanhas passadas. Acreditamos, como já foi dito, que a mais valia do produto nacional é a qualidade do morango produzido e será sempre esse o nosso desígnio.

Artigo originalmente publicado na Agrotec 36