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Agrotec

XII Jornadas do Hospital Veterinário Muralha de Évora debatem a importância da criação de gado na sustentabilidade do ecossistema

Durante os dias 6 e 7 de março, Évora acolheu a 12ª edição do congresso anual dedicado à produção de ruminantes em extensivo e à criação de cavalos. O evento, uma referência nacional para o sector, reuniu 800 congressistas e teve como foco motivar os produtores a criarem de forma sustentável.

Dar a conhecer, do ponto de vista científico, o contributo do gado para o ecossistema natural foi outra das apostas da organização que este ano convidou uma dezena de universidades a apresentar os resultados dos projetos que estão a desenvolver.

A sessão de abertura pertenceu ao Diretor Regional de Agricultura e Pescas do Alentejo, José Calado, que alertou para um decréscimo de 30% da população no Alentejo nas últimas três décadas, referindo a importância do sector pecuário na inversão desta realidade.

Otimizar o sistema de produção de ruminantes por forma a reduzir os gases que provocam o efeito de estufa, até porque no futuro vai ser preciso produzir mais proteína animal para alimentar uma população mundial em expansão, foi um tema transversal a todas as palestras, workshops e mesa redonda. Este é um dos grandes desafios que se coloca ao sector sensibilizado e preparado para integrar medidas nas suas explorações agrícolas que contribuam para atenuar as alterações climáticas.

Eduardo Oliveira e Sousa, presidente da CAP, defendeu que a sustentabilidade tem que se aplicar a todas as atividades económicas ressalvando a importância de uma pastagem biodiversa que pode fixar no solo entre 8 a 12 toneladas de dióxido de carbono por ha/ano. O produtor já não é um homem que tem animais e que os vende mas sim um gestor eficiente dos recursos naturais que compõem o ecossistema.

João Joanaz de Melo, professor universitário e fundador do Grupo de Estudos de Ordenamento do Território e Ambiente (GEOTA), sublinha o desconhecimento que existe do mundo rural nas cidades e refere a necessidade de criar uma consciência coletiva de que ir ao supermercado é estar a consumir recursos naturais. Numa ótica de que produzir é poluir assume-se que produzir de forma eficiente é poluir menos. «A pecuária fixa pessoas em territórios que tendem à desertificação e este é um dos aspetos centrais desta atividade. O regime extensivo tem menos impacto ambiental do que a produção intensiva, sobretudo no que respeita aos resíduos, mas creio que a perda da biodiversidade é a pior ameaça ambiental dos dias de hoje», acrescenta Joanaz de Melo referindo que nos últimos três séculos 25% das espécies do planeta foram extintas.

Cláudia Cordovil, docente no Instituto Superior de Agronomia (ISA) sugeriu que deve existir educação ambiental e agrícola nas escolas, sobretudo nas grandes cidades, e acrescenta. «A nova geração de agricultores é muito informada, sabe o que está a fazer, e pratica a retro inovação, um regresso às práticas antigas, na tentativa de corrigir os erros do passado, nomeadamente a destruição dos solos», ressalvando que o agricultor sabe muito bem preservar os seus recursos naturais e que o caminho é produzir mais com menos.

Daniel Murta, da Entogreen, explicou um dos caminhos alternativos para responder à necessidade crescente de proteína no mundo mitigando a utilização de recursos naturais. «Produzimos proteína a partir do desperdício agroalimentar e com o recurso a insetos. Utilizamos larvas e insetos que convertem vegetais que não foram consumidos na sua forma original, em fertilizantes orgânicos, subprodutos que voltam à terra, e em nutrientes que fazem parte das rações dadas aos animais», explicou Daniel Murta, referindo a economia circular como conceito base desta atividade, e esclarecendo que um dos objetivos da empresa é nutrir os animais de forma mais eficiente, através de uma fonte proteica mais sustentável, contribuindo para a diminuição da importação da proteína e para a dinamização de uma nova atividade produtiva, complementar ao sector pecuário.

Sabe-se que o consumo de carne continua a ser superior ao consumo de peixe e de vegetais. Teresa de Herédia, nutricionista e fundadora da Nutrialma, referiu a importância da literacia nutricional para que o consumidor possa fazer escolhas alimentares informadas. «Os consumidores estão muito polarizados nas suas decisões alimentares. Devemos ingerir em média 500g de carne por semana, sendo que 200g devem ser de carne vermelha, que tem nutrientes importantíssimos para a nossa saúde», acrescentou a nutricionista e alertou que é essencial conhecer as leis da alimentação que passam pela quantidade suficiente, qualidade em nutrientes, harmonia na composição e adequação a quem se destina. Produzir e consumir a quantidade de nutrientes certos para uma dieta equilibrada que garanta o bem-estar da população, tendo em conta a preservação do meio-ambiente, é um dos grandes desafios da humanidade e o setor pecuário é um dos principais implicados no garante deste serviço público.

O ciclo de palestras terminou com uma prova de vinhos e uma mostra de produtos regionais onde foram entregues os prémios aos três melhores trabalhos de investigação no âmbito da III Edição do Concurso de Pósteres Científicos.

Ovinos e caprinos em destaque nas XII Jornadas do Hospital Veterinário Muralha de Évora

“Inovar na tradição” foi o mote do segundo dia das jornadas dedicado exclusivamente aos pequenos ruminantes. Vários oradores de renome nacional e internacional abordaram temas relacionados com a produção de carne, leite e lã, melhoramento genético e reprodução, programas sanitários, alimentação e biossegurança.

Juan Vicente Bermejo, professor na Universidade de Córdoba, falou da necessidade do sector pecuário crescer mediante um determinado protocolo e explicou a importância de escolher um bom reprodutor com vista à sustentabilidade da exploração numa época onde a seleção é molecular. «O melhoramento genético é gerado ou é comprado e por isso sugiro que os produtores recorram a especialistas que os aconselhem a selecionar um reprodutor adequado à especificidade da sua exploração dado que o cruzamento indiscriminado resulta sempre num grande erro», acrescentou o investigador defendendo que comprar genética é um investimento de longo prazo e um dos pilares da produção animal, a par de uma boa alimentação, de um plano de reprodução adequado e da utilização de tecnologia para uma gestão precisa dos fatores de produção.

Isto passa também pela consciência e controlo das doenças infeciosas com impacto na reprodução que não devem ser combatidas, numa primeira fase, com o uso de antibióticos. Deolinda Silva, da HIPRA, alertou para a necessidade de confirmar, através de análises ao sangue, a causa dos abortos e acrescentou que a clamídia é a principal causadora de abortos em ovinos. «Uma das soluções passa pela vacinação e por medidas de maneio adequadas, como a desinfeção das maternidades, rápida remoção e destruição da placenta e feto, identificação e isolamento de animais abortados. Quando há um aborto existe um custo de oportunidade que passa pela perda do borrego e por um atraso na próxima gestação da ovelha que terá um período de recuperação de cerca de dois meses», acrescenta a responsável pelo marketing da HIPRA, um dos principais patrocinadores do evento, a par da MSD.

A biossegurança foi outro tema amplamente debatido na perspetiva da exportação de pequenos ruminantes. “Com doenças não há eficiência produtiva”, afirmou o professor Telmo Nunes, trazido pela MSD, salientando o papel da biossegurança como um dos aspectos centrais a ter em conta na estratégia de produção de uma exploração agrícola dado que desta depende a capacidade de entrar em novos mercados.

«Nós temos que ter noção de que estamos a exportar animais para países onde existem surtos de febre aftosa e por isso o produtor tem que prevenir mais e tratar menos», afirma o docente da Faculdade de Medicina Veterinária da Universidade de Lisboa. O ciclo de palestras realizou-se em parceria com várias associações de ovinos e caprinos como a ANCORME, ACIF, APCRS, APCORMP e APORMOR que partilharam experiências de boas práticas de gestão dos efectivos dos seus associados com vista a uma produção mais eficiente.

O workshop “Animais de Companhia – estratégias de antibioterapia” foi outra novidade das jornadas. “Cada vez mais na clínica sentimos a problemática das infeções resistentes, daí que seja urgente sensibilizar e orientar os colegas por forma a fazermos uma antibioterapia mais direcionada e assertiva”, acrescentou Ana Gião Gomes, uma das responsáveis pela organização.

O congresso terminou com a intervenção de Nuno Prates, responsável pela comissão organizadora, que fez um balanço positivo destes dois dias de partilha de conhecimento e de experiências.

«Conseguimos criar um espaço de diálogo, abrir algumas janelas de discussão de temas actuais, como o da sustentabilidade da produção pecuária, por forma a contribuirmos para melhorar as práticas nas nossas explorações agropecuárias», concluiu o veterinário adiantando aos congressistas que as próximas jornadas irão acontecer nos dias 5 e 6 de março do próximo ano.