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«Para ser rentável, a atividade agrícola requer dimensão e tecnologia»

 Entrevista Marta Caeiro   Fotos Ricardo Tojal

Num caminho percorrido desde a arquitetura à agricultura, Ricardo Tojal cedo percebeu como as duas áreas se podem relacionar tão bem. Hoje integra o negócio familiar da Quinta do Prado Vasco, no lugar de Três Povos, Fundão, produzindo nectarinas, pêssegos, pavias, paraguaios, platerinas e ameixas. A inovação tecnológica surge aqui como fator de desenvolvimento, permitindo racionalizar recursos com o menor impacto ambiental possível.

 Quinta Prado Vasco

AGROTEC: Como foi o seu percurso desde a arquitetura à fruticultura e como se deu esta transição?

RICARDO TOJAL: Após a formação académica em arquitetura, fui convidado para colaborar com o atelier de um professor onde trabalhei nos mais diversos projetos de âmbito arquitetónico desde habitação, reabilitação, urbanismo e na reformulação nacional do parque escolar. Percurso este que sempre considerei muito vantajoso, já que ser arquiteto não é fazer desenhos bonitos. Ser arquiteto é um modo de estar na vida, um modo de olhar para o espaço que nos rodeia, para as necessidades das pessoas, para o bem-estar da sociedade em geral, e tudo se pode relacionar com a agricultura. E esse saber ajudou-me bastante no desenho do pomar. Paralelamente nunca deixei de acompanhar a atividade da minha família na área da fruticultura.

A transição ocorre no período de crise no mercado imobiliário e da redução da construção na década de 2010, mas acima de tudo também pela vontade do regresso à terra, acreditando ser possível rentabilizar a atividade frutícola. 

Tendo crescido no seio de uma família de fruticultores, também eu fui “contaminado” pelo gosto por esta atividade. Faço parte de uma terceira geração de agricultores que se dedica à fruticultura, sobretudo na produção de maçã.

No entanto, a ambição de crescimento empresarial da geração mais jovem assume aqui uma vontade de fazer um investimento cruzado em outros produtos, numa estratégia de aposta cruzada diversificando a cultura, procurando e explorando regiões climáticas do país com apetência para outras frutas e com mais disponibilidades hídricas.

Nesse período surge então a oportunidade de realizar o arrendamento rural de uma parcela inculta de terreno, a Quinta do Prado Vasco, que, embora não se encontrasse em produção, reunia todas as condições agronómicas, edafoclimáticas, de acessibilidade e sobretudo de disponibilidade de água para a produção frutícola. Não deixámos fugir esta oportunidade e candidatámos os projetos aos fundos comunitários de apoio a jovens fruticultores.

Entretanto começo a adquirir algumas competências, participo no Academia do Centro de Frutologia Compal e sou um dos vencedores com o projeto de instalação na Quinta do Prado Vasco. O prémio permitiu fazer uma pré-reserva das árvores e alguns dias depois os projetos de apoio vêm aprovados. O meu escritório passou para a varanda do casarão da Quinta do Prado Vasco, onde pensei e delineei as diferentes parcelas que uma atividade frutícola necessariamente exige.

Depois foi iniciar as preparações de terreno, fertilizações, montagem de camalhões e plantações.

Hoje temos aproximadamente 90 ha de prunóideas plantados e uma produção de aproximadamente 2000 t de fruta/ano.

 

AG: Qual é atualmente o principal produto de negócio da Quinta do Prado Vasco?

RT: Prunóideas, também designadas frutas de caroço, com enfoque em nectarinas, pêssegos, pavias, paraguaios, platerinas e ameixas. Todos estes frutos apresentam elevado potencial de produção e qualidade nas condições da região da Beira Interior e em especial na Cova da Beira - única IGP para o pêssego em Portugal.

As cultivares de pêssego são essencialmente de epiderme vermelha e polpa amarela, as quais julgamos ser a tendência do consumidor. A diversidade de cultivares tem por base o escalonamento da maturação e consequente oferta para evitar excesso de produção em determinados períodos, estando a produção escalonada temporalmente de meados de junho até setembro.

 Quinta Prado Vasco

AG: Esta é uma equipa de trabalho familiar e multidisciplinar formada por pessoas de áreas distintas da agricultura. Que vantagens e desafios encontraram?

RT: Toda nossa família está diretamente ligada com a fruticultura, principalmente na produção de maçã na região da Beira Alta. A aposta no pêssego surge como estratégia de negócio, fugindo da monocultura e aproveitando toda a disponibilidade técnica, logística e de mão-de-obra existente, para otimizar nos períodos de produção e comercialização do pêssego.

Como arquiteto, naturalmente tive um papel no “desenho” inicial do pomar.  Não é muito diferente de desenhar a cidade, pois envolve estudos de topografia, movimentação de terras, considerar a orientação solar, hierarquia de caminhos e percursos, os principais, os secundários, a entrelinha, os ângulos de viragem para tratores, depois as “praças” locais destinados a alguma concentração de fruta nos períodos de colheita, as centrais de rega e zonas de enchimento de pulverizados de modo a minimizar percursos, e por aí adiante.

O meu irmão Joaquim Tojal que é informático, ligado a tecnologias e aeronáutica, gere toda a parte de tecnologia de sensores, sondas, estação meteorológica e a tratamento dos diferentes dados informáticos que ajudam na gestão e na tomada de decisão. É também programador e piloto de UAVS.

Depois a minha prima Catarina Tojal, psicóloga de formação académica, ligada aos recursos humanos e motivação dos colaboradores. Este conceito da psicologia motivacional e do trabalho dentro de uma organização está muito ligado à capacidade de produção de cada colaborador e ao desempenho da atividade que executa, resultando na integração e otimização o trabalho de cada um, colaborando da melhor forma para o desenvolvimento da empresa. A integração destas áreas na fruticultura poderá ser responsável por levar às organizações importantes diferenciais competitivos.

O meu Pai, Adriano Tojal está muito ligado à parte financeira e comercial, na relação com clientes e fornecedores, não descurando as operações no terreno, atendendo a uma larga experiência na área da fruticultura.

Finalmente, o Eng.º Tojal Rebelo (meu tio), agrónomo com uma vasta e reconhecida experiência no campo da fruticultura, com uma equipa técnica que o acompanha, responsáveis pela nutrição e fitossanidade das plantas e frutos. É também o CO da Soma Lda e presidente da Beira Douro Fruits - O.P. de grau dois.   

Esta configuração de empresa familiar têm as suas vantagens, mas também algumas dificuldades que não aparecem em modelos de gestão tradicional. Nós, os mais jovens, temos ambições diferentes, maior disposição para explorar novos mercados e diversificar os investimentos. Os modelos familiares envolvem um planeamento cuidadoso e equilibrado, alinhado estrategicamente na medida do possível, tentando encontrar a conciliação e o equilíbrio entre as diferentes maneiras ver o negócio. É preciso maturidade para controlar as emoções e tratar as questões com profissionalismo, seja qual for a relação de afeto com os familiares.

Muitas das empresas frutícolas da região da Beira Interior mantêm este modelo de empresa familiar, relacionado o ciclo produtivo das árvores que plantamos, que poderá variar entre 10 a 20 anos, sendo a sucessão familiar um processo natural.

 Com o avanço cada vez mais rápido da tecnologia, a globalização e a alta volatilidade do mercado e do comportamento do consumidor, é fundamental ter visão a longo prazo e uma estratégia delineada de modo a mobilizar e rentabilizar os recursos e continuar a produzir com qualidade, reduzindo custos.

Uma gestão de formação multidisciplinar é ideal desafios e uma excelente oportunidade de evolução:

•            dos desenvolvimentos históricos e futuros da empresa;

•            das necessidades e oportunidades para pessoas exercerem funções específicas;

•            da política de investimentos, tecnologia e inovação.

No entanto, estatisticamente só 12% das empresas familiares chegam à terceira geração e 1% à quinta geração. Destas empresas familiares, 65% tiveram um notável crescimento, graças, especialmente, à implementação de processos ágeis nas áreas de inovação, tecnologias de informação e finanças. Na agricultura, não é tanto assim, mas também têm o seu “Q” de verdade.

Na empresa familiar toda a família é envolvida direta ou indiretamente, ajustando-se de acordo com o nível de desgaste tanto físico como psicológico que a volatilidade desta atividade encerra.

Naturalmente a empresa familiar cresce do esforçoo e da visão de um dos membros da família que se dedicou a trabalhar durante anos, sacrificando momentos importantes da sua vida para o sucesso da empresa. Mas as coisas estão longe de ser um conto de fadas…

Reconheço que o maior desafio para uma empresa familiar como a nossa, com experiência na fruticultura, tem sido inovar. Recorrer à tecnologia para nos mantermos competitivos, perante as mudanças constantes e imprevisíveis do mercado.

Uma empresa familiar está sempre associada a relações emocionais. É comum encontrarmos confusão de papéis e responsabilidades, falta de clareza na atuação de cada membro, um nível de cobrança por resultados muito menor, falta de planeamento de curto, médio e longo prazo.

Acompanhar as novas tecnologias é fundamental. “Novas técnicas de mecanização”, “Inteligência artificial”, “Robótica”, não devem ser palavras estranhas. Mesmo que ainda não se trabalhe com estas tecnologias, somos influenciados por elas direta (clientes e fornecedores, por exemplo) ou indiretamente. Não podemos esperar até perder o valor do produto, para prestar atenção às novas tecnologias agrícolas que vão afetar os nossos negócios num futuro muito próximo.

É preciso ter um propósito muito claro - produzir Fruta Nacional de alta qualidade, com valor nutritivo, preservando o meio-ambiente envolvente e contribuindo para uma alimentação mais saudável e consequentemente uma melhor qualidade de vida dos seus consumidores.

Tudo isto com base no profissionalismo dos nossos colaboradores que desenvolvem um trabalho sustentado em processos inovadores, com base na implementação de tecnologia na agricultura, nas relações justas e equilibradas, na segurança, num desempenho assente em filosofias de parceria, cooperação, flexibilidade e funcionalidade de forma a proporcionar uma ótima qualidade do produto final - o pêssego, a ameixa, a nectarina, a platerina...

Considero que esta nova geração de agricultores é mais qualificada e muito sensível à importância da tecnologia, do marketing e do design de produtos, fomentando assim um cruzamento entre formação e inovação. Parece-me que  esta nova faceta pode e está a mudar o panorama da fruticultura em Portugal.

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AG: O que mudou após lhe ter sido atribuída a bolsa da Academia de Frutulogia da Compal?

RT: Bem… acima de tudo diria que o respeito pela agricultura e muito em especial pela fruticultura. Contrariamente ao que poderemos pensar, nem todos podemos ser fruticultores. É uma atividade de elevado risco e significativa incerteza, altamente exigente do ponto de vista físico e emocional. Desta forma, quando se se faz essa opção, devemos fazê-lo em consciência, devemos assumir esta atividade como um projeto de vida, sentirmo-nos motivados, pois o nível de complexidade é bastante alto.

A participação na academia, só por si, possibilitou a aquisição de conhecimentos que me ajudaram e suportam uma prática sustentável da fruticultura, respondendo às necessidades do mercado. Foi um intercâmbio de conhecimentos e experiência com outros produtores, técnicos e empresários agrícolas. Assim, foi possível conhecer previamente as características, constrangimentos e exigências da cultura do pessegueiro, a cultura principal da exploração. Considero que o Centro de Frutologia Compal é um projeto único em Portugal, de uma total abrangência sobre as diversas componentes e fases de todo o sector frutícola no nosso País, em torno do propósito comum de valorizar e promover a fruta nacional.

Pessoalmente fomentou muito a necessidade de cooperação e associativismos, de modo a ganhar escala de produção, otimizar custos e criar valor acrescentado aos produtos.

Foi um crescimento não só ao nível profissional, mas também pessoal, do ponto de vista da organização de gestão e da tomada de decisão no tempo correto - fundamental na fruticultura.

O Centro de Frutologia Compal é um projeto que visa valorizar a fruta nacional e os seus produtos derivados estimulando a inovação ao nível da produção, transformação e consumo.

A Academia do Centro de Frutologia da Compal vai ter este ano 2021 um módulo específico sobre sustentabilidade. A par da preocupação com a sustentabilidade, a Gama Origens e o CFC valorizam este ano 4 terras e 4 frutas portuguesas (que originaram 4 sabores), valorizando assim o consumo de proximidade e dos produtos locais e nacionais, sendo que dois já são conhecidos:  Compal Origens Maçã de Alcobaça e o Figo da Piteira do Alentejo.  A cereja no topo do bolo termina com a atribuição não de 3, mas de 5 Bolsas Instalação na Academia CFC 2021, com um valor total atribuído de 100.000€.

AG: Considera que a Quinta do Prado Vasco representa uma importante fatia na promoção da economia do Fundão? Que condições de produção são oferecidas por esta região?

RT: Não, o Prado Vasco só por si não.

Considero que toda a região do Fundão é ainda “um lugar de oportunidade na agricultura”, tem condições edafoclimáticas excecionais para a produção de frutas - clima caracterizado por invernos frios primavera amena e verões quentes, com dias de elevada luminosidade, com a pluviosidade concentrada nos meses de outubro a janeiro; disponibilidade de água - a existência do sistema de irrigação, da Cova da Beira permite maximizar não só as potencialidades do solo e clima existentes, mas também as cultivares. A escassez de água vai ser um dos futuros grandes problemas da agricultura de modo global. Toda a região é muito rica na promoção dos seus projetos, tanto ao nível da inovação, como da produção primária, que vêm substituir importações de diversos produtos e como tal alavancar e dar um contributo muito forte a toda a economia, não só do Fundão mas nacional; não só pela riqueza que é mantida dentro de portas mas também pelos empregos criados e mantidos no território.

Este território, é, por si só, uma oportunidade, sendo ele próprio a promoção da sua economia.

Exemplo disso são os casos de sucesso das IGP-Cereja do Fundão e IGP-Pêssego Cova da Beira, são reconhecimentos da região por ter características diferenciadoras e de qualidade para este tipo de frutas, o que é sem dúvida uma mais valia na abordagem ao mercado.

A ocupação não só da Quinta do Prado Vasco, mas de muitas outras grandes quintas em toda a região, tem uma importância que vai para lá do benefício económico. A ocupação e rentabilização do espaço rural é crucial para um desenvolvimento sustentável da região, vai promover a fixação de população, cria emprego e combate ao despovoamento.

Obviamente que o Prado Vasco tem a sua história. É uma Quinta muito bonita situada em meia encosta, com a Ribeira da Meimoa a dividir em dois o planalto da Quinta, tendo de um lado a serra da Estrela, do outro a serra da Malcata, e em ponto estratégico, o seu imponente Casão Agrícola e construções anexas. A varanda da casa tem uma paisagem encantadora sobre todo o pomar. Considero que esta vista, só por si, já é um cartaz promocional da região.

A história do Prado Vasco, funde-se com as histórias de grande parte das pessoas da região, que, pelo que ouço contar, tiveram uma ligação com a Quinta num ou noutro momento das suas vidas. Encontrei um senhor que me ofereceu uma garrafa de jeropiga de Bravo de Esmole feita com maças do Prado Vasco e outro que me dizia que tinha lavrado todas aquelas terras (200 ha) com três juntas de bois, durante três anos seguidos. Para nós, que demoramos quase dois anos a preparar o terreno com grandes máquinas, georreferenciação e outras tecnologias associadas, isso é surreal, é um processo inimaginável para a minha geração.

Quinta Prado Vasco

AG: Quais os principais mercados para escoamento da vossa produção?

RT: Antes de mais, temos de ter a noção que o mundo está a assistir a um rápido crescimento demográfico, a população global deverá chegar aos nove mil milhoes em 2050, significando isto que será necessário aumentar em 70% a produção mundial de alimentos. Se tudo continuar como até aqui, a populaçãoo irá continuar a aumentar, com “mais bocas para comer”, significando que investir na agricultura é não só viável, mas necessário para garantir o abastecimento continuado dos mercados.

As OPs estão a assumir-se como veículos prioritários para assegurar o reforço de competências dos produtores, atendendo à transmissão de conhecimentos, permitindo um melhor desempenho na produção, com a introdução de novas técnicas de produção. Asseguram a programação da produção e adaptam-na ao mercado. Confiando à OP a comercialização do produto, a concentração da oferta facilita o escoamento dos produtos, otimizando custos de pós-colheita. Apesar das reconhecidas competências das OPs, não deixamos de ser um dos países em que a associação ou concentração de produtores é menor, daí advindo o grande desequilíbrio de forças entre a produção e comercialização.

No entanto, parece-nos que a estratégia tem de caminhar no sentido de fomentar a criação de mais OPs e promover a fusão entre elas.

O ponto de partida e de sustentabilidade deste projeto tem como salvaguarda a associação a uma OP. Embora no panorama regional / nacional esta exploração não se possa considerar pequena, temos a perfeita noção que só em cooperação com uma O.P. teremos mais possibilidade de rentabilizar o investimento.

Estamos associados à organização de produtores SOMA-PRODUÇÃO DE FRUTAS, sendo a nossa produção maioritariamente escoada por esta estrutura comercial.

A SOMA-PRODUÇÃO DE FRUTAS constitui já uma O.P. de grau dois, é parceira e fundadora do grupo BeyraDouro Fruits, constituído por outras cinco cooperativas de produtoras, com o objetivo especifico de ganhar escala para internacionalização.

Com esta agregação será mais facil estabelcer contratos duradouros entre a produção e indústria. A indústria tem que ser vista como um parceiro permanente, talvez o mais importante na produção, e não como um canal de escoamento no final da linha. O caminho deverá passar pelo direcionamento de produções para a indústria da mesma forma que para outros tipos de consumos, permitindo que ambos se complementem diluindo as oscilações de preço. Nesta estratégia de mercado temos também como principal cliente a SUMOL+COMPAL, com a qual estabelecemos um contrato de longo prazo para escoamento de produção para a indústria.

Para quem produz fruta, o essencial é que haja consumo, e muito. Logo, todas as formas de chegar com fruta aos consumidores acrescentam valor à cadeia, sendo também fundamental a associação à industria. Poder dispor de fruta fresca ou transformada em qualquer lugar ou época do ano é uma conquista extraordinária da fileira. 

Quinta Prado Vasco

                    

AG: Quais as principais oportunidades e desafios que os produtores de prunóideas enfrentam atualmente?

RT: Portugal reúne um conjunto de condições muito favoráveis (solo, clima, recursos hídricos, horas de sol) que fazem da fruta portuguesa um produto de excelência ao nível da sua qualidade e sabor. No entanto, o setor frutícola depara-se com uma série de constrangimentos que travam a sua competitividade.

Entre os desafios atuais, realçaria a grande falta de mão-de-obra sazonal para salvaguardar as necessidades produtivas da região e a escassez de água, que será uma realidade num futuro muito próximo.

A escala de produção e a inexistência de processos eficientes de inovação (nomeadamente o aumento do risco da atividade de produção relativamente a novas pragas e doenças), são exemplos de necessidades a colmatar.

Numa altura em que o setor frutícola nacional enfrenta grandes desafios, é fundamental apostar na construção de soluções que visam a sua sustentabilidade, valorizando a fruta portuguesa, estimulando a inovação no setor frutícola de modo a poder otimizar custos de produção, a partir de necessidades identificadas ao longo da cadeia de valor, ao nível da produção, transformação e consumo.

É imperativo dar uma resposta consistente para a sustentabilidade - que se traduz numa coresponsabilização dos fruticultores, principalmente os jovens, quer ao nível da sua formação, quer ao nível financeiro, ou na participação no mercado através de Organizações de Produtores.

É necessário que exista regionalmente uma estratégia comum de abordar a produção nas suas várias vertentes, para que de muitas pequenas ou maiores produções resultem, no final, volumes interessantes para comercialização.

            - Inclusão de tecnologias para aumento da racionalidade no uso dos fatores de produção e de respeito pelos princípios de sustentabilidade económica, ecológica e ambiental;

            - Tecnologias de apoio e monitorização permitem altos níveis de eficiência operacional, cumprimento dos mais exigentes referenciais de segurança alimentar e produção altamente focada no mercado e qualidade dos produtos;

            - Técnicas de condução e poda, a aplicação de tecnologias VRT (“Variable-rate technology”) ajustando a distribuição de adubos ou a aplicação de produtos fitofarmacêuticos à volumetria dos pomares, a gestão otimizada da água e nutrientes, das condições de conservação, entre outros.

AG: Portugal consegue dar resposta aos requisitos necessários a preencher para assegurar a sanidade vegetal das suas culturas?

RT: Não conheço a realidade nacional global das suas mais diversas culturas, mas em termos da produção das prunóideas, julgo que sim.

Na região, com enfoque na fruticultura, a proteção fitossanitária segue o esquema de proteção integrada, integrando assim medidas adequadas para diminuir os riscos para a saúde humana. A proteção integrada consiste na avaliação ponderada de todos os métodos de proteção das culturas disponíveis e a integração de medidas adequadas para diminuir o desenvolvimento de populações de organismos nocivos e manter a utilização dos produtos fitofarmacêuticos e outras formas de intervenção a níveis económica e ecologicamente justificáveis, reduzindo ou minimizando os riscos para a saúde humana e o ambiente, privilegiando o desenvolvimento de culturas saudáveis com a menor perturbação possível dos ecossistemas agrícolas e agroflorestais e incentivando mecanismos naturais de luta contra os inimigos das culturas.

O controlo eficaz de pragas e doenças envolve um acompanhamento contínuo da cultura, de modo a perceber exatamente quando acontece o NEA e como ou até quando se pode reduzir a aplição de agroquimicos, utilizando outros sistemas (armadilhas , confusão sexual). 

Se o objetivo for passar toda a produção para o modo de produção biológica, a transição será muito difícil. No entanto, apresentar à colheita fruta sem resíduos de pesticidas ou no mínimo de resíduos, sempre abaixo do LMR permitido para cada produto, é justificável e já é o que fazemos em Portugal.

Para chegar a este objetivo é necessário atuar só em função das necessidades, em função da gestão dos dados fornecidos por estação meteorológica, das previsões meteorológicas e da indispensável observação in loco, monitorizando e utilizando modelos de referência que permitam o controlo mais eficaz dos inimigos das culturas. De destacar a importância da partilha destes dados e resultados de modo a obter modelos ao nível regional.

Numa sociedade cada vez mais exigente no plano ambiental, social e económico, com os consumidores e opinião pública em geral a imporem questões de qualidade e produto cada vez mais isento de agroquímicos, a preocupação da sustentabilidade/racionalidade para o futuro vem impor novos desafios ao sistema agrícola num todo. Certificações de referenciais de Boas Práticas Agrícolas como o GLOBALG.A.P. e o GRASP são já usuais e imprescindíveis para quem quer estar neste mercado global. O objetivo é estabelecer uma norma de Boas Práticas Agrícolas (BPA), que inclua diferentes requisitos para os diferentes produtos e que possa ser adaptada a toda a agricultura mundial.

Toda a produção da Quinta do Prado Vasco segue o referencial de produção integrada, é certificada como GLOBALG.A.P. e o GRASP e como produtores na Indicação de Geografia Protegida da Cova da Beira.

O perfil do fruticultor evolui no sentido de se tornar um gestor altamente capacitado e profissionalizado que recorre às ferramentas de gestão para tomar decisões racionais, procurando fazer mais com menos recursos. As novas tecnologias permitem-lhe monitorizar de forma remota o crescimento dos frutos, a humidade do solo, a nutrição das plantas, a fitossanidade ou a existência de stresses de natureza diversa, mantendo os pomares equilibrados e em plena harmonia com o ecossistema circundante, respondendo assim de forma positiva aos mais recentes desafios da sociedade.

 

AG: Que soluções tecnológicas de monitorização de culturas utilizam atualmente no vosso trabalho? É para aí que caminha o futuro da agricultura de precisão?

RT: A inovação tecnológica surge como fator de desenvolvimento. Através de vários Grupos Operacionais tem-se conseguido fazer grandes avanços ao nível da inovação no setor prunóideas e na região. Talvez falte aprofundar uma outra dimensão da inovação, a dimensão territorial, pessoal e organizacional, também fundamental para o desenvolvimento destes territórios rurais e as suas empresas.

Para nós existe uma clara preocupação em investir na promoção de estratégias e instalação de tecnologias inovadoras, permitindo assim racionalizar os recursos com o menor impacto ambiental possível.

Com a tecnologia cada vez mais próxima da agricultura, é possível hoje em dia usar recentes saltos tecnológicos para criar processos inovadores de controlo, produção e gestão de colheitas agrícolas. Um destes saltos tecnológicos é a utilização de veículos aéreos não tripulados (ou UAVs). Uma das apostas deste projeto, é o uso de UAVs (drone), para capturar imagens aéreas georreferenciadas e de alta resolução, no espectro visível e infravermelho. Isto vai possibilitar, em tempo real, analisar a saúde da colheita, monitorizando o stress hídrico e a falta de uniformidade na aplicação da água, possíveis deformações no tamanho regular da árvore/folha nas diferentes parcelas de terreno, de forma rápida, podendo ser feito de forma regular e pré-programada.

Da mesma maneira que uma enxada é uma extensão do nosso braço, estes aparelhos aumentam de forma extraordinária a capacidade humana, principalmente no campo da visão.

Utilizamos mapas NVDI, com recurso a fotografias do Sentinel-2, que nos permite medir o índice de vegetação das plantas, em diferentes períodos e anos. Pela avaliação da forma como a planta reflete a luz a diferentes frequências (algumas ondas são absorvidas e outras refletidas), poder-se-á inferir o seu estado fisiológico. Diferentes cores simbolizam características distintas da paisagem. Por exemplo, verde para vegetação e o azul para solo, rochas e terra árida. Estas imagens a diferentes escalas permitem perceber o vigor vegetativo de planta e a sua evolução ao longo do ano, corrigindo eventuais desfasamentos.

Quinta Prado Vasco Quinta Prado Vasco

Temos instalado na Quinta um sistema de gestão da propriedade e tecnologias complementares de produção, com a plataforma Wisecrop.

Temos acesso às condições da exploração em tempo-real, a partir do computador, tablet ou smartphone. Os dados dos sensores são continuamente recolhidos e disponibilizados online e podem ser exportados para tratamento posterior.

O sistema é modular/ autónomo, com a colocação de um pequeno painel solar sobre a estação,  sem fios e auto-configurável, o que permite uma distribuição dos pontos de medição conforme as nossas necessidades. É composto por um ponto centralizador e três pontos de medição localizados estrategicamente na plantação. Este ponto central recebe e envia para uma Cloud toda a informação recolhida pelos sensores ligados a cada um dos pontos de medição.

O investimento neste sistema é justificado no planeamento, gestão e tomada de decisão na exploração. Permite-nos quantificar o risco de ocorrência de uma geada ou de um foco infecioso continuamente e de forma atempada, permitindo, sempre que possível, que o produtor possa intervir de forma a minimizar os riscos e potenciar o rendimento.  O sistema, além de alertar para o risco de perda de produção, apoia também em decisões que potenciam a produtividade e a qualidade do produto final.

A base é uma estação meteorológica, com sensores em diferentes pontos da parcela, sensor de Temperatura e Humidade Relativa do Ar, um anemómetro que pode medir velocidades de vento até 320 km/h e um piranómetro que mede a radiação solar. Ao sistema estão também acopladas sondas instaladas no solo a diferentes profundidades. Com isto conseguimos medir diversos parâmetros, como volume de água no solo (VWC – Volume Water Content (%)), condutividade elétrica e temperatura do solo a diferentes profundidades. Temos também instalados alguns sensores de folha molhada que podem ser aferidos em função do pretendido de modo a distingir a superfície foliar seca ou molhada.

 A todo este sistema podem ser acoplados em diferentes períodos de atuação na cultura, diversos outros sensores (densímetros, caudalímetros etc…) de uma forma muito simples e sem recurso a técnicos especializados.

Alertas | Os Modelos de Previsão Avançados estão continuamente a processar os dados recolhidos e dão-nos indicação do risco atual de ocorrência de doenças, pragas ou eventos climáticos prejudiciais à plantação (como geadas, escaldão ou rajadas de vento). Caso o risco ultrapasse valores aceitáveis, é lançado um alerta. Assim, em algumas situações, podemos agir em antecipação o que nos dá maior segurança, economizando recursos. É também possível criar os nossos próprios alertas através da configuração de valores limite para cada sensor.

Clima | São apresentadas as condições meteorológicas atuais e registadas, às quais acrescenta dados de previsão precisos. Os indicadores de risco climático para cada cultura têm como base informações relativas à temperatura e humidade relativa do ar, à velocidade e direção do vento, pluviosidade e radiação solar. Ao introduzir informações de Observações de Campo, o produtor está também a ensinar o sistema, contribuindo para a parametrização dos Modelos de Previsão.

Rega | De modo a promover uma gestão mais eficiente dos recursos hídricos, as sondas instaladas permitem também quantificar as necessidades hídricas efetivas, apurando de forma automática a evapotranspiração da cultura e monitoriza a pluviosidade efetiva na exploração, assim como a humidade ao longo do perfil do solo.

Isto permite-nos definir uma taxa variável de aplicação de água (e simultaneamente fertilizante) ao longo do ano e por cada parcela, aplicando apenas as quantidades estritamente necessárias a cada estado fenológico, para que a cultura possa atingir todo o seu potencial produtivo.

Nutrição | Esta ferramenta atua também como um facilitador na interpretação, requisição e ajuste de pedidos de análises ao solo, água, foliares ou de resíduos diretamente ao laboratório. Os resultados obtidos são imediatamente disponibilizados, numa interface de fácil interpretação.

Caderno de Campo | Os colaboradores ao fazerem o registo sistemático, em tempo real, simples e organizado das operações realizadas e observações de campo, facilita o trabalho de gestão dos recursos e permite um maior controlo sobre os custos operacionais da mão-de-obra. Durante a sua utilização, o sistema vai preencher de forma automática o Caderno de Campo.

Relativamente à maquinaria a utilização de pulverizador, com computador bordo e sensores na roda, permitem regular a intensidade da pulverização em função da velocidade, da densidade vegetativa, com controlo automático de secções de pulverização nas zonas de viragem e falhas de árvores. Este sensor permite também a monitorização, em tempo real, dos percursos dos tratores a alfaias agrícola, ligado à uma rede wirless existente na parcela. É possível ver, num smartphone, o ponto exato onde se encontra o trator, qual a alfaia que esta a utilizar, monitorizando tempos de trabalho, distâncias percorridas, áreas tratadas, etc. Este sistema tem-se revelado bastante interessante, pois, ao terminar o dia, o operador fica com o registo do ponto exacto onde terminou, possibilitando assim continuar no dia seguinte na mesma posição, diminuindo as falhas humanas. Permite também calcular os gastos com combustível e otimizar determinadas operações.

 As expectáveis alterações climáticas, com subidas de temperatura consideráveis e aumento da irregularidade da precipitação, aumentarão ainda mais no futuro a dependência do regadio.

Todavia, importa sublinhar, que a necessidade de recorrer ao regadio, não invalida que se apliquem medidas tendentes a garantir um uso eficiente da água por parte de todos os utilizadores, dado que a água é um bem inestimável que desempenha uma primordial importância em questões económicas, sociais e ambientais, tanto mais significativa quanto a sua escassez se faça sentir.

No que diz respeito à utilização da água de rega e sistema de nutrição, utilizamos também um sistema tecnológico de modo a reduzir o desperdício de água, monitorizado toda a abertura de válvulas e aplicação de adubos de uma forma automática e pré programável com um logger de envio de dados via GPRS para uma plataforma específica.

Este ano fizemos um primeiro teste de monda mecânica de flores, com recurso ao "Darwin" alfaia de acoplar ao trator. Este processo da monda de flores executado mecanicamente com a “Darwin” tem um tempo de trabalho de 30 minutos/ha na monda de flores. De um modo geral, os pessegueiros apresentam níveis de floração e taxas de vingamento elevados requerendo, habitualmente, a realização de monda de frutos, sendo a monda manual de frutos a prática mais comum. A monda, quer de flores quer de frutos, tem como principal objetivo melhorar a qualidade dos frutos, nomeadamente o calibre, e simultaneamente visa promover o melhor equilíbrio das plantas e regular a produção. No entanto, é um trabalho essencial para que um pessegueiro possa produzir frutos de calibre adequado e de qualidade desejada e que, além disso, a árvore seja capaz de manter a produção regular. Essa prática requer bastante tempo e traduz-se em elevados custos em recursos humanos. A mecanização da monda de flores executada com a “Darwin”, alfaia de acoplar ao trator, foi realizada pela primeira vez este ano, com um tempo de 45 min/ha. Embora não invalide um complemento com monda manual, esta intervenção tem uma vantagem tripla:

-  Reduzir globalmente as necessidades de mão-de-obra;

-    Reduz significativamente o custo de produção;

-    Envolve um ganho importante do peso médio (tamanho) e qualidade da fruta, pois a planta não gasta recursos com frutos que depois serão retirados.

Não considero com isto que estas técnicas sejam inovadoras ou altamente tecnológicas, muitas delas são também aplicadas por vários produtores da região. Não sendo altamente inovadoras traduzem um caminho para o qual ainda temos muito que percorrer. Este foi o que escolhemos. Acreditamos que o setor agrícola e agroindustrial têm um papel fundamental na economia portuguesa, na criação de riqueza e de emprego. Para ser rentável a atividade agrícola requer dimensão e tecnologia. A escassez de mão-de-obra e a redução do seu custo pela mecanização das operações, o recurso a técnicas de alta produtividade e o conhecimento técnico especializado são elementos fundamentais para a rentabilidade das empresas agrícolas.

Quinta Prado Vasco

Nota de Redação:

Artigo publicado na edição n.º 39 da Revista AGROTEC.

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