Lourenço de Botton: «A própria estrutura mundial do setor está a obrigar os produtores a repensar as suas explorações agrícolas»
Em setembro de 2019 foi anunciado um investimento por parte da Carsol Fruit Portugal, de 54 milhões, na produção de mirtilos em Alcácer do Sal. Este representou um passo importante para o desenvolvimento da produção biológica do pequeno fruto a nível nacional. O objetivo é tornar a cidade numa produtora de referência.

Entrevista e Fotos: Sofia Cardoso
Lourenço de Botton, diretor do projeto, conta-nos que «o projeto surgiu da necessidade de dar continuidade à produção já existente do grupo no Chile e Peru e também dar resposta aos mercados e à continuidade de fornecimento de um produto excecional».
Pequenos Frutos (PF): Em primeiro lugar, gostaria que me descrevesse, em traços gerais, como e quando surgiu o investimento da Carsol Fruit em Portugal.
Lourenço de Botton (LB): O projeto iniciou-se em 2016 quando, em conjunto com o meu pai, decidimos plantar 16 hectares de mirtilos no campo de Alcácer do Sal. Após a plantação estar concluída, apercebemo-nos que tínhamos mais fruta para vender do que a que era consumida em Portugal na altura. Foi então que fomos à Fruit Attraction em busca de compradores, onde acabamos por conhecer a Carsol. Após várias conversas e muita empatia, apercebemo-nos que poderíamos fazer muito mais em conjunto do que somente vender a fruta dos 16 hectares que tínhamos plantados. Foi então que se formou a Carsol Fruit Portugal (CFP) e o projeto que temos hoje em mãos.
PF: O investimento em Alcácer do Sal, no total de 54 milhões de euros, representa um grande avanço para a região. Quais os motivos que os levaram a optar pela zona?
LB: Importa salientar que o investimento mencionado diz respeito a um investimento total que engloba não só as duas unidades de produção da CFP, mas também as unidades de frio e embalamento, que são projetos associados sem os quais não conseguiríamos desempenhar a nossa atividade. O objetivo da CFP em Portugal é ter produção de fevereiro a julho, de forma a completar o ciclo de produção no Chile e Peru.
Para isso, estamos a investir em duas explorações agrícolas: uma no concelho de Odemira e outra no concelho de Alcácer do Sal, onde já tínhamos um campo com 640 hectares. Optamos por estas duas geografias, que distam entre si cerca de 120 km, porque conseguimos obter resultados completamente dispares que se completam perfeitamente em termos de ciclos. A principal razão de escolha destas duas regiões, prende-se com o clima de cada uma delas. Em Odemira, cujo clima é ameno durante o ano todo, conseguimos trabalhar com variedades do Sul e ter a planta ativa o ano todo, colhendo entre fevereiro a maio.
Em Alcácer do Sal, o clima é forçosamente diferente nas 4 estações do ano sendo que, temos de respeitar o período de dormência da planta, que decorre de novembro a março. Em termos de colheita, o período entre junho e julho é mais curto e também mais concentrado. O solo é uma condicionante que podemos contornar adotando diferentes modos de produção. Em Odemira, motivado pela heterogeneidade dos solos, optámos por produzir em vaso e substrato com recurso a túneis para proteger a cultura durante os meses de floração e colheita. Recurso este que acaba, também, por estimular maior crescimento, isto devido às temperaturas mais altas que conseguimos manter dentro dos túneis.
Em Alcácer do Sal produzimos diretamente no solo, que consiste em 99% de areia, e praticamos agricultura biológica na totalidade da exploração.
PF: Quais foram as necessidades que levaram à criação deste projeto?
LB: Este projeto surgiu da necessidade de dar continuidade à produção já existente do grupo no Chile e Peru e também dar resposta aos mercados à continuidade de fornecimento de um produto excecional. O mirtilo tem sido um fruto com um aumento no consumo significativo no espaço europeu. O avanço que se tem feito em novas variedades e em novos sistemas de produção fez a CFP apostar numa produção com volumes que permitam vender este produto o ano todo, com especificidades de produto bem definidas à escala global.
PF: Tendo em conta a certa estagnação dos pequenos frutos, como se justifica esta aposta em Portugal?
LB: O paradigma da produção nacional está a sofrer uma mudança profunda. A própria estrutura mundial do setor está a caminhar para um modo de trabalhar que obriga os produtores a repensar nas suas explorações agrícolas. Os ditos produtores grandes conseguem aliar-se, muitas vezes com exclusividade, a programas, podendo ter um produto diferente de toda a concorrência. Isto são os chamados “grupos fechados” de produtores.
Estes grupos de produtores, têm acesso a variedades que mais ninguém tem e os mesmos estão direcionados para produtores com capital suficiente para fazerem investimentos avultados e/ou integrarem o programa de desenvolvimento para que sejam desenvolvidos mirtilos feitos à medida do cliente. Os mais prejudicados são os produtores que não têm esta capacidade.
O desenvolvimento de variedades livres já não é o que era e por isso, torna-se difícil investir em novos produtos quando eles não existem ou quando eles requerem um esforço de capital insuportável para muitos. No entanto, Portugal tem excelentes condições para a produção de mirtilos. De Norte ao Sul, há produtores excelentes que conseguem produzir muito bem. Julgo que, para competir no mercado a médio- longo prazo, Portugal precisa de se unir para ganhar alguma escala e para conseguir uniformizar a produção/ oferta aos mercados, quer em qualidade quer em variedades.
A CFP quer tirar partido do know-how que possui e aplicá-lo num país onde as condições climáticas são excelentes para a produção deste fruto. Sendo a CFP um player importante no mercado da fileira, importa ir ao encontro das necessidades dos mercados com os quais trabalhamos para satisfazer as suas necessidades comerciais. Os planos de produção e, consequente expansão da CFP, são resultado da procura dos mercados, trabalhando assim num sistema pull e não de push.
Continua
Nota: Artigo publicado originalmente na Pequenos Frutos 29, suplemento da Agrotec 33
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