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Agrotec

Leptospirose - Uma zoonose muito comum

Leptospira é o nome que se dá a uma família muito numerosa de bactérias. O género inclui uma quantidade enorme de espécies que, por sua vez, se dividem em centenas de variedades genéticas designadas serovares, que ocupam os mais diferentes ambientes e têm os mais diversos ciclos de vida.

Leptospirose

O grupo engloba membros que são extremamente patogénicos, tanto para os humanos como para quase todos os mamíferos, assim como variantes completamente inofensivas. Numa primeira avaliação da morfologia, as diferentes espécies parecem quase iguais e, por isso, durante muito tempo foram consideradas como sendo apenas subespécies.

Só com o desenvolvimento das modernas técnicas moleculares, que permitem olhar ao pormenor o ADN das células, é que se começou a perceber que existem diferenças significativas. Tanto é que, neste momento, só mesmo um microbiologista muito atento e apaixonado terá a paciência para ler e decifrar as listas infindáveis de espécies, subespécies e serovares já identificados.

A razão de trazer as leptospiras às páginas da Agrotec tem a ver com dois factos: i) é uma das bactérias que mais frequentemente se transmite dos animais para os humanos e, por isso, numa altura em que o conceito de uma só saúde é cada vez mais pertinente (a Covid-19 é apenas mais um caso, só que levado ao extremo), será útil lembrar as características da infecção e da doença, conhecida pelo nome de leptospirose independentemente da variante que a causa; ii) e porque recentemente deparei-me com um pequeno surto em Portugal. Ou seja, nunca é demais alertar para os riscos que estas bactérias representam para os animais e para as pessoas.

Primeiro, a história do caso que segui há pouco tempo e que demonstra o poder zoonótico (termo usado para designar aquelas doenças que se transmitem dos animais para os humanos) das leptospiras. Pediram-me para ver uma ovelha que não queria comer nem seguia a outras, isolando- se como costumam fazer os animais quando não se sentem bem.

Ao chegar, pedi para levar o animal para o interior de um barracão onde seria mais simples proceder ao exame. A separação das companheiras provocou alguma ansiedade, tendo sido mais difícil fazer a contenção, apesar do tal mal-estar. A ovelha apresentava febre e as mucosas (a conjuntiva, no olho, e as gengivas) mostravam uma cor pálida, a roçar o amarelo.

A lã que cobria as coxas estava ligeiramente tingida de um vermelho escuro, quase preto. Ao urinar um líquido igualmente escuro, a ovelha desvendou a origem da estranha pintura do seu casaco. Os sinais eram, portanto, típicos de uma infecção por uma das inúmeras espécies do género Leptospira.

Tive poucas dúvidas no diagnóstico, principalmente depois da minha ainda fresca experiência a tratar vários casos da doença em animais quando estive a trabalhar na Nova Zelândia, onde a leptospirose é praticamente endémica e é um constante risco para aqueles que trabalham com animais de produção. Apesar dos ovinos não serem os animais mais susceptíveis, os sinais eram bem típicos.

Depois de tratar o animal e também os coabitantes (era um pequeno rebanho e, portanto, justificava-se o tratamento metafilático), fui lavar-me e desinfectar as galochas, já que é através da urina que a bactéria se propaga. Na conversa que se seguiu sobre a doença e os riscos potenciais que representa para os donos e tratadores, descobri que um dos membros da família estava internado no hospital com muita febre, mal-estar, cansaço e fortes dores de cabeça.

Sugeri uma conversa com o médico assistente do hospital para relatar o que tinha acabado de ver e, eventualmente, ajudar no diagnóstico da doença (na verdade, a bactéria nem sempre é fácil de isolar e identificar no laboratório). Não tendo sido possível estabelecer o contacto naquele momento, deixei escrito o nome da doença para que fosse transmitido ao hospital.

Cerca de três dias depois voltaram a ligar-me. A ovelha tinha ficado bem e do hospital tinha vindo a confirmação de que realmente estavam perante um caso de leptospirose humana. Ainda mais – um cão da quinta, que tinha adoecido uns dias antes e sido levado a uma clínica veterinária, tinha sido diagnosticado como infectado por um serovar de leptospira.

Era, portanto, um caso típico de uma zoonose muito contagiosa mas, felizmente, relativamente benigna, já que todos os pacientes recuperaram após a terapêutica adequada.

Continua

Nota: Artigo publicado originalmente na Agrotec 36

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