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Agrotec

Companhias podem abandonar seguros de colheitas

O Governo suspendeu a compensação às seguradoras por excesso de sinistralidade agrícola. Para as companhias subir os prémios pode não ser suficiente. Desistir dos seguros de colheitas é hipótese.

Agricultura

Os seguros agrícolas de colheitas para 2021 podem estar em risco de não se concretizarem caso o Governo não suspenda uma portaria conjunta dos ministérios da Agricultura e das Finanças, publicada em 5 de março, que diz expressamente “o mecanismo de compensação de sinistralidade cessa a 31 de dezembro de 2020, com exceção dos pagamentos da compensação de sinistralidade devida das campanhas não encerradas e até ao seu encerramento”.

Os seguradores querem a suspensão desta cláusula e, através da APS – Associação Portuguesa de Seguros, estão a pressionar o Governo no sentido de reverter a decisão. Fonte desta associação confirma: «Temos efetuado diligências junto das autoridades no sentido de ser revogada a decisão da suspensão deste mecanismo». Por autoridade direta entende-se o Ministério da Agricultura que comentou a ECOseguros, através de fonte oficial, que «a portaria está em revisão, estando a questão do mecanismo de compensação também em análise».

Em causa está uma compensação do Governo às seguradoras que pode atingir os «13 milhões de euros por ano», segundo profissionais ligados ao mercado segurador. Esta compensação é, na prática, um contrato de resseguro que em vez de ser feito pelo mercado privado, é realizado pelo Estado. É uma compensação pública ao excesso de sinistralidade e é extremamente benéfico para os seguradores, dizem operadores do mercado.

Como funcionam os apoios de Estado e o que está em causa

O Estado apoia os seguros agrícolas de duas formas. A primeira diretamente aos agricultores através de uma bonificação dos prémios que variam entre 57% e 60%. Na prática, os agricultores contratam com seguradoras pela totalidade do prémio, mas apenas pagam a estas 40 ou 43%, as companhias coletam o resto junto do IFAP – Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas, organismo co-tutelado pelo Ministério da Agricultura (MA).

O segundo apoio é dirigido às seguradoras para responder ao excesso de sinistralidade. O MA reconhece que “o eventual fim deste mecanismo de compensação de sinistralidade poderá eventualmente conduzir a um ajustamento nas tarifas cobradas, mas está em curso um processo de revisão dos apoios concedidos à celebração de seguro de colheitas que aumentará o nível de apoio para 70%”.

O mecanismo de compensação de sinistralidade funciona como um resseguro, seguindo um modelo designado stop loss usado na indústria resseguradora. As companhias candidatam-se voluntariamente junto do IFAP a esta compensação, pagando um valor de 8% sobre prémios emitidos e são compensadas se a taxa de sinistralidade atinge 85% do valor total desses prémios.

Como o setor é particularmente vulnerável a mau tempo, nomeadamente a tempestades de granizo e geada, o Governo terá entendido que, compensadas pelo Estado por danos acima de 85% das suas receitas, os riscos corridos pelas seguradoras eram diminutos o que representava um negócio muito lucrativo para a indústria seguradora.

Assim, no preâmbulo da Portaria n.º 61/2020, de 5 de março, o Governo afirmou que “havendo atualmente a possibilidade de acesso ao mercado ressegurador pelas empresas de seguros, relativamente às apólices contratadas no âmbito do seguro de colheitas, é aconselhável que seja dispensada a intervenção do Estado no atual mecanismo de compensação por excesso de sinistralidade, que se justificava à data em que foi implementado o sistema, razão pela qual se procede a ajustamentos das regras de funcionamento deste mecanismo e se prevê a sua supressão a partir de 31 de dezembro de 2020”.

No entanto, a possibilidade de recorrer a resseguradoras do mercado internacional em regime stop loss não é linear. Fonte da Fidelidade refere que «não foi possível motivar resseguradoras porque a sinistralidade da carteira é constantemente elevada», acrescentando que «há muita anti seleção e o preço dos riscos não está suficientemente disperso e mitigado», concluindo que «alguma obrigatoriedade poderia fazer sentido».

Outro operador refere que contratos de resseguro tão bons como o atualmente concedido pelo Estado não existem nos mercados: «Uma resseguradora faz stop loss a partir de 150 ou 170%, nunca a partir de 85%», comenta.

Opinião diferente tem o Ministério da Agricultura, a crença é de que «existem efetivamente sistemas de resseguro no mercado a que algumas seguradoras já recorrem e a que as restantes também podem recorrer».

Assim, sem uma garantia de resseguro público, às companhias só resta assumir mais risco, tentar um sempre pior contrato de resseguro que o atualmente proporcionado pelo Estado, aumentar os prémios de seguro junto dos agricultores ou parar no todo ou em parte de fazer contratos de seguros agrícolas de colheitas. Ou ainda encontrar um equilíbrio entre todas estas medidas.

Outro profissional do setor refere que «uma outra solução seria promover uma efetiva concorrência no setor, facilitando o acesso aos dados meteorológicos, simplificando o clausulado uniforme, bem como o processo de compensação». Desta forma outros operadores poderiam entrar, puxando pelos preços ou outras soluções de distribuição.

No curto prazo, se nada se fizer até 31 de dezembro, serão os agricultores os prejudicados. Daí o ministério da Agricultura estar a dar como certo que, sem o mecanismo de compensação de excesso de sinistralidade, os prémios dos seguros vão aumentar. Aumentando a bonificação de 57% para 70% atenua o impacto junto dos agricultores.

Em conclusão, o ministério da Agricultura confirmou a ECOseguros que «a portaria encontra-se em revisão, estando a questão do mecanismo de compensação também em análise». Suspendendo o fim do mecanismo mantém-se o negócio de costume e não se dá motivo a protestos.

FONTE: ECO