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Agrotec

AJAP antecipa 2023: “os agricultores vão atravessar tempos extremamente difíceis”

A AJAP recebeu, “com surpresa”, a demissão do secretário de Estado da Agricultura, Rui Martinho. Firmino Cordeiro, Diretor-Geral da AJAP, considera-o “um excelente técnico”, que conhece muito bem os organismos e programas do Ministério por onde passou (IFAP, Proder e outros), e, de uma forma geral, toda estrutura do aparelho. “Razões de saúde são sempre superiores à nossa vontade, pelo que demonstro aqui a minha admiração pelo seu empenho enquanto cumpriu funções de governação”, vinca.

Quanto a Carla Alves, que esteve no cargo 26 horas, o responsável da AJAP deixa as polémicas de lado e para os comentadores e políticos, sustentando que, além de ser “uma pessoa do setor, com formação superior na área, desempenhou tarefas interessantes na defesa de causas nobres da agricultura transmontana, antes de ocupar o cargo de Diretora Regional de Agricultura do Norte”.

Tempos difíceis: “setor precisa de muita estabilidade”

“Os tempos que atravessamos são difíceis e exigem muito mais atenção e foco do Governo para este setor, talvez dos poucos com provas dadas nos últimos tempos de resiliência, com aumentos de produtividade e com números cada vez mais interessantes nas exportações portuguesas”, considera Firmino Cordeiro.

O impacto deste caso, sustenta, “acabou por ser bastante negativo, devido a toda uma conjuntura estrutural e pessoal que não correu bem”. Firmino Cordeiro não tem dúvidas: “quem convida tem responsabilidades, pois devia ter mais informação, quem aceita devia fornecê-las, o que verdadeiramente aconteceu só os intervenientes sabem. Uma coisa é certa, este setor necessita de muita estabilidade e da máxima concentração no que tem de fazer, nomeadamente preparar e implementar o PEPAC que temos em curso desde o início de janeiro, e infelizmente estamos a perder demasiado tempo com estes mexericos”.

Situações que “são de um enorme desgaste” para o Governo, “mas convenhamos, trata-se de um país europeu, todas estas falhas do Governo não são muito normais, e o primeiro-ministro devia pedir desculpa aos portugueses que lhe deram a maioria e, humildemente, refazer e restruturar com critério e responsabilidade todo um Governo que tem fragilidades, e muitas rostos do passado recente, razão talvez de desgaste”.

“Fazer parte de um Governo não é emprego de curta duração, são cargos de enorme responsabilidade, concentração e poder de decisão, acima de tudo, exigem uma grande capacidade de trabalho quase sempre em alta pressão”, analisa.

 “Governo não tem dado a devida atenção ao setor”

Sobre os desafios que enfrenta atualmente a tutela, o Diretor Geral da AJAP considera que o Governo “não tem dado a devida atenção a este setor, as ajudas aos agricultores para atenuar os inúmeros problemas que temos tido com recentes as crises”, como a Covid-19, a seca, a guerra na Ucrânia, os combustíveis, os fatores de produção (sementes, rações, fertilizantes e pesticidas) e energia.

“Se compararmos com o que o Governo da vizinha Espanha tem feito junto do setor ficamos muito, mas muito aquém da celeridade com que os agricultores espanhóis recebem apoios, alguns diretos no ato de comprar os fatores de produção, como os combustíveis e energia. São os nossos concorrentes mais diretos, estamos sempre a competir bem abaixo do nível mínimo aceitável quando queremos exportar e fazer negócios, com tudo mais caro, temos menos lucro, margens miseráveis, por vezes até negativas, e claro neste cenário vamos continuar a assistir a muitas explorações a fechar portas”, considera.

E que esperar de 2023? Para a AJAP, o cenário não se afigura animador.

Firmino Cordeiro vê este ano como “terrível, com pouco dinheiro para investir no setor” e frisa que “vamos ‘rapar o tacho’ dos restos do PDR2020 e do PRR, e com o novo quadro com muitas medidas previstas apenas para 2024”.

“Se os fatores de produção não baixarem, se a inflação demorar a baixar e os preços ao produtor não subirem (apesar de subirem muito nos hipermercados ao consumidor), para margens minimamente aceitáveis, e com o nível de apoios do Estado apenas, apenas colado ao que Bruxelas tem para oferecer, o setor e os agricultores vão atravessar tempos extremamente difíceis”, constata, com muita preocupação.

Lembra que não podemos esquecer que somos, na Europa, o país com os agricultores mais envelhecidos e menos rejuvenescido, “exigia-se muito mais empenho, porque nos últimos anos melhoramos muito a nossa autossuficiência alimentar e as exportações, graças ao espírito de missão e esforço dos agricultores, porque o Governo faz os mínimos que Bruxelas impõe, infelizmente é assim”.

Dar prioridade aos circuitos curtos de comercialização

Apesar das dificuldades que se esperam em 2023, o Diretor Geral da AJAP recorda que os portugueses em geral “já perceberam que os seus homens do campo não viram as costas às suas responsabilidades, compromissos e missão, quase não faltaram produtos nos tempos da pandemia de Covid-19, reconhecem a qualidade das nossas produções, oferecemos aos nossos turistas vinhos e sabores únicos, numa panóplia de produtos regionais de que todos temos orgulho (queijos, enchidos, azeites, frutos secos, legumes, mel e compotas), únicos, para não falar da sua confeção quando passam pelas cozinhas dos portugueses, da restauração e hotelaria”.

E frisa: “os portugueses representam uma enorme fatia, dos nossos clientes, são os nossos melhores aliados e nós tudo fazemos e faremos para os servir cada vez mais e melhor”.

Firmino Cordeiro recorda que as vendas diretas e os circuitos curtos de comercialização “têm de ser mais apoiados” e avisa que “uma percentagem significativa dos portugueses está a retomar hábitos de comprar produtos locais, sem percorrerem grandes distâncias para chegar a suas casas, quase sem intermediários”.

“É uma aposta interessante onde todos ganhamos, a começar pelo ambiente, além disso, os agricultores praticam preços mais justos e, acima de tudo, os clientes compram produtos mais frescos, de melhor qualidade e a melhor preço”, conclui o responsável da AJAP.