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Agrotec

Confusão sexual contra a traça-da-uva, na região demarcada do Douro. O Projeto CSinDOURO

 Cristina Carlos1,2, Fátima Gonçalves2,3, Juliana Salvação4, Ana Rita Ferreira1, Ana Almeida5, Maria Seixas5, Paula Seixas2, J. Aranha2, Laura Torres2

1 Associação para o Desenvolvimento da Viticultura Duriense (ADVID), Departamento dos serviços técnicos, Vila Real

2 Centro de Investigação e Tecnologias Agroambientais e Biológicas (CITAB), Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro

3 Centro de Investigação de Montanha (CIMO) Instituto Politécnico de Bragança

4 Independent Forestry and GIS consultant, Vila Real

5 Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD)

Resumo

A redução do uso de pesticidas químicos de síntese tem sido fortemente encorajada pela Comissão Europeia (DIRECTIVA 2009/128/CE) e o setor vitivinícola tem manifestado crescente interesse pelo uso de estratégias de proteção alternativas, com menor impacto na saúde humana e no meio ambiente, onde se destaca o método da confusão sexual. Neste artigo, apresentam-se resultados da aplicação desta metodologia inovadora nas vinhas da Região Demarcada do Douro, designadamente os obtidos no âmbito da concretização do projeto CSinDouro, com vista a maximizar a eficácia do seu uso em contexto de encosta.

 

Palavras-chave: Proteção Biotécnica, Feromona, Sustentabilidade, Eficácia.

Abstract

 

The reduction in the use of synthetic chemical pesticides has been strongly encouraged by the European Commission (DIRECTIVE 2009/128 / EC) and the wine sector has shown increasing interest in the use of alternative protection strategies, with less impact on human health and the environment, where the method of mating disruption stands out. In this article, results are presented of the application of this innovative methodology in the vineyards of the Douro Demarcated Region, namely those obtained in the context of the implementation of the CSinDouro project, in order to maximize the effectiveness of its use in the context of the hillside.

 

Keywords: Biotechnical Protection, Pheromone, Sustainability, Effectiveness.

 

Introdução

 

A traça-da-uva, Lobesia botrana (Figura 1) é praga-chave da vinha nos países do sul da Europa, incluindo a Região Demarcada do Douro (RDD), onde normalmente desenvolve três gerações anuais. A primeira geração ataca as inflorescências e a segunda e terceira atacam os cachos.

A confusão sexual (CS) é um método de proteção contra pragas, que tem por base a instalação, nas culturas, de difusores (Figura 2) que libertam um composto sintético análogo ao da feromona sexual emitida pelas fêmeas (acetato de (E,Z)-7,9-dodecadien-1-ilo), para atraírem os machos, na altura do acasalamento. O objetivo consiste em confundir os machos, impossibilitando-os de localizarem as fêmeas e, desse modo impedir o acasalamento e, consequentemente, a reprodução.

A CS está homologada em Portugal, para a proteção contra a traça-da-uva, desde 2002, estimando-se que na RDD esteja, atualmente, a ser implementada numa superfície de aproximadamente 500 ha. Entre os aspetos que mais contribuem para o interesse do uso desta técnica, referem-se: i) a especificidade, pois desconhecem-se efeitos adversos em espécies não-alvo, incluindo a fauna auxiliar das culturas, e ii) o facto de não se conhecerem efeitos adversos no ambiente, aplicadores e consumidores.

A Associação para o Desenvolvimento da Viticultura Duriense (ADVID) tem promovido e apoiado o uso desta técnica junto dos seus Associados, o que permitiu a recolha, sistematização e tratamento de informação ao longo de mais de 20 anos, em estreita colaboração com os seus associados e investigadores da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD). Os dados recolhidos, designadamente os correspondentes à concretização do Projeto EcoVitis - Maximização dos serviços do Ecossistema Vinha na Região Demarcada do Douro (2010-2014), permitiram concluir sobre o interesse do uso da CS contra a traça-da-uva na RDD, mas também sobre a importância de obter conhecimento considerado necessário para ultrapassar um conjunto de constrangimentos identificados como podendo comprometer a sua eficácia. Procurar contribuir para a obtenção deste conhecimento esteve na base da implementação do projeto CSinDouro, em curso no período de 2017-2021, a seguir apresentado.

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FIGURA 1. Adulto de traça-da-uva.

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FIGURA 2. Difusor de feromona do tipo “esparguete” usado na confusão sexual contra a traça-da-uva.

O projeto CSinDouro


O projeto CSinDouro “Confusão sexual (CS) contra a traça-da-uva, Lobesia botrana, em viticultura de montanha: caso particular da Região Demarcada do Douro (RDD)” (PDR2020, Grupo operacional, 2017-2021), que resultou de uma parceria entre cinco entidades (ADVID, UTAD, Companhia Geral de Agricultura das Vinhas do Alto Douro SA (RCV); Quinta D. Matilde - Vinhos, Lda., Quinta do Vallado - Soc. Agr. Lda. e Sogevinus Quintas, SA.), foi implementado com o objetivo de desenvolver uma metodologia de aplicação da CS contra a traça-da-uva, adequada às condições da vinha de encosta da RDD, designadamente através do aprofundamento de conhecimento sobre o impacto do clima, paisagem e características das vinhas da região na distribuição da feromona. Seguidamente descrevem-se as principais tarefas executadas no âmbito da concretização deste projeto, assim como os resultados obtidos.

Em virtude da conhecida influência da paisagem na eficácia do uso da CS, procedeu-se à criação de um sistema de informação geográfica (SIG) capaz de servir de apoio à recolha dos dados no campo (caracterização das parcelas, georreferenciação das armadilhas sexuais, registo do número de capturas de adultos e de difusores aplicados e dos níveis de ataque), bem como à posterior análise espacial dos dados. Com base na informação recolhida (capturas em armadilhas sexuais e níveis de infestação) foi possível elaborar mapas de distribuição espacial (Figura 3), identificar “hotspots” (i.e., locais com maior concentração de adultos de traça-da-uva) e, nos anos subsequentes, proceder à adaptação do número de difusores a colocar nos diferentes locais.

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FIGURA 3. Mapas de distribuição espacial dos adultos de traça-da-uva, numa das explorações parceiras do projeto, em 2018 e 2019.

Para examinar o impacto da vinha e da vegetação envolvente na distribuição da nuvem de feromona recorreu-se a uma análise integrada do território, usando um modelo 3D do terreno, que integra a análise da circulação do vento e do vigor vegetativo da vinha e a sua potencial relação com a distribuição da traça. Desta forma realizou-se o levantamento aéreo com recurso a um veículo aéreo não-tripulado (VANT) na Quinta de São Luiz. O modelo digital de superfície (MDS), ao representar a variação de altitude da cobertura do solo, permite identificar a estrutura vertical dos bardos de vinha e detetar zonas menos densas e aberturas causadas por plantas inexistentes ou menos vigorosas. Já os índices de vegetação (IV) permitem quantificar a densidade da estrutura vegetativa dos bardos. A análise integrada destas características permite identificar zonas de circulação do ar dentro das parcelas de vinha. Quanto menor a estrutura vertical e a densidade de "copas", mais facilmente o ar circula entre os bardos e entre as plantas. Por outro lado, as imagens térmicas obtidas por satélite permitem estratificar diferenças térmicas dentro da propriedade e estimar a provável circulação do ar entre as zonas mais frias e mais quentes. A análise integrada da estrutura do terreno e da vegetação combinada com as características térmicas que ocorrem localmente permitem estimar que a nuvem de feromona possa circular com facilidade das zonas mais frias para as zonas mais quentes através das estruturas vegetais (bardos) menos densas.

Com o objetivo de comparar a eficácia no método da CS, de dois tipos de difusores de feromona, ambos desenvolvidos pela Shin-Etsu Chemical Co: um difusor biodegradável, o ISONET – LTT BIO® (cedido pela CBC Iberia e aplicado pela primeira vez na RDD) e o difusor ISONET – LTT® (recentemente homologado em Portugal), em 2020 desenvolveu-se um estudo na Quinta de D. Matilde. Para além da monitorização das armadilhas sexuais e da avaliação dos estragos causados pela praga, fez-se o acompanhamento da evaporação da feromona dos dois difusores, pelo método gravimétrico (pesagem mensal). A evolução da quantidade de feromona libertada pelos dois tipos de difusor foi máxima entre junho e julho, tendo-se prolongado até agosto (período em que se verificou a sua exaustão, aparentemente devido às condições climáticas extremas que ocorreram no período de verão). A quantidade de feromona libertada em miligramas por dia por hectare permitiu observar diferenças de perdas quando os difusores se encontram a cotas diferentes (sendo maior nas cotas mais baixas). Apesar da exaustão dos difusores, no período em que ocorria o terceiro voo do inseto, este estudo permitiu concluir que: 1) de uma forma geral, os dois difusores permitiram uma redução da intensidade de ataque nas três gerações, com exceção de algumas parcelas de bordadura durante a terceira geração; 2) o uso do difusor biodegradável ISONET – LTT BIO®, apresentou resultados satisfatórios podendo, por ser biodegradável, trazer benefícios ambientais.

Considerando que o conhecimento existente na RDD mostrou a existência de diferenças entre castas de videira na sua capacidade de promover o desenvolvimento da traça-da-uva, e consequentemente na dinâmica espácio-temporal da praga, procedeu-se à realização de um trabalho tendo como objetivo avaliar essa capacidade relativamente a um conjunto de castas com importância económica na RDD. Em última análise a identificação de castas mais favoráveis ao desenvolvimento da praga poderá permitir melhorar a eficácia do uso da CS através, por exemplo, do reforço da densidade de difusores de feromona nas parcelas correspondentes ou da integração, nessas parcelas, da CS com outros meios de proteção contra a praga. Os resultados mostram que a intensidade do ataque de traça-da-uva diferiu de acordo com a casta (a casta Touriga Franca, no caso das castas tintas, e a casta Malvasia Fina, no caso das castas brancas, foram tendencialmente as mais atacadas). Dos fatores analisados, a pubescência e a precocidade das inflorescências parecem poder influenciar o ataque da primeira geração, pois as inflorescências de T. Franca, no caso das castas tintas, eram as que se apresentavam mais desenvolvidas e com menos pubescência à data da amostragem. No caso dos cachos, poderá ser a compactação, o fator que mais poderá justificar o maior ataque frequentemente observado na casta T. Franca.

Em termos globais, os resultados recolhidos ao longo do projeto demonstram que o uso prolongado da CS ao longo do tempo (2018-2020), adaptado às condições do território e tendo em conta o histórico do ataque em cada parcela, permite uma redução crescente do ataque da traça-da-uva, dando um contributo importante na proteção contra a praga, com redução da necessidade do uso de outros meios de proteção diretos.

No âmbito da divulgação dos resultados do projeto, para além da participação de vários elementos da parceria em conferências temáticas sobre CS, publicou-se documentação técnica e artigos científicos, estando a informação correspondente disponível em www.advid.pt/CSinDouro. Por forma a divulgar de forma mais alargada esses resultados, e para promover o uso da CS no setor vitivinícola, deverá ter lugar no próximo dia 29 de junho de 2021 o seminário de encerramento do projeto, sob o tema “Boas práticas para aplicação da confusão sexual em viticultura de encosta”. A participação neste seminário é aberta a todos os interessados, mediante inscrição que, oportunamente, deverá ser objeto de divulgação.

 

Agradecimentos

 

Os autores agradecem às empresas parceiras do projeto, em particular aos seus técnicos, por todo o apoio prestado na recolha de dados (Rui Soares, Sérgio Soares, Álvaro Lopes, da Real Companhia Velha; Márcio Nóbrega e Bruno Teixeira, da Sogevinus quintas SA; José Carlos Oliveira da Quinta de D. Matilde; Daniel Gomes da Quinta do Vallado).