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Agrotec

As contribuições da ciência para a viticultura moderna no combate ao míldio

Neste que é o ano considerado o ano do míldio, a informação é cada vez mais importante. O impacto económico e social em climas temperados, sendo a Europa responsável por cerca de 40% da produção mundial. Apenas uma espécie de Vitis, a Vitis vinifera L., é cultivada para produção de uva de mesa e vinho. Esta espécie é altamente suscetível a diversas doenças, sendo o míldio da videira uma das mais devastadoras.

Míldio vinha

Por: Andreia Figueiredo1,2 , Rita B. Santos1,2

O controlo desta doença passa por sucessivas aplicações preventivas de fungicidas, a cada época de cultivo, o que apresenta vários constrangimentos ambientais e de saúde pública. A redução de fitoquímicos para o controlo de doenças e pestes é uma das diretrizes da União Europeia para a agricultura moderna. Num contexto de alterações climáticas e de perda de biodiversidade, o contributo da ciência é crucial para o desenvolvimento de métodos de controlo alternativos mais sustentáveis.

Desde a domesticação da videira que a cultura vinícola se confunde com a história da própria Humanidade. A videira domesticada (Vitis vinifera L. spp. vinifera) pertence ao género Vitis, que apresenta cerca de 60 espécies selvagens inter-férteis (This et al., 2006). Inicialmente, as uvas eram apenas usadas como fonte de alimento, mas, com o evoluir do conhecimento acerca das suas características e desenvolvimento de técnicas de fermentação, o seu prestígio aumentou.

Atualmente, a Vitis vinifera L. é uma das plantas mais cultivadas em todo o mundo, com elevado impacto na economia mundial. Em Portugal, a expressão desta indústria é elevada, uma vez que o nosso país é um dos maiores produtores e exportadores de vinho do mundo, posicionando- -se em décimo primeiro lugar no ranking mundial dos países produtores de vinho.

Em 2018, Portugal produziu 6,1 milhões de hectolitros de vinho e exportou três milhões, com o valor comercial de 800 mil milhões de euros, correspondendo a um aumento de 11% entre 2014-2018 (OIV, 2019).

O míldio da vinha é uma doença causada pelo oomicete obrigatório Plasmopara viticola (Berk. E Curt.) Berl. e de Toni, sendo considerado um dos maiores responsáveis por perdas de produção que representam vários milhões de euros. Em zonas de clima temperado e húmido, o míldio da vinha pode atacar todos os órgãos verdes da planta, folhas, gavinhas, ramos e cachos (Gessler et al., 2011).

O desenvolvimento da doença é favorecido por temperaturas amenas e humidade elevada (por exemplo, a chuva de primavera), que promovem a germinação dos oospórios, que por sua vez produzem esporângios.

Na presença de água, os esporângios libertam zoósporos que se movimentam na pelicula de água e enquistam junto dos estomas na página inferior das folhas, ou nos outros tecidos verdes. O tubo germinativo penetra através dos estomas e, no espaço intercelular do mesófilo, ocorre a diferenciação das hifas primárias em haustório. Esta estrutura especializada permite que o oomicete obtenha nutrientes, suprima os mecanismos de defesa e redirecione o metabolismo do hospedeiro a seu favor. O período de incubação do patogéno pode variar em média entre 7-10 dias, a partir dos quais aparecem os primeiros sintomas em tecidos suscetíveis (Gessler et al., 2011).

Após o aparecimento dos primeiros sintomas, em condições favoráveis (humidade relativa > 90%, temperaturas entre 20-25 ºC e quatro horas de escuridão) emergem dos estomas os esporangióforos e esporângios, sinais típicos da doença na página inferior da folha. Este patogéno é diploide apresentando reprodução, sexual e assexual (Rumbou e Gessler, 2004).

Estas estruturas poderão iniciar novos ciclos de infeção secundários. Dependendo das condições ambientais, vários ciclos de infeções clonais podem ocorrer, comprometendo seriamente a qualidade e quantidade da produção vitícola. Infeções no final do ciclo vegetativo propiciam novas contaminações uma vez que os oósporos irão hibernar no solo e nas folhas mortas até à estação seguinte, iniciando uma novo ciclo de infeções em condições favoráveis.

Para controlar esta doença, o setor vitícola recorre a vários produtos químicos, de aplicação pré e pós infeção. Durante toda a época de cultivo várias aplicações preventivas são efetuadas (usualmente a cada 10- 14 dias), mantendo uma proteção contínua da vinha ou alternativamente, as aplicações poderão seguir modelos de risco de doença baseados na monitorização das condições ambientais (Viret et al., 2001).

Em Portugal, todas as regiões produtoras de vinho são afetadas por esta doença, podendo originar perdas de 45 a 90% no rendimento se nenhuma medida de proteção das vinhas for aplicada (ANIPLA, 2016). De forma a cumprir com as diretivas da União Europeia para a redução do uso destas substâncias químicas (Diretiva 2009/128/EC), é decisivo encontrar estratégias alternativas que permitam diminuir os riscos ambientais e de saúde pública, contribuindo assim para uma agricultura mais sustentável.

Continua

Nota: Artigo publicado originalmente na Agrotec 36

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1 Grapevine Pathogen Systems Lab, Departamento de Biologia Vegetal, Faculdade de Ciências, Universidade de Lisboa (GPSLab – FCUL)

2 Instituto de Biossistemas e Ciências Integrativas (BioISI), Faculdade de Ciências, Universidade de Lisboa (BioISI - ULisboa)