Agricultores portugueses e espanhóis pedem aposta decisiva para o milho
O I Congresso Ibérico do Milho decorreu no ano passado, em Lisboa. Este reuniu mais de 600 agricultores e técnicos agrícolas. A reforma da PAC, a defesa do regadio e as alterações climáticasforam os temas primordiais em debate no evento. À margem do 10º Colóquio Nacional do Milho, relembre o que foi discutido no evento.
Reportagem e Fotos: Ana Clara
O evento, que reuniu diversos especialistas para debater temas centrais na produção de milho e na agricultura do Sul da Europa, refletiu sobre problemas como as alterações climáticas, a Política Agrícola Comum (PAC) pós 2020, a agricultura e coesão do território e o tema da inovação e competitividade.
Na manhã de dia 13 de fevereiro de 2019, as opiniões dos oradores foram unânimes: a Agricultura é um setor primordial para o país e para o crescimento da economia portuguesa. “A importância da Agricultura na coesão do território” foi o tema do primeiro painel da manhã e que contou com a comunicação de Henrique Pereira dos Santos. Na sua intervenção, o arquiteto paisagista falou de como se deu a transição da base orgânica para a agricultura moderna. Entre essas mudanças, destacou: «a abertura dos ciclos por reforço dos fluxos, a mudança de estrume para adubos, o aumento das acessibilidades e da mecanização, isto é, a substituição do trabalho animal por energias fósseis, produzir para vender e não para comer».
O especialista deu ainda conta, através de diversos mapas, da evolução da área de milho em Portugal em 1943 e em 1999. Para Henrique Pereira dos Santos, «pagar a gestão de serviços de ecossistemas não remunerável pelo mercado é o caminho mais eficiente para um território sustentável, equilibrado, que sirva as pessoas que dele vivem e as que o usam». «Infelizmente as políticas públicas tendem a refletir mais o que pensam as pessoas que as influenciam do que os interesses das pessoas comuns, frequentemente confundidos com os interesses do Estado», alertou.
O arquiteto paisagista disse também que «há espaço para aumentar o valor de mercado da sustentabilidade (incluindo social), há espaço para melhores mercados públicos, melhores políticas públicas, mas tudo isso implica compreender melhor a gestão das paisagens». E não tem dúvidas: «a absurda via legal e repressiva de gestão do problema do fogo é talvez o exemplo mais evidente da falta de juízo e conhecimento da evolução do mundo rural por parte de quem decide».
«Nas terras marginais, é essencial inovar e criar valor»
Para Henrique Pereira dos Santos, «nas terras marginais é essencial inovar e criar valor». A corroborar as suas palavras esteve Francisco Cordovil, professor aposentado do ISCTE, que afirmou que «a causa principal dos incêndios em Portugal é a ausência de Agricultura». Para o especialista, «a ocupação e uso do solo é essencial» e lembrou que «faltam corredores agroecológicos que protejam os sistemas». «E há facto que todos sabemos é este: o país agrícola não arde e o país onde a Agricultura desapareceu arde».
Por seu lado, o economista João Ferreira do Amaral foi claro no início da sua intervenção, clarificando com números o peso do setor agrícola na economia portuguesa: «a agricultura e a silvicultura representam 20% das nossas exportações e são essenciais para alcançar a neutralidade carbónica». O docente do ISEG concorda que o setor das florestas tem de ser, nesta matéria, «prioritário para qualquer Governo». Também Jorge Coelho, antigo ministro das Obras Públicas, e que integra o “Movimento pelo Interior” (que reúne autarcas, empresários e académicos), alertou para a «extrema necessidade da descentralização de competências». «A luta pela defesa e desenvolvimento do Interior bem como pela coesão social e territorial é essencial e urgente há décadas», sublinhou o ex-ministro, ao mesmo tempo que relembrou números e estatísticas «duros» para a realidade do país e do fosso Litoral/Interior. O também empresário falou ainda do seu regresso às origens, em Mangualde, num projeto que é também uma homenagem ao seu avô.
Na queijaria Vale da Estrela investiu dois milhões de euros, contratou mulheres desempregadas e relançou a fileira do queijo, contando já com uma marca DOP – Denominação de Origem Protegida - da Serra da Estrela, que exporta para a China, Brasil, Espanha e França.
Durante a tarde do primeiro dia de Congresso, o tema em debate foi a inovação e os desafios para as próximas décadas, onde vários agentes do setor, em Portugal e Espanha, partilharam os testemunhos dos seus projetos. Destaque ainda para as comunicações de Dulce Freire, do Instituto de Ciências Sociais de Lisboa, que fez uma resenha histórica do milho e do seu desenvolvimento na Península Ibérica, e de Elvira Fortunato, engenheira de materiais e docente na Universidade Nova de Lisboa. Na sua comunicação falou do seu trabalho na área da revolução da eletrónica de papel e da eletrónica transparente.
O desafio da descarbonização
No segundo e último dia do Congresso Ibérico do Milho, que terminou a 14 de fevereiro de 2019, debateram-se temas cruciais para o setor do milho, entre eles, as alterações climáticas e os seus impactos na agricultura, a competitividade da produção de milho nos países do sul da Europa e os desafios que se colocam a Portugal no século XXI.
Pilar Galon, do Ministério da Agricultura, Pescas e Alimentação de Espanha, abordou o tema da produção de milho no país vizinho, sendo que este cereal «é uma das grandes culturas do setor agrícola espanhol e de grande importância também ao nível do regadio». A responsável deu a conhecer os números espanhóis do setor ao nível da evolução da superfície e produção, os principais destinos de importação do país, bem como os preços médios praticados no mercado castelhano. Entre as debilidades que atravessa o mercado em Espanha, a especialista destacou o elevado consumo de água e outros consumos ao nível dos custos de produção, preços pouco atrativos e o facto de haver outros países com produções mais competitivas.
Quanto às ameaças, a técnica do Ministério espanhol salientou uma «crescente concorrência internacional, novos cenários de alterações climáticas (escassez de água, fenómenos extremos, entre outros), redução de água perante momentos de seca, volatilidade dos preços e dependência das suas importações». Contudo, a responsável realçou que há também oportunidades que o mercado «pode e deve aproveitar, nomeadamente, o desenvolvimento tecnológico (Agricultura de Precisão) e as vantagens da Política Agrícola Comum (PAC).
A Estratégia Nacional para os Cereais
Luís Souto Barreiros, do Gabinete de Políticas Públicas (GPP), deu a conhecer as orientações essenciais da estratégia portuguesa para a promoção da produção de cereais. E começou com um alerta: «somos dos países que tem dos mais baixos níveis de autoaprovisionamento da Europa e do mundo ao nível dos cereais. E esta deve ser uma das nossas principais preocupações, já que está em causa as insuficiências alimentar e energética também». Entre elas, destacou a necessidade de reduzir a dependência externa, consolidar e aumentar as áreas de produção, criar valor na fileira e a viabilização da atividade agrícola em todo o território.
Basicamente o que esta Estratégia sugere é simples: «produzir mais e melhor, melhorar a eficiência produtiva, reduzir os custos de produção, potenciar a inovação e a transferência de conhecimento, reforçar a organização de produtores e a interligação entre os agentes da fileira, promover ações de mitigação e adaptação às alterações climáticas e estabilizar e melhorar o rendimento dos agricultores». Entre as medidas prioritárias a curto prazo, Souto Barreiros destacou a medida 1 da Estratégia (racionalizar os custos de energia, através de medidas de melhoria de eficiência energética), a medida 4 (acompanhar o processo de reconhecimento de OP), a medida 5 (simplificar o processo de licenciamento de infraestruturas hidráulicas), entre outras.
Já Margarida Oliveira, do ITQB, da Universidade Nova de Lisboa, abordou a questão das ferramentas biotecnológicas e as soluções inovadoras para a proteção de culturas. «É preciso produzir mais para acompanhar o crescimento populacional e a melhoria da qualidade de vida das pessoas», disse. A investigadora alertou também para a importância do potencial genético e para as questões ambientais para regular o crescimento e desenvolvimento da planta e lembrou os agricultores que «a maioria dos genes só funciona quando as proteínas certas se ligam entre elas».
Margarida Oliveira enumerou ainda algumas pragas e doenças que afetam a agricultura em Portugal e no mundo, no caso, os cereais. «40% da produção global agrícola mundial anual perde-se devido a pragas e doenças», alertou.
Alterações climáticas
As alterações climáticas foi outro dos temas em debate no Congresso. Cristina Lobillo Borrero, Chefe de Gabinete do Comissário Europeu para a Ação Climática e Energia, abordou a ação para o clima e energia na União Europeia e as prioridades da Comissãom Europeia nesta matéria. No que respeita à Agricultura, setor incluído nesta Estratégia, para a responsável «é essencial que clima e agricultura sejam aliados neste combate».
Por seu turno, Francisco Avillez, professor catedrático do ISA, e coordenador científico da AGROGES, abordou a importância do Roteiro para a neutralidade carbónica e os desafios para a agricultura portuguesa, que assumiu atingir a meta em 2050. São vários os setores incluídos neste roteiro: os transportes, a energia e a indústria, resíduos e águas residuais, agricultura, floresta e uso dos solos e a economia circular. «À agricultura portuguesa irá caber um contributo significativo para a neutralidade carbónica através da redução das emissões de metano, de óxido nitroso e de dióxido de carbono resultantes das respetivas atividades de produção vegetal e animal», frisou Avillez.
O académico lembrou que atualmente as emissões de Gases com Efeito de Estufa (GEE) com origem na Agricultura portuguesa resultam de 15,7% das atividades de produção vegetal, 61,5% das atividades associadas com o efetivo bovino leiteiro e não-leiteiro e 22,7% das atividades associadas com o restante efetivo animal. «É, pois, fácil antever que uma futura descarbonização da agricultura portuguesa vai exigir um contributo muito mais significativo do setor animal do que do vegetal», concluiu. Durante a tarde deste último dia de Congresso Ibérico do Milho esteve ainda em discussão a PAC pós 2020, tendo o evento sido encerrado pelo anterior ministro da Agricultura, Capoulas Santos.
Recorde-se que a cultura do milho na Península Ibérica ocupa uma área que ronda os 650 mil hectares. O evento foi uma organização conjunta da Anpromis – Associação dos Produtores de Milho e Sorgo de Portugal e da Agpme – Associação Geral dos Produtores de Milho de Espanha.
O 10º Colóquio Nacional do Milho
Já em 2020, o evento, promovido pela Associação Nacional dos Produtores de Milho e Sogro (ANPROMIS), acontece no dia 19 de fevereiro, em Coimbra.
O programa já está disponível para consulta e as inscrições já estão abertas.