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Agrotec

A visão da APAP sobre a importância das tecnologias de precisão para o regadio

A Associação de Produtores Agrícolas de Precisão (APAP), é uma jovem e dinâmica estrutura associativa que nasceu da vontade de um conjunto de empresários agrícolas, nomeadamente no seio da CERSUL, em criar serviços técnicos de consultoria em agricultura de precisão. Nesta entrevista, José Maria Amorim Falcão, diretor, Gonçalo Cané, do departamento técnico, e Ricardo Leonardo, do departamento técnico, explicam a visão da associação sobre o novo Plano Nacional de Regadio (PNR).

Regadio APAP

AGROTEC: Na vossa perspectiva, o Plano Nacional de Regadio (PNR) é ambicioso o suficiente para a vossa região/culturas?

Associação de Produtores Agrícolas de Precisão: Com a APAP sediada no distrito de Portalegre, o novo Alentejo profundo, a nossa visão regionalista do PNR é muito cáustica pois, segundo a informação existente neste distrito não vão ser feitos investimentos! Nem a barragem do Pisão, que já vem planificada por gente com visão de futuro (tal como a barragem do Alqueva), desde o tempo da outra “Senhora”, está contemplada no PNR, embora acreditemos que a palavra dos deputados da região, que muito lutaram para a por em fase estudo, será cumprida e que o atual Governo da Nação efective as promessas que até agora governos anteriores não honraram.

No final de 2017, em plena seca,  a APAP juntamente com a AADP, em representação da sociedade civil, do Mundo Rural e do setor agropecuário e florestal da região envolvente, voltou a colocar o Pisão na agenda mediática, por considerarmos que é a obra prioritária e necessária para a mudança do paradigma do distrito de Portalegre e a oportunidade de agricultura evoluir para novas culturas, novos sistemas de exploração da terra, com a criação de postos de trabalho e ajudando muitas explorações a terem novos alicerces que lhes permita uma sustentabilidade económica, numa zona em que a desertificação humana tem que ser rapidamente estancada.

Complementarmente, a “velhinha” barragem do Caia (1967), com um perímetro de rega de 7 000 hectares de regantes efectivos e cerca de 4 000 hectares de regantes precários, tem uma rede primária e secundária de rega que não se coaduna com as já antigas exigências de ausência de desperdício de água. Que por não ser tida em conta, nem olhada neste PNR, continuará sem capacidade para limitar ao máximo as percas de água na rede, que neste caso chegam quase a 30% de perdas.

Se este - e muitos outros - perímetros fossem olhados profissionalmente à luz do risco iminente de tragédia agrícola na região, já estariam modernizados e pressurizados, diminuindo consequentemente as perdas de água e aproveitando essa água para a rega dos campos dos muitos agricultores que estão instalados nas zonas envolventes dos perímetros e, assim, poder muni-los de condições para minimizar os impactos das alterações climáticas.

Este PNR, talvez porque não seja a sua função, em nada veio ajudar a desbloquear o fundamentalismo agnóstico com que a administração pública presenteia muitas intenções de obras de represamento de águas pluviais para regadios particulares, permitindo ajudar a diminuir o risco das explorações de sequeiro e a contribuir para a fixação do mundo rural.

AG: Qual a importância da precisão para o regadio?

APAP: Sendo a água um fator cada vez mais limitante e escasso, o rigor e a precisão da sua utilização são a qualquer nível uma obrigação. Contudo, a precisão não pode ser vista exclusivamente na óptica do utilizador final, tal como tem sido muitas vezes mal-olhada, mas em todo o circuito até sair da zona de armazenamento até ao final do ato de rega. Assim, temos a certeza que neste país temos que dar muitos e importantes passos, felizmente tecnicamente muito simples, embora onerosos, em especial ao nível de perdas nos sistemas de transporte de água.

Ao nível do agricultor a precisão de utilização acoplada a vários sistemas de medição é já uma prática corrente. De facto, tanto a implementação da medida do uso eficiente da água e o uso inerente das sondas de medição de humidade ao longo do perfil em tempo real, bem como as várias plataformas de monitorização indireta utilizando os dados do NDVI na parcela, os índices de clorofila, índices de stress, a utilização de estações meteorológicas locais , os dendrómetros, as câmaras de potencial estomático e os imprescindíveis caudalímetros, vieram dotar o agricultor de ferramentas muito potentes que, pouco a pouco, se vão entranhando no dia a dia do agricultor.

No entanto, todas estas panóplias de ferramentas ainda precisam de alguns anos de divulgação, implementação e de sedimentação da tecnologia, para se poderem aferir resultados e criar bases sólidas de divulgação de tecnologia e a tornar “obrigatória”. 

AG: Que sugestões entregariam para melhorar a questão do regadio em Portugal?

APAP: Temos que diferenciar os regadios antigos dos novos regadios, pois nos primeiros temos que corrigir erros de concepção fruto do conhecimento existente à data e nos novos temos que impedir a multiplicação dos erros que infelizmente, em regadios muito recentes, sistematicamente se mantêm!

Para os regadios novos, em especial em novas zonas como será o regadio assente na barragem do Pisão, há um conjunto de regras e conceitos que não se deveria abdicar, pelo que devem assentar em consumos moderados definidos por regiões e por culturas (a filosofia da rega deficitária deve sobrepor-se à filosofia da maximização da produção) de água por cultura, de modo a proporcionar o regadio a novas áreas maximizando os impactos dos investimentos públicos:

  • Tabelas de consumo máximo admissível de água por cultura, com escalões de consumo entre a opção base de rega deficitária até atingir um patamar a partir do qual os consumos acrescidos impedem o alargamento das áreas regadas;

  • Condutas fechadas com água sobre pressão em todos os circuitos de distribuição até ao agricultor;

  • Oneração agravada do património fundiário para quem deixa de regar, ou quem estando no perímetro não quer regar;

  • Taxa de solos altas e progressivas função da dimensão do regante acopladas a preços de água baratos nos patamares de consumo iniciais, mas com preços crescentes por escalão e com tetos de consumo limitados;

  • Criação de mecanismos assentes em medidas de política que fomentem e diferenciem o acesso à terra dos locais dos pequenos agricultores, que necessitam de aumentar a dimensão da sua exploração e dos jovens agricultores impedindo que dinheiros públicos sirvam para que grandes grupos comprem terra e alterem o preço de tudo, alterando o racional económico e social do investimento; 

  • Emparcelamento prévio obrigatório;

  • Banco de terras com rendas acessíveis;

  • Taxação fiscal agressiva para o enriquecimento “ilícito” por vendas assentes em mais valias geradas exclusivamente por investimentos hidráulicos não imputáveis aos donos da terra;

  • Medidas positivas de fomento de culturas tipicamente mediterrânicas, bem-adaptadas às alterações climáticas e aos sistemas de rega deficitário, com uma menção especial para os sistemas regados agro-florestais de apoio à fileira do porco de montanheira;

  • Utilização do espelho de água como suporte à implementação de centrais fotovoltaicas de apoio ao transporte e distribuição da água.

Para os regadios atuais em funcionamento:

  • Reabilitação de todas as redes de distribuição, substituindo canais a céu aberto, muitas vezes já bastante danificados, por rede pressurizada. Estas intervenções levam, naturalmente, à diminuição das perdas, em muitos casos acima dos 30%, tornando toda a distribuição muito mais eficiente;

  • Oneração agravada do património fundiário para quem deixa de regar, ou quem estando no perímetro não quer regar;

  • Retirar o título de regante a quem não usa água, permitindo aceitar regantes precários;

  • Custo crescente/ escalonado do preço da água para quem, havendo disponibilidade e não pondo em causa toda a comunidade regante no futuro, queira gastar mais água na mesma cultura;

  • Sendo o Estado a fazer as obras o preço da água (retirando a fracção da componente dos custos relacionados com a forma como a água é distribuída, gravítica ou pressão) deve ser uniformizado nos escalões iniciais a todo o país, de modo a não haver vantagens comparativas entre regantes até ao patamar da gestão apoiada em rega deficitária.