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Agrotec

Luis Sabbo: Visão e Audácia na Fruticultura algarvia

Uma onda na agricultura portuguesa está a passar pelo Algarve. Em Tavira, um jovem agricultor agarrou na cultura tradicional da romãzeira, redescrobriu-lhe o pa­ladar e o vermelho rubro que a individualiza, e fez deste fruto um dos ícones desta região.

Luís Sabbo, após a licenciatura em engenharia agronómica na Universidade do Al­garve, regressou às origens e a partir duma propriedade do pai lançou em campo experi­mental, a produção duma cultura tradicional do Algarve. Incorporando o saber e as novas tecnologias dominantes na atividade, assim nasceram romãs da variedade Acco, variedade temporã, com um fruto de cor vermelho intenso, sem acidez, excelente sabor e aroma com uma semente suave. Ao fim ao cabo, os cheiros e os sabores que banham a cultura medi­terrânica.

A variedade Acco, originária de Israel chegou ao Algarve e veio para ficar. Luis Sabbo depois de ter experimentado outra variedade e ter tomado conhecimento de outras variedades mais comuns em Portugal, ficou com o olhar preso no vermelho ru­bro desta romã, num paladar que se prolonga para lá do primeiro sabor e um perfume que inunda o ambiente. No terreno já estão plantados 8 hectares a pensar no mercado nacional. Os primeiros frutos foram colhidos o ano passado, superando as expectativas iniciais do produtor.

Para além da Romã, a Frutas do Algarve produz também figos, diospiros, pera-abacate, limões e damascos.

AGROTEC (AG): O que o despertou para a cul­tura e comercialização da romã?

Luís Sabbo (LS): A ideia inicial surgiu pela curiosidade da minha mãe pela cultura da romã, após seremos questionados diversas vezes por colaboradores – porque não pro­duzir romã? Ora, sendo uma árvore que se encontra com facilidade no Algarve mas não constituído uma cultura em termos de exploração organizada, surgiu assim a aposta mas num contexto de inovação. Por outro lado, contaram-me que tinha preços interessantes.

AG: Em termos de variedades têm feito apostas em tipos “seedless”, o que são?

LS: A romã apresenta sempre sementes, po­dem é ser sementes duras, médias ou moles, neste último são designadas como varieda­des sem semente (“seedless”). No nosso caso, a variedade Acco foi selecionada por apre­sentar sementes não lenhosas, mas também pelas suas características organoléticas e por ser uma variedade livre de royalties.

AG: Apostaram então numa única variedade?

LS: Em 2010 apostámos em dois campos ex­perimentais com duas variedades, a Acco e a Wonderful. Após alguns resultados, no fi­nal da segunda campanha optámos por eli­minar a variedade Wonderful, visto o baixo rendimento face à Acco que se apresentou melhor adaptada e com frutos de melhor qualidade.

AG: Qual o porta-enxerto utilizado?

LS: Utilizo o pé franco.

AG: Onde é feita a aquisição de plantas?

LS: Sou eu mesmo que as produzo.

AG: Quais os compassos usados? E porquê estes?

LS: Usamos vários 5x3, 4,5x3, 4x3. Optámos por compassos mais adensados durante os primeiros anos de produção, pelo facto de obtermos maiores rendimentos, a curto pra­zo, conseguindo desta maneira posição no mercado.

AG: Qual a área que pretendem deter em produção própria?

LS: De momento temos 8 hectares, em dife­rentes estados fenológicos. Para já, o objetivo é atingir a plena produção do pomar e ava­liar o mercado.

AG: Qual a produção esperada de romã?

LS: Não possuo dados concretos acerca da produção esperada, no entanto espero conseguir atingir as 25 toneladas por hectare.

AG: A pós colheita da romã requer algum tratamento particular?

LS: Colheita é manual e relativamente sim­ples, não apresenta cuidados maiores. Tra­balhamos unicamente com fruta fresca, pelo que a romã sai do campo para a central e passa por processos de calibração, embalamento e expedição.

AG: Quais os principais inimigos e maiores dificuldades na produção desta cultura?

LS: A maior dificuldade reside na oferta de pro­dutos fitofarmacêuticos homologados em pro­dução integrada para a romãzeira. Os principais problemas com pragas são os afídios e doenças causadas pelo fungo Alternaria.

AG: Quais os mercados de destino desta fruta?

LS: Toda a nossa fruta se destina a mercados abastecedores e hipermercados nacionais.

AG: Em Portugal ainda é pouco consumida, porque razão acha que tal acontece?

LS: É um facto que tal aconteça, embora apreciada, a romã é pouco consumida pelo desconhecimento das diferentes técnicas que existem de prepará-la, sendo associada a uma fruta “difícil” de se descascar. Outros dos fatores é a escolha de variedades que existem no nosso mercado, com aparência exterior apelativa, contudo muito ácidas para consumo, com gomos de tamanho reduzido e sementes duras.

AG: Como surgiu a ideia da campanha “uma maneira diferente de preparar…” e quais os resultados que têm tido?

LS: A convite da Sonae, no Mercado dos Sa­bores em Lisboa, propôs-nos a oportunidade de ter um espaço e dinamizá-lo. A ideia de criar os vídeos surgiu como maneira de desmistificar o problema de descascar a romã, após alguma pesquisa das diferentes técnicas que existem, realizámos assim um vídeo promocional. Cons­tatámos que durante o mercado houve uma rea­ção interessante por parte do público, suscitou a adesão a esta fruta pela curiosidade sobre as técnicas de preparar a fruta.

DIÓSPIRO, MOLE OU DURO: À VONTADE DO CLIENTE

AG: Qual a área de produção de dióspiro?

LS: 21 hectares.

AG: Quais as principais variedades de diós­piro que produzem?

LS: Produzimos uma única variedade, da es­pécie D. kaki variedade Roxo Brilhante.

AG: Porquê esta variedade?

LS: Por ser uma variedade com elevada e re­gular produtividade, obtendo frutos longos com elevado calibre, com uma cor amarelo­-alaranjado na colheita e vermelho intenso na sobrematuração, a polpa após madura torna­-se vermelha, com doçura extrema, sem fibras vasculares e sementes membranosas.

AG: Porque é que a principal aposta da em­presa foi feita no dióspiro?

LS: Começou por ser uma alternativa às pru­nóideas que outrora o meu pai explorou. Por se tornar uma cultura tão bem adaptada e com boas produtividades e rendimentos, as­sim se tornou o dióspiro a base económica da nossa empresa.

AG: É uma aposta para ampliar?

LS: O objetivo é chegarmos às 700 toneladas por ano.

AG: Quais os principais inimigos e dificul­dades na produção de dióspiro?

LS: A mosca da fruta (Ceratitis capitata) e a cochonilha algodão (Planococcus citri) são as principais pragas que atacam o fruto. A fra­ca resistência mecânica dos ramos é uma ca­racterística a ter atenção, durante a formação do fruto. Da mesma forma que na cultura da romã, também no dióspiro existe a dificulda­de de encontrar produtos fitofarmacêuticos homologados em produção integrada.

AG: Quantos anos demora o diospireiro a produzir nas vossas condições?

LS: As nossas árvores são conduzidas em for­ma de vaso, até produzirem os primeiros fru­tos demoram dois anos.

AG: Qual a esperança média de produção?

LS: A parcela mais antiga que temos tem 20 anos, no último ano aumentou cerca 12 to­neladas. Por isso penso que com tratamentos culturais devidos como podas, melhoramen­to dos sistemas de drenagem, etc., acredito que consigo manter esta parcela por mais uns 10 anos.

AG: Quais os compassos usados? E porquê estes?

LS: Inicialmente começamos com 5x3, atual­mente adensamos para 4.5x2. A vantagem deste compasso mais reduzido baseia-se nos primeiros 4 anos de produção, temos mais 400 árvores a produzir, no entanto após es­tes primeiros anos, a produtividade dos dois compassos é muito semelhante.

AG: Qual o porta enxerto? E porquê este?

LS: Utilizo o porta enxerto em dióspiro Lo­tus, por ser menos vigoroso e apresentar boa resistência às condições do meio e agentes pa­togénicos.

AG: É promovida a polinização?

LS: As flores da variedade Roxo Brilhante são cleistogâmicas1 onde ocorre autopoliniza­ção, não sendo necessário a ação de agentes polinizadores.

AG: Como é feita a colheita?

LS: Tratando-se de frutos que se desprendem facilmente da árvore, a colheita é manual, contudo têm de ser colhidos num estado ca­paz de atingir a maturação fisiológica. Os frutos, sem defeitos, são colocados em caixas próprias e posteriormente submetidos a uma seleção.

AG: A fruta que apresenta defeito é utilizada?

LS: Não, o pessoal é educado para colher fruta que seja vendável, tudo que seja fruta picada, disforme, ou com sintomas de pragas (não vendável) é deixada no campo. De maneira a que a fruta que entra na central tenha o míni­mo de desperdício.

AG: Porque não a utilizam para subprodu­tos (compotas por ex.)?

LS: Não é rentável e logisticamente não nos compensa a sua utilização.

AG: Quais os meses em que é colhida?

LS: Fim da primeira quinzena de Setembro até ao final de Outubro.

AG: Quanto dura a campanha de comercia­lização, até que mês?

LS: A nossa empresa funciona exclusivamente com fruta fresca, quer isto dizer que a cam­panha da colheita é simultânea à comerciali­zação.

AG: Qual a diferença entre o dióspiro Roxo Brilhante mole e duro?

LS: Provém ambos da mesma árvore, a di­ferença reside unicamente no tratamento de pós-colheita que se realiza. Tratamento em câmaras de etileno para dióspiro mole ou em CO2 para duro.

AG: Como é feita a desverdização dos diós­piros?

LS: É realizada quando se pretende dióspiro mole, após a entrada na central, a fruta passa pela linha de confeção onde é calibrada e devidamente acondicionada, segue depois em paletes para as câmaras de maturação de etileno.

AG: Quanto tempo demora?

LS: Varia com a coloração do fruto e pode ir até 4 dias na câmara de etileno.

AG: Para que se faz?

LS: É realizada para acelerar a maturação do fruto transmitindo-lhe coloração vermelha, textura mole e ainda retirar a adstringência.

AG: Quando se pretende frutos duros qual a mistura de CO2 e durante quanto tempo é feita?

LS: Neste caso a fruta, no interior da câmara, fica sujeita a 100% CO2, cerca de 20 horas.

AG: Para que se faz?

LS: Este processo serve para retirar a adstrin­gência do fruto. Com este processo não existe alteração na maturação do fruto, quer na co­loração do fruto ou na sua firmeza.


AG: Com a entrada da tecnologia na produ­ção de dióspiro Roxo Brilhante tornado não adstringente de forma algo artificial, acha que ainda há espaço para plantações feitas, natu­ralmente, com variedades não adstringentes, como Hana Fuyo, O Gosho, Sharon etc.?

LS: Acredito que pode haver espaço para a variedade Sharon, para produtores que consi­gam trabalhar com 1-MCP (1-metilciclopro­peno) de modo a atrasar a maturação, para assim cobrir a época do ano onde existe uma lacuna de dióspiro, de meados de janeiro e início de fevereiro. Para além desta hipótese, não acredito que seja viável.

AG: Não acha que o preço destas variedades seriam suficientemente competitivos com os da variedade de Roxo Brilhante?

LS: Não creio, mesmo que seja possível a in­trodução deste tipo de variedades, o facto da grande maioria ter uma aparência menos ape­lativa, sendo frutos achatados com cor menos intensa, iria ser um fator determinante. No nosso caso, mesmo com os custos de pós-co­lheita, conseguimos obter fruta de qualida­de, com maior facilidade de manuseamento e com menor percentagem de perdas.

AG: Quais as vantagens da produção desta fruta no Algarve?

LS: O Algarve, devido à sua localização e cli­ma, tem como principal vantagem a preco­cidade de fruta primor. No entanto, a longo prazo penso que o dióspiro perca algum in­teresse, devido à eterna concorrente Espanha.

AG: Com a concorrência espanhola, atual­mente é possível produzir e vender em Por­tugal dióspiro?

LS: Atualmente a produção não se fica só por Valência, conhecida como a maior zona de produção de dióspiro do país, expande-se para sul, como Huelva e Cartaya, reduzindo assim a época de precocidade da fruta do Al­garve. A única forma de combater esta con­corrência é a produção de fruta de excelência com o mínimo de perdas possível.

AG: Acha que a quota de mercado de dióspi­ro se retraiu?

LS: Penso que não, cada vez se comercializa mais dióspiro.

AG: As margens de negócio são menos in­teressantes?

LS: É a lei da oferta e procura: quanto mais produção e por conseguinte maior oferta, menores serão as margens.

AG: Quais os mercados de destino da fruta?

LS: Toda a nossa faturação é nacional cola­borando com hipermercados nacionais (clu­be de produtores SONAE, grupo Pingo Doce e Auchan) e mercados abastecedores.

FIGO, O PROFESSOR DA QUINTA

AG: Quais as variedades de figueira que produzem? São variedades nacionais?

LS: Produzimos duas variedades Colar de origem espanhola (Cheles) para lampos e a nacional Três no prato (Alcobaça) para figos vindimos.

AG: Qual a área de produção própria?

LS: 3 hectares.

AG: Quais os meses em que é colhido?

LS: É um fruto que é colhido em pleno verão desde junho a agosto.

AG: Quais os maiores problemas nesta cul­tura?

LS: Temos figueiras desde 2001, costumo di­zer que as figueiras são as nossas professoras, com elas aprendemos muito. Um dos maiores problemas reside na colheita, pois é realizada nos meses de verão e além disso é uma árvo­re com folhas ásperas, que emana um líquido leitoso algo irritante, que obriga os colabora­dores a ter todo o corpo coberto de roupa. O figo é um fruto muito perecível e apresenta um tempo de colheita muito reduzido e por esta razão requer muita mão de obra.

AG: Quais são os principais inimigos da cultura?

LS: Como principais pragas aponto para a mosca preta do figo (Lonchaea aristella), e al­guns fungos como a Alternaria.

AG: A figueira trata-se de uma cultura típica do pomar tradicional de sequeiro do Algar­ve, pensa que esta cultura ainda pode ser ren­tável? E porquê?

LS: Para os moldes da nossa empresa é visto como um extra no calendário, pois dispomos de estruturas e pessoal. Não acredito que a cul­tura do figo seja rentável por si só. Pode ter um baixo investimento inicial, contudo pode apre­sentar dificuldades na produção, baixas pro­dutividades, e mais grave, reduzidas margens de lucro. Outro fator a ter em conta, é o facto de ser um produto muito perecível com pouco tempo de prateleira, não podendo atingir mer­cados muito distantes.

A EMPRESA: UMA HISTÓRIA DE FAMÍLIA

AG: Quais as origens do projeto?

LS: Empresa familiar iniciou-se à cerca de 30 anos na exploração de prunóideas, principal­mente damasco. Como alternativa em 1993 o meu pai iniciou-se com os dióspiros, obtendo bons resultados, substituiu as prunóideas pe­los diospireiros. Mais tarde, em 2001 também como alternativa, e como complemento aos dióspiros, optou por figueiras, detendo no total 11 hectares.

AG: Quando começou?

LS: Após o falecimento do meu pai, eu e a minha mãe decidimos aumentar o leque de produtos, de modo a ter uma colheita es­calonada, atualmente temos também romãs, pera-abacate, limões e damascos, em cerca de 40 hectares.

AG: Qual o interesse pessoal pela agricultura?

LS: Considero-me apaixonado pelo que faço, sempre me habituei a ver e ajudar o meu pai, com o passar do tempo o meu entusiasmo por esta arte foi aumentando. Daí optar pela minha formação académica em engenharia agronómica.

AG: Em que medida acha que a sua formação é importante na exploração?

LS: Licenciei-me na Universidade do Algarve, o conhecimento que adquiri ajudou-me em pro­blemas práticos no campo e fez-me olhar para as árvores de uma maneira diferente. Tenho a noção que a universidade foi uma ferramenta imprescindível para o êxito atual que a empresa mantêm.

AG: Comercializam também fruta de parcei­ros regionais através da central fruteira? Qual o volume comercializado no total?

LS: Sim, trabalhamos à vários anos com alguns produtores de dióspiro e figo, no total represen­ta uma fatia de 40% do volume comercializado (dados de 2010 e 2011).

A OPINIÃO DE QUEM ANDA NO CAMPO

AG: Que balanço faz destes anos de produção?

LS: Estou satisfeito com os objetivos que temos vindo a atingir. Ultrapassámos obstáculos, conseguimos aumentar, consecutivamente, a produtividade ao longo destes últimos anos, au­mentámos também as áreas de produção, leque de culturas, número de clientes e mão de obra.

AG: O que mudava no panorama da agricul­tura em Portugal?

LS: Encarar a agricultura com atitude, pois é um negócio rentável. Uma empresa agrícola é como uma outra empresa qualquer, que tem de ter equilíbrio. Não acredito que um pomar, devidamente instalado e conduzido, com fru­ta de boa qualidade e boas produtividades, não seja rentável.

AG: O que é preciso mudar?

LS: Na minha realidade, penso que deverá ha­ver uma atualização das formas de produção, para que se consiga aumentar a produtivida­de em geral. Caminhar sempre no sentido de muito boas produtividades e percentagens de fruta de excelência muito altas.

AG: Acha que os apoios à agricultura estão ajustados às necessidades?

LS: No meu ponto de vista penso que os apoios estão ajustados. No nosso caso e pelo que conheço, sempre que recorremos a apoios ao investimento ProDer, obtivemos aprovação.

AG: Como antevê o futuro da fruticultura nacional?

LS: Com atitude e profissionalismo, de modo a melhorar a qualidade e produtividade dos nossos pomares. Acredito que a atitude é o principal fator para o sucesso.

AG: Que conselhos daria a quem pretende iniciar na cultura da romã e do diospiro?

LS: Uma empresa agrícola é como uma “fábri­ca de parafusos”, e é um negócio que tem de ser gerido de forma séria e responsável, para as dificuldades que se fazem sentir e de forma consciente para se obterem resultados positi­vos.

1 Flores em que a maturação dos órgãos sexuais e a fecunda­ção se dá antes de a própria flor abrir

In AGROTEC nº 7.

Por: Tiago Aleixo